sexta-feira, agosto 29, 2014

Pochmann diz que proposta de Marina e Aécio para BC prejudica democracia

Da Rede Brasil Atual – RBA

O economista e presidente da Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann, considera que as propostas de autonomia do Banco Central são prejudiciais à democracia brasileira, ainda em construção, e que é fundamental que a população possa influenciar diretamente nas ações de controle do sistema financeiro.

“É difícil imaginar um país que conceda na lei uma autonomia ao Banco Central. Isso a meu ver compromete ainda mais a democracia porque o povo trabalhador sempre tem poucas oportunidades de manifestar sua opinião”, avaliou Pochmann em seu comentário de desta quarta-feira (27), à Rádio Brasil Atual. “A eleição é uma demonstração de opinião, de consciência do povo. O núcleo estratégico de um governo passa a ser autônomo, sem ter voto, sem ter participação popular. Isso, obviamente, dá uma oportunidade adicional para ser um núcleo que termina contaminado pelos interesses econômicos predominantes no país.”

Entre os três principais candidatos à presidência da República, dois, Marina Silva (PSB) e Aécio Neves (PSDB), defendem a independência do Banco Central em relação ao controle do Estado, ao passo que Dilma Rousseff (PT), que disputa a reeleição, entende que é fundamental que exista poder do governo de influenciar nas escolhas de diretores e em temas como câmbio e taxa de juros, ainda que exista autonomia operacional. Hoje, o presidenta da República é responsável pela indicação da diretoria do BC.

Pelas propostas de Aécio e Marina, o BC continuaria a ter presidente e diretores nomeados pelo chefe de Estado, mas com um mandato de seis anos que só poderia ser revogado em caso de envolvimento em corrupção, e não mais por atuar em dissonância com as linhas prioritárias de determinado governo. Os principais assessores econômicos dos dois candidatos, Armínio Fraga e Eduardo Giannetti, entendem que a independência deixaria a entidade de controle do sistema financeiro a salvo de pressões e oscilações políticas. Também a coordenadora-geral de campanha de Marina, Neca Setúbal, uma das herdeiras do banco Itaú, defende a proposta de tornar o BC mais alinhado a instituições financeiras como a que ela comanda.

Quem discorda desta linha de pensamento, porém, avalia que a proclamada independência simplesmente deixa o Banco Central exposto às decisões do mercado financeiro. Segundo esse ponto de vista, o governo não pode prescindir da autoridade monetária. “É fundamental que a população continue tendo participação, o poder de tirar e colocar pessoas, porque é para isso que serve a democracia, é para isso que a política é constituída: para servir à população, e não o contrário”, adverte Pochmann.

Contexto

Nos últimos meses corporações do mundo das finanças têm feito campanha contra Dilma. Além da presença de herdeira do Itaú como braço direito de Marina, o Santander enviou recentemente cartilha a clientes na qual associa a uma derrota da petista uma melhora nos investimentos em empresas estatais com ações cotadas em bolsa. O banco espanhol afirmou ter se tratado de atitude isolada, conduzida por um grupo de analistas demitidos em seguida, mas o texto de recomendação de investimento não funcionou como caso isolado: várias consultorias passaram a apostar que um triunfo da oposição nas urnas será bom para ganhar dinheiro com as empresas públicas, e algumas falaram em cenário catastrófico em caso de vitória da petista.

Uma das explicações para os humores do mercado, que acaba se refletindo em expectativas negativas entre a população como um todo, pode estar na taxa de juros. No segundo ano do governo Dilma, o BC levou a Selic a 7,25% ao ano, o nível mais baixo da história. Depois disso, as taxas voltaram a subir, até o patamar atual, de 11%. Mas, na visão de Pochmann, as instituições não perdoaram ter a margem de lucro reduzida pela remuneração que o governo dá ao setor financeiro – a taxa de juros baliza a remuneração pelos títulos da dívida pública.

“A posição diametralmente oposta à do governo, expressa por uma parte dos bancos, é de que embora estejam ganhando muito, estão ganhando menos”, avalia. Ele apresenta o cálculo de que, em 2002, ao final do governo de Fernando Henrique Cardoso, o governo entregava ao setor financeiro o equivalente a 14,2% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto no ano passado repassou 5,7% do PIB. A diferença se explica, entre outros fatores, pelo patamar da taxa de juros, que chegou a 45% na gestão de Armínio Fraga à frente do Banco Central, encerrada com uma Selic de 22% ao ano. “Os bancos não tiveram perdas, mas deixaram de ganhar uma parte, e essa parte que deixaram de ganhar foi direcionada para políticas públicas, política de investimento público, transferência de renda, salário mínimo.”

sexta-feira, agosto 15, 2014

LEBLON: PARA MERCADO, BLABLÁ É A JANELA DE OPORTUNIDADE

O declínio de Aécio e a morte trágica de Campos abriu para o mercado aquilo que seus operadores classificam como uma janela de oportunidade.

O Conversa Afiada reproduz editorial de Saul Leblon, extraído da Carta Maior:



TRAGÉDIA E DESESPERO


O declínio de Aécio e a morte trágica de Campos abriu para o mercado aquilo que seus operadores classificam como uma janela de oportunidade.

por: Saul Leblon

A tragédia que tirou a vida de Eduardo Campos explodiu na política brasileira em vários sentidos. Mas também em nossa cabeça ao pulsar zonas involuntariamente congeladas onde hiberna a pedagogia que existe na dor.

O imponderável da história cobra penitência do menosprezo nessas horas.

Dimensão desdenhada pela atribulação e/ou a soberba , as rupturas pessoais ou coletivas imprimem transparência curta, mas vertiginosa, à impostura das miudezas que se avocam em pétreas balizas do presente e do futuro, até emergir o rosto da catástrofe.

A finitude humana precisa ser abstraída para permitir sentido à existência social, retruca o instinto de sobrevivência. Nesse desvão o capitalismo naturaliza e arrancha as leis de mercado nas formas de viver e de produzir, anestesiando a alma e o cotidiano da sociedade.

Permuta-se angústia existencial por compulsão comercial.

Consumir para existir.

E vice-versa.

A circularidade é autossustentável.

Não é a consciência que determina a vida; a vida determina a consciência. E nela o limite do cartão de crédito é mais sagrado que o tesouro fátuo da existência.

Diante da natureza humana intrinsecamente cultural o capitalismo não se contenta com menos do que ser a respiração dessa segunda pele.

Libertá-la da servidão seria o papel da política, entendida como ponto de fusão entre a filosofia e a economia, entre a luta pela sobrevivência e a realização do potencial humano.

Para ser ruptura sem ser tragédia a política deve escancarar nas mercadorias que nos cercam as relações econômicas que nos aprisionam.

Nessa condição se torna a consciência histórica da existência social para identificar na ‘forma fantasmagórica de uma relação entre coisas’ aquilo que, na verdade, é uma relação social determinada entre os homens.

Ou seja, os produtos do engenho humano não tem ‘vontade própria’, os mercados não são racionais e os seres humanos não são objetos a serem explorados uns pelos outros.

Romper o lacre do fetiche que nos circunda e subjula: essa é a emancipação que se espera da política.

O impacto desse 13 de agosto na política brasileira ajuda a enxergar, nas breves horas que correm, o abastardamento dessa dimensão libertadora que ela deveria ter.

Em primeiro lugar, avulta a sofreguidão dos que buscam uma tapagem.

Qual? Qualquer uma desde que conjure o risco, por modesto que seja, de um passo miúdo em direção oposta à hegemonia ‘da coisa’ humanizada sobre os ‘sujeitos’ coisificados .

O mercado desabou quando soaram as primeiras informações sobre o desastre aéreo ocorrido manhã de 4ª feira em Santos.

Não porque o ex-governador Eduardo Campos estivesse entre os mortos. Mercados não choram.

Mas pelo temor de que Marina Silva não se incluísse mais entre os vivos.

Subiu, em seguida, quando se confirmou que a ex-ministra teria viajado em outro avião, de carreira.

Não porque o mercado alimente em relação a ela simpatias ideológicas ou empatias pessoais. O valor da natureza para o mercado é aquele atingido pelas commodities em Chicago.

Na nervosa preocupação manifestada com a sorte de Marina pulsava na verdade a grande confissão escancarada pela tragédia desta 4ª feira: ninguém acredita mais em Aécio no mercado.

Comprado inicialmente como o engate capaz de reconduziu os centuriões do dinheiro ao comando do Estado, o tucano depreciou-se como um avião em pane na calculadora de seus fiadores.

Desde que derrapou no aeroporto do tio Múcio, em Claudio (MG), e não mais se levantou, deixou evidente sua limitação política, moral e intelectual para levar a bom termo o roteiro contratado.

No rescaldo da tragédia de 4ª feira, o conservadorismo em peso intima Marina a se oferecer como escada para levar o projeto neoliberal ao segundo turno contra Dilma.

Colunistas do dispositivo conservador evocam os astros na tentativa de sensibilizar o messianismo : ‘Presidência é destino’, sentenciam sacudindo com as mãos os ombros magros de Marina.

Dela não se espera nada, exceto isso: ser o suporte capaz de comboiar os centuriões do mercado que patinavam no chão mole escavado por um Aécio.

Essa a dimensão de sua sobrevivência que preocupava os mercados num primeiro momento.

No mesmo dia em que um vento traiçoeiro selava a carreira política de Eduardo Campos, um fórum em São Paulo reunia a fina flor dos interesses que agora assediam Marina Silva a ‘cumprir o seu destino’.

Organizado por uma revista de economia, no Hote Unique, na capital paulista, o evento que previa a participação de Campos, teve como debatedores, entre outros, José Berenguer , presidente Banco JP Morgan; Paulo Leme, presidente do Conselho de Administração do Banco Goldman Sachs e Armínio Fraga, representante de Aécio Neves.

O consenso das intervenções condensa a única plataforma que de fato interessa do ponto de vista do conservadorismo.

Aquela que restaura a supremacia dos mercados sobre os tímidos passos dados nos últimos anos em direção a uma democracia social que coordene os rumos da economia e o destino da sociedade.

A saber: tarifaço nos serviços sem compensação salarial; câmbio livre e arrocho fiscal; alta de juros para devolver a inflação à meta e elevar o superávit primário.

Uma agenda à procura de um portador eleitoralmente capaz de leva-la ao segundo turno da disputa presidencial de outubro.

O declínio de Aécio e a morte trágica de Eduardo Campos abriu para o mercado aquilo que seus operadores costumam classificar como ‘uma janela de oportunidade’.

A janela é Marina.

A oportunidade é fazer dela o cavalo de Tróia da restauração neoliberal no Brasil.

Falta combinar com a ex-senadora que um dia foi parceira de Chico Mendes, fundadora do PT e referência da esquerda na luta ambiental.

Façam suas apostas, a roleta vai girar. E tem muito dinheiro em jogo nessa rodada.

Há que fazer

ESCRITO POR AMIR KHAIR


O modelo econômico que vem sendo adotado no país desde o Plano Real é o de subordinar as decisões econômicas ao fantasma da inflação, apesar de ter passado vinte anos de vida deste plano.

Para combater a inflação, o Banco Central usa dois instrumentos principais: baixa liquidez e alta taxa básica de juros. A primeira, uma das mais baixas do mundo, exerce a função de encarecer o crédito para esfriar o consumo. A segunda atrai o capital especulativo internacional inundando o mercado de dólares e, com isso, apreciando o câmbio para baratear as importações. Só de juros esse capital leva US$ 10 bilhões todo ano e os sucessivos governos vivem cortejando-o, com Selic elevada e isentando-o de impostos.

O Plano Real deu certo ao baratear as importações, fazendo o câmbio apreciar. Contribuiu mais ainda para baratear as importações a decisão, pouco lembrada, do então ministro da Fazenda Ciro Gomes, que numa canetada derrubou as tarifas de importação. O Plano Real sem isso poderia fracassar.

A âncora cambial é o instrumento que o Banco Central adota para segurar os preços internos barrados pelos externos que são subsidiados pelo câmbio irreal. A consequência dessa política de controle da inflação é jogar no lixo qualquer tentativa de crescimento econômico, pois a expansão do consumo das famílias acaba sendo atendida em boa parte pelo produto importado, o que reduz o Produto Interno Bruto.

Para retomar o crescimento é necessário mudar esse modelo econômico, deixando de subordiná-lo à política de controle inflacionário. Não significa, no entanto, que se deixará de preocupar com o controle da inflação. Pelo contrário, esse controle se fará sem jogar por terra o crescimento econômico. E isso é possível? Creio que sim. Vejamos.

A maior parte dos países no mundo consegue conviver com razoável crescimento econômico e baixa inflação. A globalização deu golpe mortal na escalada sem controle de preços devido ao acirramento da concorrência. Não há mais casos de hiperinflação como antigamente. Além disso, avanços no comércio eletrônico, ainda pouco usado por aqui, e na logística tendem a puxar os preços para baixo. Os consumidores são beneficiados ao verem ampliadas suas opções de compra.

Esse processo está longe de ser esgotado e a tendência é continuar a expansão do comércio eletrônico, os avanços tecnológicos e logísticos, buscando atender às exigências crescentes dos consumidores. Há busca frenética por redução de custos e preços em escala internacional.

Por aqui, ao invés de contenção da demanda para conter a inflação, que tem sido o carro chefe da visão monetarista, o que se impõe é a elevação da oferta pelo estímulo ao investimento e à produção. O realismo cambial cumpre papel importante no rol de estímulos à produção.

Competir no mercado brasileiro tendo o empresário contra si a alta carga tributária e de juros, a burocracia em excesso e insumos básicos com preços bem acima do padrão internacional é missão ingrata. Se ainda por cima é encurralado pelo câmbio, esse empresário tem que jogar a toalha na lona e cair fora para escapar da falência. Não há inovação nem produtividade que resistam a esse ambiente.

O combate à inflação tem de ser feito não pela contenção do consumo, mas, sim, pela ampliação da oferta, que só se consegue com políticas firmes de estímulo ao crescimento e de redução dos custos de produção, com destaque para preços mais competitivos nos insumos básicos. O que envolve nova política tarifária para a importação, expondo os monopólios que dominam esses insumos à competição internacional. Chega de proteção do governo a eles.

É fundamental na política de crescimento econômico e de controle da inflação saber usar da vantagem estratégica de que dispõe o país na produção de alimentos. Ao se reduzirem seus preços, amplia-se o poder de compra de vastas camadas da população, que passam a consumir mais e melhor e, com isso, atraem a oferta e geram produção e investimento. O preço dos alimentos nos últimos quatro anos cresceu 9% por ano e elevou o IPCA em 2,2 pontos percentuais, numa inflação média anual nesse período de 6%, ou seja, 37% da inflação. Caso isso não tivesse ocorrido, a inflação média no período teria sido de 3,8% (!), abaixo do centro da meta de 4,5%.

Existem várias políticas de redução de preços dos alimentos. Entre elas as exitosas em várias prefeituras que procuram aproximar produtores de consumidores eliminando/reduzindo a intermediação onerosa que responde por parcela importante dos preços. Trata-se de estimular políticas de abastecimento em nível local e aí devem ser cobrados os prefeitos que ainda não se preocuparam com a questão do abastecimento. O resultado dessa política traz maior ganho ao produtor e menor preço ao consumidor.

Os governadores de estado devem ser cobrados pelo excesso que causa nos preços o pior tributo do país, que é o ICMS, com alíquotas elevadas. Majoram entre 20% e 40% os preços dos alimentos, vestuário e demais produtos de consumo, além das contas de telefone, energia elétrica, gasolina, diesel e demais combustíveis.

Outra política de combate à inflação e, mais importante ainda, de redução dos preços da economia, é atuar na redução de custos comerciais, financeiros e tributários nos bens e serviços que afetam o orçamento doméstico de amplas camadas da população. Além dos alimentos, o transporte coletivo, a moradia, os medicamentos etc. Ao se reduzirem custos, há o impacto sobre os preços e se abre o espaço para novos consumos, o que ativa o crescimento.

Enfim, não faltam políticas de fácil e rápida implementação que podem permitir o relançamento da economia com maior estabilidade de preços. Há que fazer!


Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor.