quinta-feira, fevereiro 18, 2016

Montadoras no Brasil lucram três vezes mais que nos EUA

Por Joel Silveira Leite – Os dirigentes das montadoras disseminam há décadas a tese de que a causa do alto preço do carro no Brasil é o imposto. O mantra pegou e é quase senso comum que a carga tributária é que faz o brasileiro pagar o carro mais caro do mundo.

Outro fator que costuma ser citado é o custo Brasil, um conjunto de dificuldades estruturais e burocráticas, destacando-se a falta de qualificação profissional e uma estrutura logística cara, insuficiente e arcaica. As enormes dificuldades que o empresário enfrenta para produzir no Brasil explicam, em parte, o alto preço praticado – não apenas do carro, mas de em qualquer produto.

Mas impostos nem o custo Brasil justificam os US$37.636,00 que o brasileiro para por um Corolla, enquanto o seu colega norte-americano paga US$15.450,00. Na Argentina, país mais próximo tanto geograficamente quanto em relação às dificuldades e problemas, o Corolla também custa mais barato: US$21.658,00.

No Paraguai, o consumidor paga pelo Kia Soul US$18 mil, metade do preço no Brasil. Ambos vêm da Coreia. Não há imposto que justifique tamanha diferença. O Volkswagen Jetta custa R$65 mil no Brasil, menos de R$40 mil no México e R$30 mil nos EUA – a propaganda do carro, aliás, tem como protagonista não um executivo, mas um… universitário sofrido (clique aqui). Há vários outros exemplos. Cito mais um: o Hyundai IX35 é vendido na Argentina por R$56 mil. O consumidor brasileiro paga R$88 mil.

Se o custo Brasil fosse um fardo pesado nas costas do empresariado, seria impraticável a redução da margem operacional. A crise de 2008 revelou, porém, que havia gordura para queimar: os preços despencaram.

O índice AutoInforme/Molicar indicou queda média de preço de 10,1% desde a crise de 2008. Carros de algumas marcas tiveram queda de preço de 20%. Não se tem notícia de que essas empresas tenham entrado em colapso por causa disso.

O Hyundai Azera, que era vendido por R$100 mil, passou a custar R$80 mil após a crise de 2008. Descontos de R$5 mil até R$10 mil foram comuns no auge da crise, revelando a enorme margem com que algumas montadoras trabalham: em 2010 a GM vendeu um lote do Corsa Classic com desconto de 35% para uma locadora paulista, conforme um ex-executivo da própria locadora.

A chegada dos chineses desvendou o mistério. Equipados e baratos, ameaçaram as marcas tradicionais. O QQ, da Chery, chegou recheado de equipamentos, alguns inexistentes mesmo em carros de categoria superior, como airbags, freio ABS, sistema de som e sensor de estacionamento. Preço: R$22.990,00. Mas daria para vender por R$19,9 mil, segundo uma fonte da importadora, não fosse a pressão dos concessionários por uma margem maior.

Em março de 2011, a também chinesa JAC Motors começou a vender no Brasil o J3 por R$37,9 mil. Reação imediata: a Ford reposicionou o Fiesta hatch, passou a vender o carro pelos mesmos R$37,9 mil e instalou nele alguns dos equipamentos que o chinês trazia de série, mas apenas em São Paulo, Rio e Brasília – onde o J3 ameaçava o concorrente.

Mesmo assim, as montadoras instaladas no Brasil se sentiram ameaçadas e, argumentando a defesa do emprego na indústria nacional, pediram socorro ao governo, sendo prontamente atendidas: medida editada em setembro de 2011 impôs super IPI às empresas que não têm fábrica no País. Pela primeira vez, a Anfavea – associação das montadoras –, cujos associados não foram atingidos pelo imposto extra, não se rebelou contra nova carga tributária.

A maioria das importadoras absorveu parte dos impostos adicionais e praticou um aumento inferior ao que seria necessário para manter a margem de lucro, indicando que havia muita gordura.

A grande diferença de preço do carro vendido no Brasil em relação a outros países chamou a atenção do Senado. A pedido da senadora Ana Amélia (PP/RS), a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado convocou audiência pública para “discutir e esclarecer as razões para os altos preços dos veículos automotores no país e discutir medidas para a solução do problema”.

Realizada na semana passada, com a presença de representantes do Ministério da Fazenda, do Ministério do Desenvolvimento, do Ministério Público Federal, do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) e deste jornalista. Lamentada ausência da Anfavea, a audiência revelou (por um estudo apresentado pelo Sindipeças) que a margem de lucro das montadoras instaladas no Brasil é três vezes maior que nos EUA: no Brasil é de 10%, nos EUA é 3% e a média mundial é de 5%.

A discussão deve continuar, enquanto houver tanta gordura pra queimar!





Publicado originalmente em Pensador Anônimo

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