quarta-feira, julho 08, 2015

Richard Duncan: O esquema Ponzi de U$ 50 trilhões vai desabar?

O esquema Ponzi, ilustração de George Bates

por Luiz Carlos Azenha

Richard Duncan é autor do livro The Dollar Crisis, lançado em 2003, que anteviu a crise financeira global deflagrada em 2008 com a implosão do banco de investimentos Lehman Brothers nos Estados Unidos. Em entrevista à revista New Left Review, ele define o capitalismo em que vivemos como a era do “creditismo” e prevê que qualquer regulamentação do sistema financeiro resultará num colapso econômico global, por revelar as falcatruas nas quais o sistema hoje se sustenta. Ele identifica a origem da crise atual na decisão dos Estados Unidos de abandonar o padrão-ouro, que exigia que o país tivesse depositados 25 centavos em ouro para cada dólar impresso pelo Tesouro.

Na entrevista (em inglês aqui), defende um salário mínimo global, diz que o mundo paga no preço dos alimentos pela decisão do governo dos Estados Unidos de imprimir dinheiro e diz que a globalização gerou um investimento tão maciço em capacidade instalada que isso explica a falta de lucratividade e investimento, motores do sistema. Prevê: ou os governos investem maciçamente em tecnologias transformadoras ou o esquema Ponzi de crédito, de U$ 50 trilhões, vai implodir.

Alguns excertos:

NLR: Qual o efeito que o QE [Quantitative Easing, impressão de dinheiro] tem tido nos lucros e no investimento? O lucro dos negócios nos Estados Unidos atingiu 15% este ano, de acordo com a [revista britânica] Economist, mas as corporações parecem sentadas sobre uma montanha de dinheiro que não está sendo usado.

Richard Duncan: Sim, os lucros estão bem altos, primeiro porque a remuneração do trabalho tem ficado com uma porção cada vez menor. Além disso, relativamente ao PIB, a taxação corporativa nos Estados Unidos foi a mais baixa desde os anos 50. A arrecadação no país como um todo ficou em menos de 15% do PIB, o que é, de novo, o índice mais baixo desde os anos 50. Sim, os lucros das corporações tem sido excepcionalmente bons, embora neste trimestre, de repente, todos estejam preocupados com uma queda repentina.

Mas há um problema fundamental: não existem oportunidades de investimento viáveis. Tanto crédito foi dado e tanta capacidade de produção construída que já temos muito de tudo relativamente à renda como é hoje distribuída e absorvida. Se investir mais, você vai perder dinheiro; se você pegar seu dinheiro e comprar títulos do governo, pode preservar o dinheiro para usar num dia melhor — mas isso ajuda a empurrar as taxas de juros para baixas históricas. É por isso que, mesmo no Japão, depois de duas décadas de déficits fiscais maciços, a taxa de juros de um papel de 10 anos do governo é de 0,8%; na Alemanha, 1,2%; nos Estados Unidos, 1,5%; no Reino Unido, cerca de 1,6%. Nunca foram tão baixas e isso é parte da razão. Quando a bolha estoura, não há lugar para investir dinheiro com lucro, então é melhor colocar em papéis do governo.

NLR: Quais são as opções de longo prazo?

Richard Duncan: Acho que há três opções para o futuro da economia dos Estados Unidos — três caminhos que poderiam ser seguidos. Opção um é a dos libertários e do Tea Party: eliminar o déficit. Isso resultaria em imediata depressão e colapso, o pior cenário possível.

A segunda opção é a que eu chamo de modelo do Japão. Quando a grande bolha econômica do Japão estourou 22 anos atrás, o governo japonês começou a gerar grandes déficits de orçamento e tem feito isso por 22 anos. A relação dívida/PIB aumentou de 60% para 240%. Isso é o que os Estados Unidos e o Reino Unido estão fazendo agora: gerando déficits maciços para impedir o colapso da economia.

Eles podem continuar a fazer isso por outros cinco anos com pequena dificuldade e talvez até por dez anos. A dívida do governo dos Estados Unidos é apenas 100% do PIB, o país poderia prosseguir neste caminho por cinco anos sem atingir 150%. Embora não seja claro o quanto é desejável aumentar, sabemos que não pode aumentar para sempre. Mais cedo ou mais tarde — digamos, dez ou quinze anos — o governo dos Estados Unidos estará tão falido quanto o da Grécia e a economia norte-americana vai desabar numa Grande Depressão. Esta é a opção dois. Melhor que a um, já que é melhor morrer em dez anos do que morrer agora; mas não é o ideal.

Opção número três é o governo dos Estados Unidos continuar emprestando e gastando agressivamente, como faz agora, mas mudando a forma como gasta. Em vez de gastar em consumo e para a guerra, por exemplo — o governo dos Estados Unidos gastou até agora U$ 1,4 trilhão para invadir o Iraque e o Afeganistão — deveria investir; não apenas para reformar estradas e pontes, mas investir agressivamente em tecnologias transformadoras do século 21, como energia renovável, engenharia genética, biotecnologia e nanotecnologia, em grande escala. O governo dos Estados Unidos poderia colocar um trilhão de dólares em cada uma destas indústrias nos próximos dez anos — ter um plano para desenvolver estes novos setores da economia.

Um trilhão de dólares, digamos, em energia solar nos próximos dez anos: não estou falando em construir paineis solares para o mercado; estou falando em cobrir o deserto de Nevada com paineis solares, construir uma linha costa-a-costa para transmitir esta energia; converter a indústria automobilística para a eletricidade, substituir os postos de gasolina por postos para recarregar baterias e desenvolver nova tecnologia para fazer o carro elétrico andar a 110 km/hora. Então, em dez anos os Estados Unidos terão energia gratuita e sem limites.

O déficit comercial será equilibrado, já que não teremos de importar qualquer petróleo estrangeiro e os Estados Unidos poderão gastar 100 bilhões de dólares a menos com os militares, que não precisarão defender o petróleo do Golfo [Pérsico]. O governo dos Estados Unidos poderia taxar a eletricidade produzida domesticamente, ajudando a reduzir o déficit do orçamento; e o custo de energia para o setor privado provavelmente cairia 75% — isso, em si, poderia gerar uma onda de inovação no setor privado capaz de criar nova prosperidade.

Se o governo dos Estados Unidos investisse um trilhão de dólares em engenharia genética, é provável que poderia criar milagres médicos: cura do câncer ou formas de reduzir o processo de envelhecimento. Temos de pensar em Projetos Manhattan dos tempos de paz: juntar os melhores cérebros, a melhor tecnologia e definir alvos; usar o ‘creditismo’ para produzir resultados. Podemos todos ver os defeitos do creditismo — eles são óbvios. Mas, como sociedade, penso que os Estados Unidos estão desprezando as oportunidades que existem dentro do novo sistema econômico — a oportunidade para o governo emprestar quantidades maciças de dinheiro pagando juros de 1,5% e investir agressivamente em tecnologias transformativas que poderiam reestruturar a economia dos Estados Unidos, para que ela se livre da dependência debilitadora do setor financeiro — que se tornou um gigantesco esquema Ponzi — antes que ele entre em colapso. Caso contrário, a economia dos Estados Unidos vai, mais cedo que se pensa, entrar numa espiral letal de dívida-deflação.

NLR: Presumivelmente essa estratégia do ‘creditismo’ se aplicaria apenas à economia dos Estados Unidos?

Richard Duncan: Não necessariamente. Por exemplo, o Banco da Inglaterra imprimiu tanto dinheiro para comprar papéis do governo que agora controla mais de um terço de toda a dívida do Reino Unido. Não custou um centavo para o banco comprar todos estes papéis — nem precisou comprar papel ou tinta para imprimir dinheiro, agora é tudo eletrônico. Por que não cancelar esta dívida? Não custaria nada a ninguém; mesmo que falisse o Banco da Inglaterra, ele poderia imprimir mais dinheiro para se recapitalizar. Da noite para o dia, o Reino Unido teria uma dívida um terço menor e a qualidade de seu crédito aumentaria enormemente.

O governo anunciaria sua pretensão de tirar proveito desta oportunidade histórica para aumentar os gastos e investir em novas indústrias, para que o país pudesse finalmente se livrar de sua dependência debilitadora do esquema Ponzi das finanças e desenvolver indústrias manufatureiras novamente. Por exemplo: jogar 100 bilhões em Cambridge para investir em engenharia genética nos próximos três anos, para se tornar a força dominante em tecnologia genética no mundo. Criaria com isso empregos e ao mesmo tempo poderia reformar a infraestrutura.

NLR: Mas estas novas indústrias não estariam sujeitas à mesma falta de demanda existente hoje?

Richard Duncan: Bem, não haveria falta de demanda para uma terapia molecular que retardasse o envelhecimento ou curasse uma doença fatal. O objetivo seria mirar em inovações tecnológicas que fossem completamente transformadoras, como foi a revolução tecnológica agrícola dos anos 60, que mudou a natureza da produção global de alimentos. De certa forma esta é uma oportunidade sem precedentes, por causa da quantidade de dinheiro que os governos investiriam agora, quando as taxas de juros estão tão baixas. Se houvesse direcionamento [do investimento] para tecnologias transformadoras, poderiamos criar mercados para produtos que nem existem ainda, onde haveria demanda. Se pudessemos mudar a economia dos Estados Unidos, tirá-la da dependência do petróleo para a da energia solar, isso livraria imensa quantidade de dinheiro para gastar em outras coisas. De forma polêmica, quero enfatizar que não podemos apenas esperar por uma recuperação cíclica dos velhos tempos — não vai acontecer.

Temos um novo sistema econômico. Ou nos damos conta disso e tiramos proveito das oportunidades para emprestar e investir, ou o sistema vai desabar numa depressão severa, desfazendo uma expansão de crédito de U$ 50 trilhões. Vai ser pelo menos tão ruim quanto nos anos 30.

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