sexta-feira, março 27, 2015

O tamanho do PIB é importante. Mas para quem ele traz prazer?

Leonardo Sakamoto
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2015/03/27/o-tamanho-do-pib-e-importante-mas-para-quem-ele-traz-prazer/

O Produto Interno Bruto brasileiro cresceu apenas 0,1% em 2014 de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse é o pior resultado desde a queda de 0,2% de 2009, consequência da crise econômica global.

Em suma, ridículo. E o pior ainda está por vir por conta do impacto futuro nas taxas de desemprego.

Mas enquanto apontamos, de forma justa, a culpa do governo Dilma nessa situação de estagnação e desespero, há uma discussão histórica e de fundo, que passa ao largo porque interessa mais à xepa do que à nata.

O discurso de que o crescimento é a peça-chave para a conquista da soberania (com o que concordo) e que, portanto deve ser obtido de qualquer maneira (com o que discordo) tem sido usado por muita gente – por exemplo, pessoas que foram comunistas/socialistas, tornaram-se lideranças políticas e hoje fazem coro cego aos santos padroeiros da desregulamentação ambiental e trabalhista.

Crescer é bom, mas esse crescimento deve beneficiar a todos, caso contrário não significa desenvolvimento. Apenas progresso burro. Muitos não se preocupam que a qualidade de vida de povos e trabalhadores, principalmente os do campo, seja sacrificada para ganhar um jogo, paradoxalmente acham o contrário: que cortando as leis que nos separam da barbárie é que virá a civilização.

O Brasil está classificado na 85ª posição entre 187 países no Índice de Desenvolvimento Humano, organizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O IDH considera renda per capita, educação e expectativa de vida na sua composição.

Na média, o Brasil é um país rico. O problema é que ele continua na mão de poucos.

Quando o PIB sobe, fluiu mais para as mãos dos que puderam comprar ações do que daqueles que dependeram de salário mínimo ou de programas de distribuição de renda.

A educação está sendo universalizada – contudo a extensão de sua abrangência não é acompanhada pela sua qualidade, nem de longe. O ensino para os pobres, que poderia mudar sua vida, é – com raras exceções – muito ruim.

Vive-se mais, mas não necessariamente melhor. Posso debater com quem discorda disso na fila de um hospital público enquanto aguardamos uma consultinha.

Quando tratamos do tema por essa ótica, sempre aparece a cantilena que “a população tem que entender que o crescimento do PIB vai beneficiar a todos. Não agora. Em algum momento''.

Os economistas da ditadura falavam a mesma coisa, mas de uma forma diferente, algo como “é preciso primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribui-lo''.

Ou seja, você ajudou a produzir o doce, mas tire a mão dele que não é hora de você consumi-lo. Hoje, são alguns que vão comer.

Vai chegar a sua vez de provar do bom e do melhor. Enquanto isso, encara este fritopan.

Considerando que a desigualdade social por aqui continua uma das altas do mundo, mesmo caindo continuamente, percebe-se o tipo de resultado dessa fórmula.

O melhor de tudo é o tom professoral (“A população tem que entender''), como se o especialista fosse um ser iluminado, dirigindo-se para o povo, bruto e rude para explicar que aquilo que sentem não é fome. Mas sim sua contribuição com a geração de um superávit primário para que sejam honrados os compromissos do país.

Agora, fazer uma auditoria da dívida brasileira que é bom, governo nenhum, tucano ou petista, topou fazer.

O debate sobre desenvolvimento é uma discussão sobre a qualidade de vida. Que só será efetivo caso não exclua a população mais pobre dos benefícios trazidos por ele e não seja resultado da dilapidação dessa mesma população.

A pergunta que temos que fazer é: estamos conseguindo dividir o bolo, não por igual, mas com ênfase em quem mais precisa por ter sido historicamente dilapidado?

Estamos conseguindo diminuir a concentração de renda na maior velocidade possível ou poderíamos ir além e implementar medidas para que não apenas os filhos dos mais pobres usufruam de uma boa vida em um futuro distante, mas eles próprios, aqui e agora?

Pois esse é o tipo de situação em que não dá para perder peões a fim de ganhar o jogo.

Ah, essa nossa economia machista, forjada por homens e mulheres inseguros, que acreditam piamente que o que importa é tamanho e crescimento. E não o prazer que ele, uma vez distribuído, realmente proporciona.

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