sexta-feira, julho 11, 2014

Com banco e fundo anticrise, Brics quer alternativa a FMI e Banco Mundial

Mesmo após a Copa, o Brasil continuará no foco internacional, com o encontro de cúpula do Brics. Em debate estará a criação de mecanismos de apoio a países emergentes.


A criação de um banco de desenvolvimento e de um fundo de reserva alternativo – uma espécie de fundo anticrise – são os projetos mais importantes nos três dias do próximo encontro dos líderes do grupo Brics – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – que começa nesta segunda-feira (14/07) em Fortaleza e, depois, prossegue em Brasília.

"A criação dessas instituições financeiras mostra que os países do Brics querem ter mais influência, e de forma construtiva. Eles se espelham no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional (FMI)", afirma o subsecretário de Política do Ministério das Relações Exteriores, embaixador José Alfredo Graça Lima.

O novo banco de desenvolvimento, que terá à disposição um capital inicial de 50 bilhões de dólares e capital autorizado de até 100 bilhões de dólares, deverá financiar projetos de infraestrutura tanto nos cinco membros do Brics como em países em desenvolvimento.

O novo "fundo monetário" deverá ajudar Estados que têm problemas com a balança de pagamentos. Na mídia brasileira especula-se que a Argentina poderá ser a primeira a pedir um empréstimo de emergência à nova instituição. A presidente Cristina Kirchner já confirmou sua presença na reunião de 16 de julho, em Brasília.

China entra com maior parcela

Mesmo assim, ainda existem muitas questões em aberto. Nem a localização da sede da nova instituição, nem os critérios e o nome dos países que vão receber os créditos estão definidos. Somente o volume de crédito disponível já está fechado.
De acordo com o Itamaraty, o fundo contará com 100 bilhões de dólares. A China entrará com a maior parte: 41 bilhões de dólares. Brasil, Rússia e Índia vão disponibilizar 18 bilhões de dólares cada; e a África do Sul, 5 bilhões de dólares.
Não apenas no Brasil a criação do fundo é vista como uma resposta ao impasse do Fundo Monetário Internacional (FMI). Na reunião de abril deste ano entre Banco Mundial e FMI, a reforma da estrutura de cotas do Fundo fracassou, devido ao veto do Congresso americano. A reforma incluía o aumento de 6% do peso dos votos do grupo de países-membros em desenvolvimento e emergentes.

Em busca de uma identidade comum

"Todos querem mais flexibilidade. O Brics mostra aos EUA que mudanças são possíveis", afirma a economista Lia Valls Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A criação de um fundo e de um banco de desenvolvimento pode contribuir para a formação de uma identidade comum no grupo.


Argentina de Cristina Kirchner pode ser primeiro país a receber ajuda do Brics
José Alfredo Graça Lima, do Itamaraty, observa que a busca dessa identidade está ainda no começo. "É mais fácil dizer o que o Brics não é, do que dizer o que ele é. Ele não é nenhuma organização internacional, união aduaneira ou zona de livre-comércio. Ele é um mecanismo que tem se provado útil na cooperação recíproca."

Até o momento, a cooperação dos países-membros se concentra no comércio com a China. A exportação brasileira destinada ao país asiático aumentou de cerca de 1 bilhão de dólares em 2000 para 46 bilhões de dólares em 2013. Já em 2012, a China ultrapassou os EUA como maior parceiro comercial do Brasil, e continua avançando.

Em contrapartida, são modestas as vendas brasileiras para os demais países do Brics – Rússia, África do Sul e Índia. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), as exportações do país para a Índia, em 2013, foram de aproximadamente 1,3 bilhão de dólares; para a Rússia, cerca de 3 bilhões de dólares; e para a África do Sul, 1,8 bilhão de dólares.

Encontro histórico

Um dos objetivos dessa união política de países emergentes é mudar a ordem mundial atual, em que os EUA são tidos como força hegemônica. A criação de instituições financeiras que pretendem romper com o Sistema Bretton Woods – criado após a Segunda Guerra Mundial e, desde então, ordem monetária internacional – poderia tornar o encontro de Fortaleza um acontecimento histórico.

Após a realização da Copa do Mundo, seria o segundo evento de peso internacional no prazo de poucos dias no Brasil, pois até agora, tudo indica que a cúpula deverá entrar para a história. A presença do presidente chinês Xi Jinping, do primeiro-ministro indiano Narendra Modi e do presidente russo Vladimir Putin transforma o Brasil, por quatro dias, em palco político mundial.

É questionável, porém, se em Fortaleza serão discutidos temas políticos mundiais. Não somente a Rússia e a China, mas também a Índia, África do Sul e Brasil seguem em suas políticas externas a máxima da não interferência. Neste sentido, a mensagem do chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo Machado, é curta e clara.
"Não vejo nenhuma relação entre a questão da Crimeia e a reunião do Brics", afirmou numa coletiva de imprensa no final de abril deste ano. "São assuntos que não se comunicam entre si e, portanto, o tema não traz nenhuma incidência para a reunião."

http://www.dw.de/com-banco-e-fundo-anticrise-brics-quer-alternativa-a-fmi-e-banco-mundial/a-17780021

segunda-feira, julho 07, 2014

VI Cúpula dos BRICS: as “sementes” de uma nova “arquitetura financeira”

*Ariel Noyola Rodríguez - No dia seguinte do final da Copa do Mundo de futebol no Brasil, acontecerá a VI Cúpula dos BRICS (sigla de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Fortaleza e Brasília serão as cidades anfitriãs do encontro, que acontecerá dias 14, 15 e 16 de julho, para assentar afinal uma arquitetura financeira de novo perfil, sob o slogan: “Crescimento inclusivo e soluções sustentáveis”.

Diferentes das iniciativas de regionalização financeira asiática e sul-americana, os países BRICS, ao não definir espaço geográfico comum, ao tempo em que estão menos expostos a sofrer turbulências financeiras todos ao mesmo tempo, aumentam a efetividade de seus instrumentos defensivos.

Um fundo monetário de estabilização, denominado “Acordo de Reservas de Contingência” (CRA, do inglês Contingent Reserve Arrangement) e um banco de desenvolvimento, chamado Banco BRICS, exercerão funções de mecanismo multilateral de apoio às balanças de pagamento e fundo de financiamento para o investimento. De fato, os BRICS estão se afastando do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, instituições criada há 70 anos, sob a órbita do Departamento do Tesouro dos EUA. Em meio à crise, as duas iniciativas abrem espaços de cooperação financeira frente à volatilidade do dólar, e alternativas de financiamento para países em situação crítica, sem submeter-se a condicionalidades mediante programas de ajuste estrutural e reconversão econômica.

Como consequência da crescente desaceleração econômica mundial, tornou-se mais complicado para os países BRICS alcançar taxas de crescimento superiores a 5%. A queda sustentada do preço das matérias primas para uso industrial, derivada de uma menor demanda do continente asiático e a volta dos capitais de prazo para Wall Street impactaram negativamente o comércio exterior e os tipos de câmbio.

Exceto uma pequena apreciação do yuan, as moedas dos países BRICS perderam, de 8,80 (rúpia indiana) e até 16 (rand sul-africano) pontos percentuais frente ao dólar, entre maio de 2013 e junho do ano em curso. Nesse sentido, o CRA BRICS – dotado de um total de 100 bilhões de dólares, anunciados em março de 2013, com aportes da China, de 41 bilhões de dólares; de Brasil, Índia e Rússia, 18 bilhões cada um; e África do Sul, com 5 bilhões de dólares –, uma vez posto em andamento, reduzirá substantivamente a volatilidade cambial sobre os fluxos de comércio e investimento, entre os membros do grupo.

Os céticos argumentam que o CRA terá importância secundária e só terá funções complementares às do FMI. Deixam sem considerar que, em contraste com a Iniciativa Chiang Mai, por exemplo (integrada por China, Japão, Coreia do Sul e dez economias da ASEAN, Associação de Nações do Sudeste Asiático), o CRA BRICS poderá prescindir do aval do FMI para fazer seus empréstimos, com o que garante maior autonomia política frente a Washington. A guerra de divisas das economias centrais contra as economias da periferia capitalista exige que esse CRA BRICS seja executado, e com a máxima rapidez.

Por outro lado, o Banco BRICS despertou muitas expectativas. O Banco que começará a operar com um capital de 50 bilhões de dólares (aportes de 20 bi e 40 bi em garantias, de cada um dos membros), terá possibilidades de ampliar-se em dois anos, para 100 bi de dólares; e em cinco anos, para 200 bi; terá capacidade de financiamento de até 350 bi de dólares para projetos de infraestrutura, educação, saúde, ciência e tecnologia, meio ambiente, etc. Contudo, para o caso da América do Sul, os efeitos no médio prazo têm caráter duplo. Nem tudo é mel sobre açúcar nos mercados de crédito. Por um lado, o Banco BRICS bem poderia contribuir para diminuir os custos de financiamento e fortalecer a função contracíclica da Corporación Andina de Fomento (CAF), mediante o aumento de créditos em momentos de crise, e assim descartar os empréstimos do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Por outro lado, porém, como ofertador de crédito, o Banco BRICS entraria em concorrência com outras entidades financeiras de influência considerável na região, como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, brasileiro), a CAF e os bancos chineses com maior potencial (China Development Bank e Exim Bank of China). É inverossímil que as instituições financeiras façam convergir suas ofertas de crédito, de modo complementar, sem afetar as respectivas carteiras de credores.

Também há atritos entre os próprios países BRICS. A elite chinesa pretende fazer o aporte majoritário (a proposta russa é que os aportes sejam feitos por alíquotas) e que o organismo tenha sede em Xangai (não em Nova Delhi, Moscou ou Johannesburgo). No caso de os empréstimos do Banco BRICS serem denominados em yuans, a moeda chinesa estará avançando na própria internacionalização e reforçará gradualmente sua posição, como meio de pagamento e moeda de reserva , em detrimento de outras divisas.

Mas, além da consolidação de um mundo multipolar, o CRA e o Banco BRICS representam as sementes de uma arquitetura financeira que emerge numa etapa da crise cheia de contradições, ao mesmo tempo caracterizada pela cooperação e pela rivalidade financeira.

*Ariel Noyola Rodríguez é Assistente de Investigación no Observatório Económico de América Latina (OBELA) e Colunista na Contralínea



Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Vudu

O polo de esquerda: a boa novidade do Rio

A grande novidade, na eleição no Rio de Janeiro, é o polo de esquerda, a frente em torno de uma lista que agrupa o PT, o PC do B, o PV, o PSB.

por Emir Sader

A grande novidade nas eleições no Rio – a única, na verdade – é o polo da esquerda, em torno da candidatura do Lindberg para governador. O Rio pós-Brizola acumulou uma serie de governos muito ruins pro Estado: Marcelo Alencar, Garotinho, Rosinha, ao que se pode somar governos igualmente ruins pra cidade, como os de Cesar Maia.

Foram governos desastrosos para o Rio, que acentuaram sua decadência, que fizeram políticas de instrumentalização do Estado para políticas clientelistas, em detrimento das políticas públicas que o Rio requer.

O governo de Sergio Cabral teve a sorte de pegar carona nas políticas sociais dos governos Lula e Dilma, mas não esteve à altura delas. Implementou essas políticas de maneira seletiva, apenas em algumas regiões do Rio, de maior visibilidade. Mas tampouco sobre controlar a polícia que, com sua brutalidade, desgastou as próprias politicas sociais implementadas pelas UPPs.

A esquerda carioca, de grande trajetória, acabou ficando refém, neutralizada por enfrentamentos em que ela saiu dos primeiros lugares da cena política. Dividida, desconcertada, marginalizada, quase que desapareceu de cena.

A grande novidade – na realidade, a única – é o polo de esquerda, a frente de esquerda, que reagrupa as principais forças populares do Rio, em torno de uma lista que agrupa o PT, o PC do B, o PV, o PSB. Uma chapa encabeçada pelo Lindberg Farias, que representa, da melhor forma, essa nova fase da esquerda do Rio.

Uma nova fase que reivindica o que de melhor teve o Rio, grande avanços do governo do Brizola, a começar pelos Cieps. Que resgata as teses históricas do PT sobre o orçamento participativo. Que traz para o Rio a análise social que o Rio precisa: da luta, antes de tudo, pelo direito dos setores mais marginalizados, mais invisibilizados, da Baixada Fluminense e do interior do Estado.

Se o polo de esquerda é a novidade, o resto do quadro eleitoral resume o que de mais antigo e fracassado existe na politica do Rio: Pezão, como o representante do governo de Sergio Cabral, tendo que carregar todo o ônus do desgaste do governo estadual. Conta com a máquina do governo, mas essa mesma máquina, num momento muito mais favorável para Cabral, foi incompetente para eleger o então todo poderoso Jorge Picciani para o Senado, relegando-o a um terceiro lugar.

De forma cada vez mais visível, a Globo apoia e promove o Pezao, depois de analisar o quadro eleitoral e se dar conta que não lhe resta outra alternativa. Detrás dele também se une grande parte da direita do Rio. Ao incorporar a Francisco Dornelles, assinala para a direita que a contempla diretamente na sua chapa. A entrada de Cesar Maia complementa a união de velhos políticos desprestigiados, sem lhe trazer apoios populares.

As tradicionais candidaturas de Garotinho e de Crivella partem do piso alto dos seus fieis eleitores, mas se chocam logo com o teto alto da sua rejeição. Garotinho pode apresentar seus governos como bandeira, o que não lhe granjeia muito apoio. Crivella, nem isso. Compõem um quadro de velhas lideranças que não representam projetos de futuro para o Rio.

Diante desse quadro eleitoral, além dos méritos próprios da sua campanha e da sua liderança, Lindberg possui a vantagem da alto nível de rejeição dos outros candidatos, o que faz com que, em um segundo turno, recai sobre ele a principal possibilidade de vitória. As candidaturas estão postas, com suas chapas completas. Assim que termine a Copa, a curta campanha eleitoral vai ganhar ritmos acelerados. Da mobilização e da politização da campanha dependem as possibilidades reais de vitória do candidato da esquerda no Rio.

A máquina de dar joelhadas na espinha do Brasil


As linhas gerais do Programa de Governo de Dilma incluem goleadas históricas, mas se omitem diante de uma questão chave, que pode por a perder um jogo decisivo.

por: Saul Leblon

Carta Maior

As linhas gerais do Programa de Governo da candidatura Dilma Roussef, entregues à Justiça Eleitoral, no último sábado, ocupam 10 mil palavras. Compõem, mais que tudo, um painel informativo dos avanços e conquistas registrados nas diferentes áreas do país durante os 12 anos em que a sociedade escolheu ser dirigida por três governos sucessivos de centro esquerda.

O período e o feito, inéditos na história, estão ali descritos em pinceladas recheadas de números expressivos.

O conjunto retrata uma goleada histórica, raramente ou nunca exposta na mídia conservadora na forma de um acervo completo e detalhado.

Do conjunto sobressai a percepção nítida de que a ocultação, mais que isso, a desqualificação desse arcabouço –como tentou fazer o jornal O Globo, na semana passada, em cima de um discurso de Lula-- obedece a um instinto de sobrevivência.

Com todas as limitações sabidas –que não são poucas, não há, rigorosamente, nenhum saldo, em qualquer frente, que justifique a nostalgia em relação ao país legado em 2002 pelo PSDB, após oito anos em Brasília.

Fica difícil eles ganharem esse jogo na bola.

Por exemplo:

“Em 2002, a inflação anual chegou a 12,5%; em 2013, estava num patamar de 5,9%; a expectativa para 2014 estará dentro da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (centro de 4,5% e teto de 6,5%).

A taxa de investimento da economia brasileira, que era de 16,4% em 2002, passou para 18,2% em 2013.

A taxa de desemprego, em dezembro de 2002, era de 10,5% da população economicamente ativa; em abril de 2014, caiu para 4,9%.

As exportações, que somavam US$ 60 bilhões em 2002, atingiram US$ 242 bilhões em 2013.

No período de doze meses encerrado em maio de 2014, o Brasil recebeu US$ 66,5 bilhões em Investimento Direto Externo (IDE), quatro vezes o montante de 2002 (US$ 16,6 bilhões).

A dívida líquida do setor público decresceu de 60,2%, em 2002, para o patamar de 34,6% em maio de 2014.

O programa Minha Casa, Minha Vida, em suas duas fases, já contratou 3,45 milhões de casas, 1,7 milhão das quais já foi entregue, o que corresponde a mais de 6 milhões de brasileiros vivendo em casa própria, o equivalente à população da cidade do Rio de Janeiro, a segunda maior do país.

O sistema de financiamento habitacional, por meio do SBPE-Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, financiou 529,8 mil moradias em 2013, 18 vezes mais do que em 2002, quando foram financiadas 28,9 mil moradias.

Ou ainda, questões pouco afeitas ao eleitor urbano, como a democratização do acesso à água no sertão nordestino: até agora, já foram entregues, no Nordeste, 937 mil cisternas, das quais 607 mil somente no governo da Presidenta Dilma. Até o final de 2014, 1,080 milhão cisternas estarão instaladas por todo o Nordeste.

“Vale destacar que, embora o Brasil tenha vivido nos últimos três anos a maior seca das últimas décadas, não houve o drama dos retirantes famintos e sem rumo que nos afligia no passado...”, lembra o texto.

São algumas das goleadas nesse clássico de 12 anos.

A autoconsciência dessa inferioridade explica o empenho virulento do conservadorismo em bloquear qualquer ensaio de regulação dos canais de comunicação, que venha a propiciar um leque mais amplo de pontos de vista nas escolhas que vão definir o passo seguinte da sociedade brasileira e de seu desenvolvimento.

O interdito ao debate em uma encruzilhada fornida de desafios --a exigir uma repactuação de prioridades, metas, prazos, concessões e salvaguardas-- constitui o grande trunfo para impedir uma mudança histórica na correlação de forças na vida nacional.

Não há, no texto levado à Justiça eleitoral, qualquer menção a esse aspecto crucial da luta política, através do qual a mídia passou a suprir a carência de projetos e lideranças conservadoras, distribuindo joelhadas cotidianas nas costas do país e de sua autoestima.

O objetivo desse Juan Zuñiga sistêmico é quebrar a espinha dorsal da resistência ao lacto purga social intrínseco às propostas dos candidatos vivamente empenhados em devolver a economia ao livre arbítrio dos mercados.

A omissão, afirma-se, reflete a natureza inconclusa do documento.

Trata-se de um couvert. Não o cardápio definitivo da candidata, ou o do PT.

Mas um aperitivo palatável à ecumênica coligação de forças políticas –do PMDB ao PCdoB, passando pelo PP e o PR—que sustentam a candidatura Dilma.

Por isso mesmo a ressalva das ‘linhas gerais’.

Ou seja, um ponto de partida que “...o Partido dos Trabalhadores (PT) propõe para debate, num processo de ampla consulta aos movimentos sociais e aos partidos aliados ( quando) será aprofundado por meio de grupo temáticos’, diz a advertência introdutória ao documento (leia a sua íntegra ao final desta nota).

É fundamental que seja assim e que assim seja.

Sem suprir as lacunas do seu ferramental político, as diretrizes progressistas explicitadas no texto correm o risco de ficar à deriva.

A principal delas diz respeito à consolidação de um Estado social no país. A outra, a determinação de reformar o sistema político e ampliar a democracia participativa.
Ambas entrelaçadas ao propósito de elevar o Brasil à condição de uma economia desenvolvida nos próximos anos.

Portanto, a economia não irá a lugar nenhum sem eles. E eles não sairão das boas intenções sem canais que facultem à sociedade o debate ponderado, informativo e formativo sobre seus desafios.

“Ampliar a democracia política é um objetivo que anda junto com o compromisso de aumentar cada vez mais a democracia econômica – a distribuição de renda e a eliminação da pobreza. Além das medidas que serão tomadas de aprofundamento da democracia, soma-se o Sistema Nacional de Participação Popular, que terá a função de consolidar as formas de participação colocadas em prática nos governos Lula e Dilma e institucionalizá-las. A proposta é transformar a participação popular em uma cultura de gestão e as novas tecnologias permitem ampliar e estimular o debate da população (...) Construir um novo ciclo de transformações significa transpor o degrau que hoje separa o Brasil do mundo desenvolvido, isso apenas pouco mais de uma década depois de termos iniciado, e estarmos vencendo, a batalha contra a miséria e a desigualdade. O Brasil não será sempre um país em desenvolvimento. Seu destino é ser um país desenvolvido. Chegou a hora de alçarmos o Brasil à condição de desenvolvido e justo (...) ”, afirma o documento.
A centralidade da questão democrática é um avanço em relação às plataformas eleitorais anteriores do PT.

Não se trata mais de cobrar um espaço para os excluídos no sistema político, mas de mudar a própria natureza desse sistema para que eles possam de fato ter voz nas decisões nacionais.

A democracia brasileira oculta, no aparente contrato de um acordo social periodicamente repactuado nas urnas, a hegemonia de uma desigualdade bruta que ainda grita sua ostensiva presença no ranking das maiores do mundo.

O Estado brasileiro é o cão de guarda dessa engrenagem, que o conservadorismo quer manter obediente à coleira dos interesses unilaterais dos endinheirados.

Os avanços registrados nos últimos anos mexeram na divisão do fluxo da riqueza no país, sem no entanto alterar o estoque que alicerça esses privilégios, bem como as estruturas que enraízam um sistema de poder ferozmente elitista defendido com unhas e dentes pela emissão conservadora.

Subverter a natureza desse aparato implica não apenas mudar o financiamento eleitoral ou oxigenar a gestão do Estado com uma bem-vinda institucionalização da participação consultiva dos movimentos sociais na gestão das políticas públicas.

É preciso dar a esse deslocamento a audiência das grandes massas, de modo a traduzi-lo em uma correlação de forças que possa sustentar um ciclo de desenvolvimento emancipador.

Isso não acontecerá sem uma democratização dos meios de comunicação. E será boicotado até o limite da ruptura democrática pelo oligopólio hoje existente.
As linhas gerais do Programa de Governo de Dilma incluem goleadas históricas encorajadoras.

Mas se omitem diante de uma questão chave, que pode por a perder o jogo decisivo do desenvolvimento brasileiro (leia o artigo de Wanderley Guilherme dos Santos; nesta pág).

O debate sobre o documento deve superar essa hesitação.

A máquina de dar joelhadas já quebrou a espinha política do país algumas vezes no passado.

E nada indica que não o fará de novo.
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Leia aqui a íntegra das Linhas Gerais do Programa de Governo de Dilma Rousseff, 'Mais Mudanças, Mais Futuro':



https://programadegoverno.dilma.com.br/pgp/index.php

"Crescimento de 2% do PIB é padrão normal", diz Fernando Nogueira Costa

Jornal Brasil Econômico

O economista da Unicamp critica a comparação do Brasil aos emergentes. Para ele, o país deve ser comparado aos que já têm indústria madura, onde o desempenho da economia está em média em 2% ao ano

Ana Paula Grabois
ana.grabois@brasileconomico.com.br


Economista da Unicamp, Fernando Nogueira Costa é otimista com os rumos que o país tem tomado e diz que o crescimento em torno de 2% é normal e comparável ao dos países maduros. Ex-professor no Doutorado da presidenta Dilma Rousseff, ele defende uma visão de longo prazo para os projetos e investimentos em curso no Brasil, citando que o pré-sal deverá tornar o país o sexto maior produtor mundial de petróleo.

Ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal e ex-diretor executivo da federação nacional das instituições bancárias, a Febraban, Nogueira Costa critica as avaliações negativas do mercado — que qualifica de “alarmismo ilusório” de motivação eleitoral. E chama os economistas-chefes dos bancos privados de “bobos da corte”: “Eles são mais realistas que o próprio rei, vendem muito mais ideologia do que o silêncio. E chega nessa época, ficam fomentando o alarmismo”.

Como o sr. vê a atual situação da economia brasileira, com baixo crescimento e juro em patamar alto de 11%

Historicamente, a taxa de juro não é alta, se olharmos o juro real, de cerca de 4,5%. Sobre a economia, de 2020 a 2022, quando o Brasil comemorar o bicentenário (da independência), haverá condições para o crescimento sustentado em longo prazo e vamos entrar na próxima década em ótimas condições. Vivemos uma fase de investimentos que darão resultado em longo prazo. É uma fase de maturação de investimentos.
Em infraestrutura?

Não, falo do marco histórico do pré-sal.

Isso vai demorar um pouco para dar resultado

Já em 2018, no máximo em 2020, a Petrobras já produzirá 4 milhões de barris/dia. Com os outros produtores, chegará a 5,2 milhões de barris/dia. O Brasil vai caminhar nesse investimento desde agora, na próxima década e na década dos anos 30 deste século, e se tornará o sexto maior produtor de petróleo do mundo. Qualquer pessoa que tomar decisão econômica, seja pessoa física ou jurídica, tem que olhar o longo prazo. Não pode ficar olhando a campanha eleitoral, o curto prazo, que não vai tomar decisões para a frente. Esse é um período em que o mercado enxerga com miopia, vê de perto, mas não vê longe. O mercado precifica mal as ações da Petrobras. Para os assalariados, que não são especuladores profissionais, está na hora de comprar essas ações para ter resultado na próxima década, quando terminar o ciclo de vida profissional. Outro investimento fundamental a maturar em 2018, em 2020, é Belo Monte, a terceira maior hidrelétrica do mundo, que dará conforto ao crescimento sustentado sem carência de energia. E tem as concessões em curso na logística. Foi muito importante a Copa para ter um pacote de abrangência nacional, como a reforma dos aeroportos. Foi uma oportunidade histórica muita mal compreendida por quem tem visão de curto prazo e politiza excessivamente a economia. Nem politiza, partidariza no mal sentido. Criaram um alarmismo para tirar proveito político.

A Copa deu gás às obras de infraestrutura?

Não tenho a menor dúvida. Reformar e construir estádios em escala nacional dá um sentido de unidade. O Maracanã não tinha uma reforma como essa há 60 anos. O Mineirão também não tinha há muito tempo. No fim de semana, você ficava vendo futebol, o maior evento brasileiro, e admirando os outros países. O custo é relativamente muito baixo, ao contrário do alarmado. O BNDES financiou R$ 3,5 bilhões. Em termos relativos, é muito pouco face ao benefício. E o BNDES financiou R$ 8,5 bilhões em mobilidade urbana. É positivo para sinalizar uma nova fase, existe uma visão de estadista da presidenta Dilma. O resultado não será no mandato dela, será a partir de 2018.
O sr. fala dos resultados desses investimentos?

Sim, são decisões de longo prazo. Os economistas brasileiros e os homens de negócios ficaram muito acostumados com essa visão de conjuntura. Em termos históricos, é um alarmismo falso porque se você observar com isenção, a taxa de inflação está sob controle. Nos últimos quatro anos, ficou dentro da meta e totalmente sob controle. E aí se faz um carnaval político em torno disso.

Mas a inflação em 12 meses está no teto da meta...

Na série temporal da inflação, se olharmos o que foi no passado, está sob controle e caiu muito abaixo da média histórica. É um patamar muito baixo.

O sr. vê um exagero sobre a questão do controle de preços?

É óbvio que é por causa da campanha política, centrada para derrubar o governo. É uma união de forças para tentar vencer as eleições. O problema é o que, na economia, se chama de profecia autorrealizável. Você contamina as expectativas diariamente. Os empresários que não enxergarem com isenção, que não virem no longo prazo a oportunidade que é investir no país, acabam adiando as decisões e o resultado, no curto prazo, fica ruim. Passamos por um período muito mais difícil por causa dessas decisões paralisadas, em vez de investir.

O pessimismo, que o sr. diz ter fundo eleitoral, contaminou os empresários?

Sim, contaminou. As pessoas não têm coragem de falar. Um aspecto extremamente importante do livro do Thomas Piketty (“O capital no século 21”) é que ele mostra, em série históricas, que os países capitalistas maduros crescem muito pouco. O crescimento no mundo, historicamente, é muito baixo. Ter um crescimento do PIB de 2% ao ano é o padrão normal. Só que é desonestidade intelectual, em muitos casos, comparar com China ou Índia.

Qual seria o nosso parâmetro de comparação?

Estamos muito mais próximos de capitalismos maduros, Europa e Estados Unidos, do que dos países emergentes. O Brasil já passou desse patamar da indústria nascente. O Brasil foi o país que, até 1980, mais cresceu no século 20. Pela taxa média, foi mais de 10% ao ano. Desde então, foram duas décadas perdidas. Depois, teve algum período de taxas maiores após de anos de recessão. Foi a 7,5% em 2010, mas houve uma recessão em 2009. Em 2004, estava tendendo a 6% e o Banco Central freou e acabou crescendo 5,71%. Em 2003, tinha ocorrido a freada para arrumação e foi de 1,5%. O crescimento da renda per capita no mundo foi menor que 2% ao ano, segundo o Piketty. Isso com concentração da riqueza. Ele diz que a renda do capital cresce muito mais do que a renda das pessoas, cerca de seis ou sete vezes mais. Porque o crescimento da renda do trabalho é muito baixo.

O sr. acha que essa é uma questão esquecida na discussão econômica?

O debate no Brasil está há vários anos extremamente pobre porque essa coisa do tripé é uma bobagem. Qualquer manual de macroeconomia fala que há quatro instrumentos de política econômica. Então, qualquer política econômica de qualquer ideologia vai usar os quatro: política monetária, política cambial, política fiscal e controle de capital. Não tem mais o que fazer. Se você reduzir o debate a isso, ter que subir mais um pouco os juros ou ter que baixar mais o câmbio, é de uma pobreza intelectual tremenda e que perde essa perspectiva histórica, que é estratégica.
O crescimento baixo de hoje não tem nada de anormal?

É um padrão de crescimento que vai se sustentar no longo prazo. Não voltaremos a ter as taxas dos anos 50, ou do milagre econômico. Se forçar a economia a ir nesse ritmo de maior crescimento, de 5%, 7% ao ano, provavelmente vai ter inflação. E aí vai frear. A opção, adotada nos outros países, é manter a economia estabilizada, sem inflação, com taxa de desemprego baixo. Por que crescer muito? Qual é a lógica de demanda, de crescimento, de rendas altas? Geralmente é porque se quer taxa de desemprego baixa.

E já estamos com essa taxa baixa.

As mudanças estruturais, que o país está construindo com efeitos extremamente benéficos para a qualidade de vida, vão se consolidar na próxima década. E se faz esse alarmismo de curto prazo — se faz agora e vão fazer em 2018. Em toda época eleitoral, se faz um alarmismo ilusório.

Quais mudanças estruturais?

A diversificação setorial. Com a industrialização anterior, no pós-guerra, o Brasil se tornou uma economia altamente diversificada entre os países emergentes, com uma estrutura muito mais sofisticada do que a grande maioria desses países. E o Brasil está caminhando para se tornar um capitalismo maduro. A grande mudança estrutural que vai pegar na próxima década e nas seguintes é que o Brasil vai se tornar uma economia de petróleo. Um produtor e exportador de petróleo. Bem administrado, isso tende a resolver os problemas de balanço de pagamentos. Com a legislação já aprovada, vai se criar um fundo social com a riqueza soberana, com base nesse petróleo, e vai se dar uma oportunidade de melhorar a qualidade da educação e da saúde, não é só a quantidade. A quantidade, já estamos enfrentando. Isso tudo não se resolve em um governo, mas terá condição de se resolver a longo prazo. E com a continuidade dos programas de financiamento, o déficit habitacional deve acabar até 2030.

Ou seja, é preciso enxergar no longo prazo?

Falta essa visão de longo prazo no debate. Ano eleitoral é um ano de oportunidade para se discutir o país. O que tem que ser colocado, e a imprensa tem um papel chave nisso, é a visão de longo prazo. Vai aprovar quem vai cuidar apenas da estabilização ou quem vai investir no longo prazo? Isso é uma decisão a ser tomada. Se quer baixar a inflação de 6% para 3,5% ao ano, isso vai aumentar a taxa de desemprego. Nessa onda de demagogia política, a pessoa não é honesta intelectualmente em falar isso, porque vai provocar desemprego se baixar a inflação para 3,5%. No que a sociedade vai se beneficiar disso? Vai beneficiar quem tem emprego garantido, quem tem renda, quem tem poder de compra. É o tipo de coisa que não se fala.

Como sair desse cenário de expectativas de menos consumo e investimento?

É o que chamei de profecia autorrealizável, a pessoa mente, mente, acha que aquilo é verdade e passa a tomar decisão com base em mentira.

Isso se reverte após a eleição?

Lembre-se da experiência da eleição de 2002. O que se dizia era que ou o José Serra se elegia, ou seria o caos. Esse era o refrão durante todo o ano: “O Lula vai ser uma catástrofe, vai haver fuga de capital”. Sou testemunha ocular porque participei do governo desde janeiro de 2003.

Como vice-presidente da Caixa?

Exatamente. Eu lembro que, na Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), os banqueiros eram muito reticentes. Eu era representante da Caixa na Febraban. Imediatamente depois de arrumada a casa, começamos a conceder crédito. Começamos com o crédito consignado e o único banco que acompanhou foi o BMG. Quando o Banco Santos quebrou e os bancos privados foram comprar a sua carteira, viram que era um excelente negócio. Tínhamos feito as reformas para fazer a retomada do crédito imobiliário, paralisado desde 2004. A partir de 2005, deslanchou o crédito imobiliário e quebramos todos os recordes. Quando se assume um governo fora dessa pressão política, da eleição, e se faz políticas públicas acertadas, se colhe resultado. Ninguém achava possível acabar com a miséria no Brasil. O país já está caminhando para isso. Mas não é fazer demagogia e falar que isso se resolve em quatro anos. Nenhum problema secular vai acabar em quatro anos, nem em oito ou dez. Estou otimista porque, na próxima década, boa parte dos problemas estará caminhando para ser solucionada.

A confiança foi retomada após a posse do então novo governo?

No segundo semestre de 2003, o crédito direcionado — operações do BNDES, crédito imobiliário da Caixa e crédito agrícola do Banco do Brasil — cresceu mais que os recursos livres. Geralmente, os bancos públicos fazem também o crédito de recursos livres , mas os bancos privados têm mais peso. Quando o crédito cresce, a economia começa a funcionar e, com a demanda de crédito, os bancos privados vão atrás. Então você consegue retomar a economia e aumenta a confiança.

O mercado reage negativamente à reeleição de Dilma. Há algo que constitua um risco em um eventual segundo mandato?

Isso é pura ideologia. Conheço os meus colegas, a minha corporação. Também convivi com banqueiros durante quatro anos e meio na Febraban. Os economistas-chefe são os bobos da corte, são mais realistas que o próprio rei, eles vendem muito mais ideologia do que o silêncio, eles são os mais ideólogos. E chega nessa época, eles ficam fomentando o alarmismo. É uma coisa puramente ideológica porque eles protegem a escola deles. Eles querem derrubar a Dilma porque a Dilma não é da escola deles. Fui professor da Dilma no Doutorado da Unicamp. Claramente, eles estão derrubando uma escola de pensamento. O problema é que não é só ideologia. Os empregadores e a mídia ficam muito impressionados com as opiniões deles e passa a ser uma profecia que se autorrealiza. Isso é o mais grave: tomar decisões equivocadas baseadas em ideologia.

Vai mudar algo se a Dilma for reeleita?

Acho que vai. É necessário rejuvenescer os quadros de governo, dos ministérios.

O ministro Guido Mantega sairia da Fazenda?

É uma questão de geração. Até os próprios ministros que estão no governo desde o início do governo Lula estão desgastados pessoalmente. Politicamente, é uma coisa que chamamos de fadiga material. Faz parte da vida reconhecer que uma geração passou e que tem que abrir espaço para uma nova geração. Tem quadros novos que podem perfeitamente assumir. Por exemplo, o Nelson Barbosa (ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda). Tem experiência, passou por lá, é um quadro novo, supercompetente, pode assumir. O próprio Tombini (Alexandre Tombini, presidente do Banco Central) é um quadro novo e competente. Tem nomes dentro do PT, dos aliados, do mundo acadêmico. Posso falar por mim, posso me aposentar da Unicamp, mas já tem professores que eu formei, uma outra geração muito competente, que está assumindo responsabilidades e que tem plenas condições de trabalhar em governo. Dentro do próprio governo houve muita contratação de profissionais extremamente competentes nesse período, no Ipea, no Banco Central, nos bancos públicos, e que podem assumir. Acho que vai haver uma troca de gerações. Pelo que eu conheço da Dilma e de pessoas que ela respeita, eu acho que vai haver. É natural, não vejo com espanto, está na hora. Qualquer pessoa sensata percebe que está na hora de trocar. O ministro Guido Mantega já quebrou o recorde de permanência no cargo e superou a do ex-ministro Pedro Malan. É preciso novas ideias, novos discursos. Tem que entender que a Dilma tem essa visão de estadista, de que o ponto de chegada não vai ser em 2018, vai ser em 2022. Eu tomo isso como simbólico. O Brasil tem que estar no bicentenário como a quinta maior economia do mundo, produtora de petróleo, com recursos para investir em educação e em saúde e aproveita ainda o bônus demográfico até 2030 e que pode esticar até 2040.
Haveria alguma mudança ou ajuste na condução da política de um eventual segundo mandato?

Se espera e foi criado um certo consenso de que os preços dos combustíveis vão subir mais. No cenário mundial, há algo que todo mundo sabe, mas ignora no debate: ainda estamos em uma conjuntura de crise mundial, a maior crise desde 1929. E vai durar muitos anos a crise na Europa, e os Estados Unidos vão levar tempo para retomar a economia. A China e a Índia são outro caso, com mercados internos imensos. A China está fazendo uma coisa que a Índia ainda não fez e que o Brasil fez até os anos 60, a urbanização. A população urbana ultrapassou a população rural na China um ano ou dois anos atrás. No Brasil, isso ocorreu em 1970. É outro tipo de economia. E a China tem 400 milhões de consumidores, o maior mercado interno mundial. Não dá para comparar com outros países. Comparar o Brasil com o Chile não tem o menor sentido também, é uma economia grande e outra pequena. E se pegar economias grandes, como Estados Unidos, Brasil, e pegar o porte que vai ser a China, daqui a pouco os Estados Unidos vão estar pequenos, porque não crescem. Esse tipo de debate é o que antigamente se chamava de abordagem estruturalista, de quais são as mudanças estruturais importantes que vão dar um crescimento sustentado com decisões tomadas já no presente, mas com reflexo na próxima década.

O sr. vê algum tema que a Dilma possa mudar em um eventual segundo mandato?

Ela e todo o governo que assumir vão tentar manter taxa de desemprego baixa e a inflação sob controle. E ainda bem que a taxa de desemprego ainda está muito baixa. O crescimento habitacional está excelente em termos históricos e esse vai se manter. Depois que passar essa grita, basta ter uma retomada externa que o Brasil — o maior produtor e exportador de alimentos do mundo — vai dar uma retomada na exportação. E tem muito fôlego ainda para consumo no Brasil, porque ainda virá mais mobilidade social. Tem espaço para expandir largamente o mercado interno. Outro equívoco no debate, tanto em economia quanto em política e sociedade, é ser extremamente voltado aos centros metropolitanos. As opiniões são emitidas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Já morei anos nas duas cidades, as frequento e hoje moro em Campinas. Essa visão ultrapessimista de que a qualidade de vida está horrorosa, dos engarrafamentos, é dessas cidades. E vai melhorar porque vai ter investimento em infraestrutura e metrô. Mas isso não é a vida que predomina no resto do país. Todas as capitais têm um trânsito infernal, mas as metrópoles não chegam à metade da economia brasileira. Há críticas ao financiamento de veículos, mas somos um país que é metade da América do Sul. São 5,6 mil municípios, com um potencial de crescimento extraordinário no interior. Há interiorização do desenvolvimento, regiões desenvolvidas em São Paulo, em Minas.

A redução da desigualdade vai continuar?

Esse debate é equivocado. O livro do Piketty mostrou isso. Aconteceu algo extremamente importante, que foi a redução da desigualdade da renda do trabalho. Mas a desigualdade de riqueza, em nenhum país do mundo, seja capitalista ou socialista, se resolveu. O 1% dos mais ricos cada vez mais concentra riqueza. É preciso continuar com políticas públicas para diminuir a desigualdade de renda. Nos EUA e na China, a ênfase é de igualdade de oportunidades, de o cidadão ter condição de melhorar o padrão de vida através principalmente de uma educação maciça de qualidade. Não vai significar que ele vai enriquecer e todo mundo vai ficar igual. Na história humana, sempre tiveram os poderosos e isso nunca diminuiu. Quando diminuiu, houve duas guerras mundiais, uma grande depressão e uma hiperinflação na Europa.

Para o nível de pobreza que o Brasil tinha, as políticas sociais foram importantes?

Para aumentar a sociedade de consumo, é importante diminuir a desigualdade da renda e dar mobilidade social. Outra coisa é discutir se isso vai dar justiça social em termos de igualdade de propriedade, de riqueza. A sociedade vai mudando em qualidade à medida que vai conquistando direitos civis, políticos, sociais. Eu acho que o século 21 vai ser de conquista de direitos econômicos. Porque o capital de origem trabalhista, dos fundos de pensão, está se tornando cada vez mais importante no mundo capitalista. Os partidos de origem trabalhista, criados a partir de sindicatos, estão ficando cada vez mais importantes. A social-democracia europeia e nórdica deu as melhores condições de vida do mundo por causa de vários partidos socialistas e sociais-democratas de origem trabalhista. Isso leva, em longo prazo, a mudanças qualitativas, não é uma revolução súbita, como foi a revolução na Rússa ou na China. É uma mudança ao longo do tempo, não sei se neste ou no próximo século. Baseado na experiência histórica, as conquistas dos direitos vão aumentar cada vez mais.

quarta-feira, julho 02, 2014

A Internacional do Capital Financeiro

Diferentemente das crises clássicas do capitalismo, a atual se diferencia por encontrar o capital com um grau organização mais complexo e sofisticado.

A revista Forbes publicou em maio deste ano que 5% do PIB brasileiro está nas mãos de quinze ilustres famílias, que detém um patrimônio de 269 bilhões de reais. Thomas Piketty, autor do "O Capital no Século 21" - mencionado por Paul Krugman como provavelmente o mais importante livro de economia desta década - é autor de uma frase de uma obviedade alarmante nos dias que correm, mas que passa ter valor especial porque é formulada, não por um inimigo do capitalismo, mas por um insatisfeito com os seus rumos atuais: "os poucos que estão no topo - diz Thomas - tendem a apropriar-se de uma grande parcela da riqueza nacional, à custa da classe média baixa" e que "isso já aconteceu no passado e pode voltar a acontecer no futuro".

O remédio apontado pelo autor, um imposto global progressivo, vai precisamente contra a tendência autorizada pelas grandes agências financeiras, públicas e privadas, de importância no mundo, como se vê nas medidas em andamento nos países da União Europeia, que pretendem recuperar suas combalidas economias. Estudo recente, publicado pelo "El País" (22 jun. 2014), mostra 10% de queda nos gastos de alimentação da população espanhola no ano de 2013, o que atinge diretamente o consumo básico dos assalariados, aposentados e desempregados, que vivem da parca ajuda estatal.

No âmbito da crise, os índices de pobreza, já alarmantes, aumentaram gravemente nos Estados Unidos, pois hoje já afetam 46 milhões de norte-americanos, maior cifra dos últimos 50 anos, que deve ser combinada com o aumento da renda dos 1% mais ricos, em 9%, nos últimos 35 anos. ("Página 12", 23 jun.14, baseado em estudos do professor Abraham Lowenthal, emérito da Universidade do Sul da Califórnia). Os Estados Unidos, como se sabe, superam a União Europeia em desigualdade, pois nesta a maior concentração de renda está com 10% da população e nos EUA a maior concentração de renda, em termos relativos, está com 1% da população.

Cabe um comparativo latino-americano, para verificarmos como os diferentes países colocados na cena mundial globalizada, reagem perante os dissabores da atual crise do capital. Recentemente os nossos "especialistas" em desastres econômicos - sempre atentos aos interesses especulativos e manipulações políticas no mercado de ações -passaram a mostrar a genialidade da direita mexicana para lidar com o baixo crescimento e a pobreza. Quando se depararam com as estatísticas - a partir de 2003 a economia brasileira cresceu 45,44% e a economia mexicana, no mesmo período, cresceu 30,471% - o México desapareceu das suas colunas proféticas. Mormente porque ficaria chato revelar que a participação dos salários na renda nacional, no Brasil é de 45% e no México é de 29%. Ou seja, o Brasil cresceu muito mais com menos desigualdade.

Esse rápido repasse na crise do capitalismo, presidido pela agenda neoliberal, serve para ilustrar a guerra de interpretações travada no meio intelectual, pelas redes e pelos órgãos de imprensa tradicional, entre as lideranças das mais diversas posições do espectro político. De um lado, estão os que entendem que a crise ocorre porque todas as "reformas", necessárias para o reinado completo do capital financeiro sobre a vida pública e sobre os estados (capturados pelas agências que especulam com a dívida pública, para acumular sem trabalho) aquelas reformas, repito, não foram feitas pelos governos. Por isso, as baixas taxas de crescimento, o aumento da pobreza e do desemprego.

Num outro polo, os que, por diversos meios e com diversas gradações, sustentam que a decomposição da socialdemocracia, em nome de um "ajuste" conservador e predatório dos direitos sociais (com a renúncia de uma agenda socialista ou democrático-social verdadeira), significou a vitória dos valores dos que "estão no topo", como diz Piketty. E que a pretensão verdadeira daquela agenda é desapropriar os direitos sociais, que vem sendo conquistados desde o Século 19, para conformar uma sociedade dos mais aptos, dirigida pelos mais fortes e mais ricos, capazes de se servir das grandes transformações tecnológicas, distribuindo migalhas de sobrevivência para a maioria da população, tendo como intermediária uma pequena e rica classe média, apartada nos seus condomínios ou pequenos bairros com segurança privada.

A campanha contra o Governo brasileiro e contra o Estado brasileiro, desencadeada pelos órgãos de imprensa e partidos políticos vinculados à primeira posição, no mundo inteiro, passava a imagem de um país degradado na sua vida pública, com autoridades incapazes de acolher um evento como a Copa do Mundo, incompetentes para dar segurança às autoridades de fora do país e ineptos para a realização da própria competição. Esta campanha, no entanto, não foi um mero mau humor da direita mundial. Foi nitidamente uma orquestração política de caráter estratégico para desmoralizar um BRIC que, com seus avanços e recuos, com as suas vacilações e posições ousadas, já tinha demonstrado que é possível crescer, distribuir renda, cuidar da vida dos mais pobres e excluídos e, ainda, exercer um papel político no cenário internacional, com certa margem de autodeterminação e soberania, criticando o neoliberalismo com as "costas quentes". À esquerda ultra-radical isso parece pouco, mas, examinada a situação internacional e a própria fragilidade interna das bases políticas para desenvolver estas ações de resistência, convenhamos que é um feito extraordinária que nenhum governo, pelo mundo afora, conseguiu realizar com tal amplitude.

O mais grave é que os veículos de comunicação tradicionais do país, não só repassaram este pânico desmoralizante da nação e das suas instituições, como alimentaram com falsas informações os veículos externos. Trabalharam diretamente contra o Brasil, embora já ensaiem uma autocrítica oportunista, Não se tratou de mero equívoco, mas de parceria política, porque, para estes grupos, nunca se coloca como real a disjuntiva "Soberania X Dependência", ou "Estado Social x Estado Mínimo", ou "Cooperação Interdepende x Subordinação Dependente", ou mesmo "Democracia x Autoritarismo". Porque soberania, estado social, cooperação sem submissão, sempre apontam para mais democracia (não menos democracia), para mais participação das pessoas na política e na renda (não menos participação) e as receitas europeias para resolver as crises são incompatíveis com tais conquistas da modernidade.

O traço material desta aliança e da campanha contra o Brasil é o interesse em ganhar dinheiro com a dívida pública, gerando instabilidade e desconfiança nos governos ou submetendo as nações a governos dóceis e à agenda da redução das funções públicas do Estado. A ideologia da aliança é o liberalismo econômico, ora ornamentado com traços de fascismo e intolerância, ora casado com a austeridade fiscal. Ela tanto pode arrastar as classes médias para os protestos, como atiçar o "lúmpen" para fazer quebradeiras de bens públicos e privados -principalmente bens públicos - assim esvaziando os movimento sociais e políticos de esquerda, que estão insatisfeitos, com justiça, com os limites que já bloqueiam o crescimento econômico e impedem a melhoria da qualidade do serviços públicos nas áreas da saúde, transporte e segurança, principalmente nas grandes regiões metropolitanas. A repressão, então, por este mecanismo perverso de isolamento dos lutadores sociais, aparece legitimada para a maioria da sociedade, que não se identifica com a violência gratuita à margem da lei, aceitando uma violência do Estado, que julga "necessária", mesmo que muitas vezes também à margem da lei.

Arrisco dizer que, diferentemente das crises clássicas do capitalismo - como na crise de 29 e na crise "do petróleo" nos anos 70 - a crise atual se diferencia, enquanto crise política conjugada com a crise econômica, por encontrar o capital com um grau organização mais complexo e sofisticado, sem aparência imediata, mas mais capaz de interferir rapidamente sobre os Estados, sem guerras extensivas e ocupações militares em todos os territórios de domínio. De um lado, há uma verdadeira "Internacional do Capital Financeiro", com seus tentáculos internos na mídia e nos partidos tradicionais -que já avança sobre os não tradicionais através do financiamento privado das campanhas eleitorais- e, de outro, há uma visível fragmentação na estrutura material e espiritual das classes populares, com a correspondente fragmentação dos seus movimentos e partidos.

Os bancos centrais dos países ricos, as agências privadas de risco, as instituições financeiras destinadas a especulação, juntamente com as grandes cadeias de comunicação globais, são organizados diretamente pelo dinheiro e apoiadas na reprodução ficta do dinheiro, com um manto ideológico e político que carece de coerência programática, mas que se amplia no próprio movimento do dinheiro, como acumulação artificial incessante. Esta vai aparelhando e submetendo instituições, grupos e indivíduos, em todas as esferas da vida pública, assim tornando os próprios partidos liberais e neoliberais supérfluos, como inteligência política, constituindo-os como mera extensão e reprodução daquele movimento do dinheiro, promovendo a irrelevância das suas construções programáticas.

O surgimento de partidos de extrema direita e de caráter fascista em toda a Europa, com base de massas, também é uma agonia da política burguesa democrática em seu sentido clássico e, em termos humanos, imprime nestes partidos o mesmo conteúdo ideológico de barbárie que move as atuais guerras de conquista territorial pelas fontes de energia fóssil: ambos os processos são inspiradas pelo espírito patriótico, ambos dependem de aplicação de doses maciças de violência para serem vitoriosos, ambos respaldam o poder dos mais fortes e mais decididos a dominar e vencer, ambos não tem a aniquilação da vida do outro como limite moral do seu projeto de poder.

Ao tentar desmoralizar o Brasil, sem qualquer rubor e apostando que a Copa fosse um festival de incompetência e violência generalizada, a direta conservadora e antidemocrática do país - associada material e ideologicamente ao capital financeiro e sua estrutura de poder internacional - mostrou mais uma vez que não conhece o Brasil. Nem o que tem de bom, produtivo e organizado, no Estado brasileiro. Não conhece o seu povo, porque não convive com as suas lutas nem compreende a sua linguagem, como demonstraram quando quiseram impedir o Prouni e o Bolsa-Família, por exemplo. Não conhecem o Estado Brasileiro, porque prestam atenção somente nas suas imperfeições e mazelas históricas, com os olhos de quem quer destruir o que ele tem de público para construir uma nação soberana, pautada pela Justiça e pela Liberdade.


(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul

O jogo geopolítico da Rússia e da China

Não é a ressurreição da Guerra Fria. Rússia e China só procuram acordos com Alemanha e Estados Unidos.

Governos, políticos e mídia no mundo “ocidental” parecem incapazes de compreender os jogos geopolíticos na forma como são praticados por quaisquer outros. As suas análises do anunciado novo acordo da Rússia e da China são um surpreendente exemplo disto.

Em 16 de maio, Rússia e China anunciaram ter assinado um “tratado de amizade” que duraria “para sempre” mas não é uma aliança militar. Simultaneamente, anunciaram um acordo sobre o gás, pelo qual os dois países irão construir um gasoduto para exportar gás russo para a China. A China vai emprestar à Rússia o dinheiro com o qual esta construirá a sua parte do gasoduto. A Gazprom (maior produtora russa de gás e de petróleo) fez algumas concessões de preço à China, questão que reteve durante algum tempo a assinatura do acordo.

Se formos ler os meios de comunicação do dia 15 de maio, estão cheios de artigos explicando por que um acordo com este era improvável. Quando, mesmo assim, ele foi assinado no dia seguinte, os governos ocidentais, os políticos e a mídia dividiram-se entre os que o viram como uma vitória geopolítica do presidente russo Vladimir Putin (e a deploraram) e os que argumentaram de que não irá fazer muita diferença em termos geopolíticos.

É bastante claro, quando se olha para as discussões e as votações do Conselho de Segurança da ONU dos últimos anos, que a Rússia e a China partilham uma aversão às diversas propostas priorizadas pelos Estados Unidos (e frequentemente com colaborações de vários países europeus) para autorizar o envolvimento direto (abrindo em última instância o caminho ao envolvimento militar) na guerra civil na Ucrânia e nos múltiplos conflitos no Oriente Médio.

As sanções unilaterais que os Estados Unidos já impuseram à Rússia devido ao seu alegado comportamento na Ucrânia e a ameaça de impor ainda mais sanções apressaram o desejo da Rússia de encontrar novas saídas para o seu gás e petróleo. E isto, por seu turno, leva a muita conversa sobre uma ressurreição da Guerra Fria entre Rússia e Estados Unidos. Mas será este na verdade o ponto principal do novo acordo Rússia-China?

Parece-me que ambos os países estão realmente interessados numa reestruturação das alianças entre Estados. O que a Rússia realmente procura é um acordo com a Alemanha. E o que a China realmente quer é um acordo com os Estados Unidos. E o truque é anunciar esta aliança “para sempre” entre eles.

A Alemanha está claramente dividida internamente quanto à perspetiva de incluir a Rússia na esfera europeia. A vantagem para a Alemanha de um acordo deste tipo seria consolidar a base de clientes russos para a sua produção, garantir as suas necessidades energéticas e incorporar a força militar russa no seu planeamento global de longo prazo. Como isto inevitavelmente significaria a criação de uma Europa pós-Otan, há oposição à ideia não só dentro da Alemanha mas, evidentemente, também na Polônia e nos Estados bálticos. Do ponto de vista da Rússia, o objetivo do tratado de amizade Rússia-China é fortalecer a posição dos que na Alemanha querem trabalhar com a Rússia.

A China, por outro lado, está fundamentalmente interessada em amansar os Estados Unidos e reduzir o seu papel na Ásia oriental. Mas, dito isto, quer reforçar, não enfraquecer, as suas ligações com Washington. A China procura investir nos Estados Unidos aos preços de saldo que considera estarem a ser oferecidos. Quer que os Estados Unidos aceitem a sua emergência como potência regional dominante na Ásia oriental e do sudoeste. E quer que os Estados Unidos usem a sua influência para impedir o Japão e a Coreia do Sul de se tornarem potências nucleares.

É claro que o que a China quer não está em consonância com a linguagem ideológica que prevalece nos Estados Unidos. Porém, parece haver dentro dos Estados Unidos um apoio discreto a esta evolução de alianças, especialmente no interior das principais estruturas empresariais. Tal como a Rússia quer usar o tratado de amizade para encorajar certos grupos na Alemanha a moverem-se na direção que considera mais útil, também a China deseja fazer o mesmo com os Estados Unidos.

Será que estes jogos geopolíticos vão funcionar? Possivelmente, mas isso de forma alguma é certo. Ainda assim, nas perspetivas tanto da Rússia quanto da China, têm tudo a ganhar e muito pouco a perder usando este ardil. A questão real é como o debate interno na Alemanha e nos Estados Unidos vai evoluir no futuro próximo. Quanto ao argumento de que o mundo está a voltar à Guerra Fria entre os Estados Unidos e a Rússia, pensem nele como o ardil dos que compreendem o jogo da Rússia e da China e tentam contrariá-lo.
__________

Tradução, revisada pelo autor, de Luis Leiria, para o Esquerda.net.

Ressaca: pré-sal despeja meio milhão de barris na goela conservadora

No momento em que a Petrobrás alcança meio milhão de barris de petróleo extraídos do pré-sal, ouve-se um silencio sepulcral das goelas conservadoras.

por: Saul Leblon

No momento em que a Petrobrás alcança meio milhão de barris de petróleo extraídos do pré-sal, ouve-se um silencio sepulcral das goelas conservadoras (leia a reportagem de Maurício Thuswohl; nesta pág)

As mesmas que amargam a ressaca da Copa das Copas.

As mesmas que, há menos de uma semana, trovejavam contra a cessão de novos campos à estatal, com mais de 15 bilhões de barris, decidida pela Presidenta Dilma.

O desconforto é enorme.

A eficiência da empresa em extrair --aceleradamente-- o óleo existente a seis mil metros abaixo da linha do mar, comprova o acerto da cessão onerosa.

Mas reitera também o regime de partilha que ordena toda a exploração das maiores reservas descobertas no planeta no século XXI – decisão exitosa igualmente bombardeada pelo conservadorismo e seu dispositivo emissor.

A República dos acionistas, que pauta o jornalismo isento, tem alergia a novos investimentos em exploração.

Explica-se: momentaneamente, eles podem reduzir o caixa dos dividendos.

O fato de a cessão ter transformado a estatal na detentora da segunda maior reserva de óleo do mundo, é desprezível aos olhos do interesse particularista que avoca sua supremacia em detrimento da nação e do futuro de sua gente.

Graças à decisão de Dilma, a estatal criada por Getúlio Vargas –cujo legado FHC prometeu dissolver— passou a dispor de um estoque de 31 bilhões de barris exploráveis.
Pouco abaixo apenas da Rosnet (russa), com 33 bi/barris, mas que será certamente ultrapassada pela Petrobrás, que levita num oceano de reservas estimadas em 100 bilhões de barris.

Não estamos falando de um detalhe tangencial à luta pelo desenvolvimento brasileiro.

O pré-sal, é forçoso repetir, quando tantos preferem esquecer, mudou o peso geopolítico do Brasil.

É como se o país ganhasse quatro anos de PIB em petróleo, a preços de hoje --sob controle político da sociedade.

Graças ao regime de partilha, essa riqueza será estatalmente direcionada para reverter mazelas seculares incrustradas em seu tecido social.

Não se trata de um futuro remoto, como o demonstra o marco de meio milhão de barris de óleo atingido agora.

O pré-sal já alterou a curva de produção da Petrobras.

A estatal, que levou 60 anos para chegar à extração de dois milhões de barris/dia, vai dobrar essa marca em apenas sete anos.

Talvez menos.

A ignorância tudo pode, mas quem desdenha dessa mutação em curso sabe muito bem o que está em jogo.

Dez sistemas de produção do pre-sal entram em operação até 2020.

Hoje, apenas oito anos após as descobertas, os novos reservatórios já produzem 500 mil barris/dia.

Em 2020 serão mais dois milhões de barris/dia.

A curva é geométrica.

Para reter as rendas do refino na economia brasileira, a capacidade de processamento da Petrobras crescerá proporcionalmente: de pouco mais de dois milhões de barris/dia hoje, alcançará 3,6 milhões de barris/dia em seis ou sete anos.

Para isso estão sendo erguidas quatro refinarias, simultaneamente.

O conjunto requer US$ 237 bilhões em investimentos até 2017.

É o maior programa de investimento de uma petroleira em curso no mundo.

E será assim por muitos anos –o que explica os surtos recorrentes de urticária da República dos acionistas e de seu jornalismo operoso.

Os desdobramentos desse ciclo não podem ser subestimados.

A infraestrutura é o carro-chefe do investimento nacional no próximo estirão de crescimento a ser pactuado com toda a sociedade.

Mais de 60% do total de R$ 1 trilhão em projetos serão investidos na cadeia de óleo e gás.

Objetivamente: nenhuma agenda política relevante pode negligenciar aquela que é a principal fronteira crível de um salto do país em cadeias tecnológicas que viabilizem a sua inserção soberana no mercado mundial.

Mas foi exatamente esse sugestivo lapso que o candidato ‘mudancista’, Aécio Neves, cujo coordenador de campanha será o não menos ‘mudancista’ presidente dos demos, Agripino Maia, cometeu em dezembro de 2013, quando lançou sua agenda eleitoral, já como presidenciável do PSDB.

Como observou Carta Maior naquela oportunidade, em oito mil e 17 palavras encadeadas em um jorro espumoso do qual se extrai ralo sumo, o candidato tucano não mencionou uma única vez o trunfo que mudou o perfil geopolítico do país.

Repita-se, Aécio Neves lançou uma agenda eleitoral sem a expressão pré-sal.
O tucanato espojou-se no caso Pasadena; convocou fanfarras para alardear ‘o desgoverno’ dentro da estatal, mas não reservou um grão de areia de espaço em sua agenda eleitoral para tratar da grande alavanca estratégica representada pelas novas reservas brasileiras.

A omissão fala mais do que consegue esconder.

O diagnóstico conservador sobre o país --e a purga curativa preconizada a partir dele-- é incompatível com a existência desse incômodo cinturão de riqueza, a encorajar a construção de uma democracia social , ainda que tardia, por essas bandas.

Ao abstrair o pré-sal --exceto em confidências de Serra à Chevron, em 2010, quando prometeu reverter a partilha que incomoda as petroleiras internacionais-- a agenda do PSDB mais se assemelha a uma viagem de férias à Brazilândia do imaginário conservador, do que à análise do país realmente existente –com seus gargalos e trunfos.

Só se concebe desdenhar dessa janela histórica se a concepção de país embutida em seu projeto negligenciar deliberadamente certas urgências.

Por exemplo, a luta pela reindustrialização brasileira, da qual as encomendas do pré-sal podem figurar como importante alavanca, graças aos índices de nacionalização consagrados no regime de partilha.

Ou o salto da escola pública –que só terá 10% do PIB, como decidiu o Plano Nacional da Educação, porque poderá contar com o fluxo da renda do pré-sal.

Ou ainda a saúde pública, igualmente beneficiada na divisão do fundo petroleiro, que assim poderá ressarcir o corte de R$ 40 bilhões/ano imposto à fila do SUS pela extinção da CPMF, em 2010 –obra grandiosa da aliança ‘mudancista’ demotucana.

Reconheça-se, não é fácil pavimentar o percurso oposto ao apregoado diuturnamente pelos pregoeiros do Brasil aos cacos.

A formação do discernimento social brasileiro está condicionada por implacável máquina de supressão da autoestima , que não apenas dificulta a busca de soluções para a crise, como nega à sociedade competência para faze-lo de forma coordenada e democrática.

Melhor entregar aos mercados, aos mercados, aos mercados, aos mercados...

Eles, sim, sabem o que fazer disso aqui.

Recusa-se aos locais a competência até mesmo para organizar uma Copa do mundo, que dirá gerir as maiores reservas de óleo do planeta, ou construir , uma nação, não qualquer nação, mas uma cujo emblema seja a convergência da riqueza, a contrapelo da lógica documentada por Tomas Piketty.

Com a maturação antecipada da curva do pré-sal --como indica o marco dos 500 mil barris em extração-- as chances de êxito nessa empreitada aumentam geometricamente nos próximos anos.

Não é uma certeza, é uma possibilidade histórica. Mas o lastro é cada vez menos negligenciável.

Os efeitos virtuosos desse salto no conjunto da economia, porém, exigem uma costura de determinação política para se efetivarem.

Algo que a agenda eleitoral de quem assumidamente se propõe a ser uma réplica do governo FHC, omite, renega e descarta.

A ver.

E Lenin tinha razão: a grande guerra interimperialista

A previsão de Lenin se cumpriu de forma dramática. As duas grandes guerras que marcaram a história da humanidade no século XX foram guerras interimperialistas.

por Emir Sader

Em 1884, as grandes potências coloniais se reuniram em Berlim para decidir sobre a dominação da África entre elas. Consagraram o critério da “ocupação efetiva”, segundo o qual a potencia que ocupasse realmente um pais tinha direitos sobre ele. Há fronteiras no norte da África que visivelmente foram definidas com regra, riscando sobre uma mesa, para facilitar a troca de territórios entre as 14 potências reunidas, sem importar que povos viviam aí.

Se terminava a divisão do mundo entre os colonizadores. A partir dali, segundo Lenin, cada um só poderia expandir-se às custas de outros. E como a tendência expansiva do capitalismo é permanente, Lenin previa que a humanidade entrava numa época de guerras interimperialistas.

A previsão de Lenin se cumpriu de forma rigorosa e dramática. As duas grandes guerras que marcaram a história da humanidade na primeira metade do século XX foram exatamente isso – guerras interimperialistas. Dois grandes blocos entre, por um lado as potencias que tinham se apropriado inicialmente de grande parte do mundo, lideradas pela Inglaterra e pela França, enfrentadas às que chegavam à repartição do mundo tardiamente – Alemanha, Itália, Japão – que buscavam uma redivisão dos territórios colonizados.

Por terem resolvido a questão nacional, com a instalação de Estados nacionais antes que os outros países europeus, sobretudo a Inglaterra e a França puderam construir sua força militar – em particular marítima – e colocar-se em melhor situação para a conquista e consolidação de um império colonial.

A Alemanha, a Itália e o Japão demoraram mais para sua unificação nacional, pela forca relativa das burguesias regionais, com o que chegaram à arena mundial em inferioridade de condições. Tiveram que se valer de regimes autoritários para acelerar seu desenvolvimento econômico, recuperando o atraso em relação às outras potências mundiais.

A primeira guerra mundial, mais além das contingencias do seu começo, foi isso: uma grande batalha entre os dois blocos pela repartição do mundo, especialmente dos continentes periféricos. (A Alemanha chegou a propor ao México que lhe devolveria os territórios que os EUA lhe haviam arrebatado caso se somasse ao bloco liderado por ela.)

Por trás das duas grandes guerras havia a disputa pela hegemonia mundial. A decadência inglesa via assomarem-se duas potencias emergentes – os EUA e a Alemanha. No começo da primeira guerra predominava nos EUA a corrente isolacionista, como se a guerra fosse uma questão europeia. Mas conforme a Alemanha avançava para ganhar a guerra, o governo dos EUA colocou em pratica rapidamente uma campanha ideológica para mobilizar os norteamericanos para a participação na guerra.

1917 foi um ano decisivo na guerra, com a revolução bolchevique fazendo com que a Rússia se retirasse da guerra – seguindo as orientações do Lenin de que se tratava de uma guerra interimperialista -, enquanto os EUA entravam na guerra, fazendo com que a balança se inclinasse a favor do bloco anglo-francês.

Com a segunda guerra – na realidade o segundo round de uma mesma guerra, com as mesmas características e um intervalo de poucos anos – e a segunda derrota do bloco formado pela Alemanha, a Itália e o Japão – se abria o caminho para a hegemonia imperial norteamericana. Guerras interimperialistas, as mais cruéis de todas as guerras, no continente que se considerava o mais civilizado do mundo, para dirimir a disputa hegemônica entre as potencias capitalistas sobre a dominação global. O início da primeira, de que se cumpre agora um século, foi o começo dessa grande debacle europeia.

Banco dos BRICS lança desafio ao predomínio financeiro dos EUA Leia mais: http://portuguese.ruvr.ru/news/2014_07_02/Banco-dos-BRICS-lan-a-desafio-ao-predom-nio-financeiro-dos-EUA-4015/

O mundo já está cansado do sistema de Bretton Woods e do predomínio do dólar.

Uma alternativa já foi encontrada na União Europeia que desenvolveu sua própria divisa. Agora, vários países emergentes revelam grande interesse em relação a esta ideia.

O primeiro passo será a constituição de um banco do BRICS, capaz de financiar os maiores projetos de infraestrutura. Este banco deverá tornar-se uma alternativa ao FMI, controlado pelos EUA, do qual é muito complexo receber empréstimos e em relação ao qual os países do Grupo acumularam bastantes perguntas.

Os países do BRICS decidiram conjugar esforços, optando por ajuda mútua. Estão cansados de esperar respostas do Fundo Monetário Internacional ou do Banco Mundial que se tornaram muito politizados e severos em relação aos seus clientes. Organizações, controladas há 70 anos pelos países mais ricos do Ocidente, terão agora de ceder passo a outras. Enquanto antes elas ditavam as condições, elegendo os países dignos de ajuda para o desenvolvimento de uns ou outros projetos, agora as economias emergentes irão formar o seu próprio “clube”.

Na opinião de peritos, tal associação financeira será menos política e mais prática, permitindo se livrar do monopólio do FMI. O chamado Banco do BRICS começará a funcionar oficialmente em 2016, tendo já resolvidas todas as potenciais barreiras e divergências que impediam sua constituição. Irá integrar diretamente o Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Como sustenta Roman Andreev, analista financeiro, o Banco de Desenvolvimento do BRICS seja uma alternativa digna no mundo financeiro:

“O Banco, concebido pelos países do Grupo do BRICS, irá fazer o mesmo que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, financiando défices orçamentais em períodos de uma instabilidade econômica dos países participantes do banco, assim como os projetos sociais e econômicos cujo financiamento será recusado pelo FMI, BM e outras instituições. Em outras palavras, o banco irá garantir o desenvolvimento sustentável dos países do BRICS”.

O futuro Banco de Desenvolvimento do BRICS, diferentemente do FMI e outras instituições financeiras, não vai exigir a aplicação obrigatória de reformas estruturais, a elevação de impostos ou a pressão política, ligada à vontade de um ou de outro membro do FMI de intervir nos assuntos internos de outro país. Mais uma diferença importante será uma distribuição igual das quotas-partes no banco. Entretanto, as quotas do FMI foram distribuídos durante várias décadas segundo padrões antigos, mas a economia da China, nestes tempos, cresceu em várias vezes. Ao mesmo tempo, os EUA não estão interessados em perder o direito de veto, renunciando a ratificar as novas regras de distribuição de quotas. Em resultado, a China não pode emprestar montantes necessários ao FMI. O mesmo diz respeito a outros países. Em outras palavras, a estrutura do FMI tem caducado e exige uma revisão. Comenta uma analista, Anna Kokareva:

“O FMI renunciou a financiar projetos do Brasil, Índia e África do Sul. Estatisticamente, a presença do FMI e do BM naqueles países não é grande. Eles precisam de meios para o desenvolvimento e decidiram por isso constituir um banco análogo que, porém, será mais leal a eles”.

Os cinco países do BRICS incluem quase 50% da população mundial e por isso há muitos projetos que devem ser financiados. Inicialmente, o capital bancário não será suficiente para financiar todos os projetos. Mas os cinco países já acordaram que o capital do banco do BRICS seja aumentado, continua Anna Kokareva:

“O banco terá seu capital social que na etapa atual constituirá 50 bilhões de dólares. Os votos serão distribuídos pelo princípio de paridade e os projetos serão discutidos, votados e só após a aprovação – financiados”.

É evidente que inicialmente o Banco de Desenvolvimento do BRICS não poderá substituir o FMI. Mas os países do Grupo não pretendem por enquanto alcançar tais objetivos. Mas o surgimento de tal instrumento como banco de desenvolvimento ajudará estes países a desenvolver-se, podendo no futuro desfiar o predomínio dos EUA no mundo financeiro.
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