quarta-feira, abril 16, 2014

Em matéria de Ucrânia, o Brasil não está só


Rede Brasil Atual

Calma, leitoras e leitores. O enigma já se desfará.

Nós, no Brasil, conhecemos a parcialidade histórica (por vezes histérica...) da nossa velha mídia em relação a uma série de temas, a começar pelos governos do PT. Esta desconfiança chega também à velha mídia dos nossos co-irmãos da América Latina, como na Argentina e na Venezuela, para citar dois casos emblemáticos dentre outros.

Ao mesmo tempo, a maioria de nós guarda uma veneração pela mídia liberal dos países da Europa e dos Estados Unidos, vendo nela exemplos de moderação, equilíbrio e espírito isento.

Mas a realidade nem sempre coincide com este clichê. Muitas vezes esta mesma ‘mídia internacional’ se comporta de maneira bastante parcial. Citemos alguns exemplos igualmente emblemáticos: a invasão do Iraque, o noticiário sobre Cuba, ou sobre a Venezuela, e até recentemente o modo de encarar os rebeldes sírios frente ao governo de Bashar al-Assad. Podemos incluir aí o modo de encarar (quase sempre positivo) as crenças (crendices, superstições) da ortodoxia econômica neoliberal.

O Brasil entrou nesta roda. Há uma campanha disseminada contra o Brasil em boa parte da mídia convencional. No plano teórico-instrumental esta campanha (com apoio na nossa velha mídia e instituições como o Instituto Millenium ou a Associação Contas Abertas) é liderada por articulistas da The Economist e do Financial Times, com apoio também, mas mais discreto, no The Wall Street Journal. Já no plano factual, há uma disseminação desta campanha em um sem número de jornais e revistas, incluindo reportagens no The Guardian, The New York Times, Der Spiegel, por vezes El País, Le Monde, dentre muitos outros. Não são as únicas matérias, havendo outras de outro tipo. Mas elas se repetem – e repetem-se umas às outras – ad nauseam.

De repente – e a Copa estimulou a “reação” – ficou na moda falar mal do Brasil. Tudo é ruim, tudo é (ainda) pobreza, e o grande culpado por este "tudo" é o Estado paquidérmico do Brasil, desmesurado, ineficiente, corrupto, liderado pelos recentes ‘populismos’ e ‘desvarios econômicos’ das equipes de governo de 2003 para cá. Apesar da enorme popularidade internacional do ex-presidente Lula, apesar dos programas sociais do governo brasileiro serem referência no mundo inteiro, inclusive o de transferência de renda, do pleno emprego (que a lógica econômica ortodoxa condena, no fundo, porque aumenta os salários), etc., "o Brasil não está dando certo, não vai dar certo, não pode dar certo e se der certo ninguém vai dar pelota para isto, e a Copa vai ser um fracasso, um vexame de atrasos e mal-feitos e desperdício público..." e bota etcetera nisto.

Mas não há motivos para nos julgarmos privilegiados neste mal-dizer.

Olhemos a Ucrânia. A esmagadora maioria da mídia internacional – em que pesem as fotos, os relatos que podemos ler aqui e ali, dispersos, de repórteres in loco, algumas vozes de analistas mais independentes – repete com um um acento monogâmico a mesma ladainha. Tudo o que a Rússia diz sobre a Ucrânia é mentira, é mera propaganda deslavada, os rebeldes do leste do país são industriados pelos russos, alguns deles são russos disfarçados etc. Tudo o que os países do Ocidente dizem sobre a Ucrânia é verdade, e uma verdade dita de modo desinteressado, para defender que a democracia chegue (com as tropas da Otan, é claro) até as fronteiras da Rússia. Esta quer apenas reestender seus domínios até a fronteira oeste da Ucrânia, e já está de olho no Báltico, na Moldávia, quiçá na Polônia.

Há conflitos nestas afirmativas.

Basta comparar, por exemplo, os vídeos e fotos sobre os revoltosos da praça Maidan, em Kiev, e que são encarados por esta mídia como ‘heróis’ muitas vezes, com os vídeos e fotos dos rebeldes no leste da Ucrânia. No primeiro caso o que vemos é a progressiva substituição dos manifestantes originais por milícias treinadas, cuja descrição testemunhal aponta como neofascistas cujas organizações são remanescentes do apoio dado por ucranianos (não todos, provavelmente nem mesmo a maioria) à invasão nazista na Segunda Guerra. No segundo caso vemos a ação de grupos organizados – com disciplina militar – progressivamente apoiados pela população local, onde se destacam mulheres e trabalhadores das minas de carvão.

Hoje mesmo (16) chegaram à divulgação imagens, vídeos e relatos de carros de combate (cinco tanques, pelo menos, e alguns outros de transporte de tropas) “tomados” pelos rebeldes às forças enviadas para reprimi-los. Houve informes dispersos de que os soldados e oficiais destes veículos militares tinham “aderido” aos rebeldes, registrando-se o caso de pelo menos um deles ter dito que “não ia atirar contra seu próprio povo”.

Ou seja, a situação é, para dizer o mínimo, muito mais complexa do que aquele maniqueísmo midiático pretende reafirmar e vender.

Amanhã (17), reúne-se pela primeira vez o grupo formado por Estados Unidos, Rússia, União Europeia e governo de Kiev, em Genebra, para debater uma saída negociada e diplomática para a crise ucraniana.

Olho no que a velha mídia – a nossa e a dos outros – vai dizer e desdizer a este respeito.

Com a certeza de que em matéria de Ucrânia, o Brasil não está só... neste samba da mídia doida, mas certeira nas suas ideologias de plantão.

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