quarta-feira, maio 29, 2013

Escola de Defesa para a América do Sul


Por Mauro Santayana, em Carta Maior – do Rio de Janeiro

Discretamente, como convém, estreita-se a cooperação de defesa sul-americana. No dia 18 de maio, em Lima, no Peru, reuniram-se os vice-ministros de 12 países, entre eles o Brasil, no âmbito do Conselho de Defesa da América do Sul, para discutir a cooperação, com ênfase na transparência no processo de aquisição de armamentos, e em monitoramento conjunto da situação continental. Em Quito, no Equador, no dia 5 de maio, já ocorrera outro encontro, para a discussão de uma proposta histórica: a criação de uma Escola de Defesa Sul-americana. Ela se contrapõe à célebre Escola das Américas, que, com sede no Panamá, serviu, durante muitos anos, à conspiração golpista contra governos democraticamente eleitos, e para o treinamento de repressores por oficiais do Exército norte-americano.

Ao estreitar a colaboração entre suas forças armadas, a América do Sul não pretende agredir ninguém; seus militares e políticos sabem que é preciso preparar-se contra eventuais agressões externas. Com essas medidas, não nos deixaremos manipular por potências de outras regiões, que gostariam de nos ver divididos, como no passado. Essa cooperação servirá para o desenvolvimento conjunto de métodos de treinamento, de tecnologia própria na produção de novos armamentos e meios de defesa.

O Brasil estuda, nesse momento, a construção de um reator nuclear binacional com a Argentina, com fins pacíficos. Compramos lanchas de patrulha naval da Colômbia, e desenvolvemos projeto mais avançado, nessa área, com o Peru. Colômbia, Chile e Argentina, participam, diretamente, do desenvolvimento do novo jato militar de transporte da Embraer, o KC-390, voltado para a substituição, no mercado internacional, dos antigos Hércules C-130 norte-americanos.

A Argentina estuda a compra de blindados Guarani, projetados pelo Exército Brasileiro. E se estuda a construção conjunta – por todos os países – de novo avião de treinamento. O Peru pretende comprar, agora, seis caças ligeiros Super-Tucano, que já fazem parte, na América do Sul, das Forças Aéreas da Colômbia, do Chile e do Equador.

Estamos começando este século de forma muito diferente do que começamos o século passado, com guerras como a do Chaco, e disputas territoriais do século 19, que deixaram marcas até hoje, como no caso da disputa entre o Chile e o Peru pela região de Atacama.

É ingenuidade pensar que a aproximação na área de defesa entre os países das América Latina seja desejada, ou não esteja sendo observada com atenção por nações de outras regiões. Para certos países, o ideal seria que nossos corpos de defesa cuidassem exclusivamente do combate ao tráfico de drogas e à repressão política interna.

Esta semana, o embaixador da França no Brasil, Bruno Delaye, visitou o Deputado Nelson Pellegrino, Presidente da Comissão de Defesa e Relações Externas da Câmara dos Deputados, para oferecer que fragatas sejam montadas no Brasil, pela estatal francesa DNCS, que já faz o mesmo com os submarinos do Prosub.

É urgente a criação de uma grande empresa estatal de indústria bélica, em nosso país, como ocorre em quase todos os países do ocidente, para participar, majoritariamente, de consórcios destinados a produzir armamentos no Brasil.

Ao mesmo tempo, devemos continuar avançando nos esforços diplomáticos para a cooperação e associação com os nossos vizinhos, para a eventual defesa da integridade territorial e soberania política da região.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

FONTE: Correio do Brasil

terça-feira, maio 28, 2013

RENDA MÍNIMA Uma utopia ao alcance das mãos

Inventar uma outra vida, com outras relações sociais, pode parecer fora de propósito em um período de crise como o atual. No entanto, fazer esse exercício nunca foi tão necessário. Na Europa, na América Latina e na Ásia, a ideia do direito a uma renda mínima incondicional avança

por Mona Chollet

Trabalhamos e, graças ao trabalho, recebemos dinheiro. Essa lógica está tão arraigada na mente das pessoas que sugerir uma inversão da ordem das coisas inevitavelmente levanta dúvidas sobre a saúde mental de quem o fez. A perspectiva de instaurar uma renda incondicional, ou seja, prover cada um com uma quantia mensal suficiente para lhe permitir viver, independentemente de sua atividade assalariada, aparece como uma aberração. Ainda estamos convencidos de ter de arrancar de uma natureza árida e ingrata os meios de nossa subsistência individual; mas a realidade é bem diferente.

Bolsas de estudo, licença-maternidade, pensões, bolsa família, indenizações por demissão: muitos benefícios que têm em comum o fato de dissociar renda e trabalho. Por mais insuficientes que sejam e por mais atacados que possam se revelar todos esses dispositivos, eles mostram que, se a renda mínima incondicional é uma utopia, trata-se de uma utopia que “já existe”. Na França, em 2005, a renda da população dependia 30% da redistribuição: “Apesar de todos os discursos ideológicos e da liquidação do Estado social, vilipendiado pelos neoliberais, a parcela da transferência de renda aumentou inexoravelmente sob os presidentes Mitterrand, Chirac e Sarkozy”.1 E não seria muito difícil mover novamente o cursor para garantir que todos estejam ao abrigo da necessidade (veja artigo na pág. 32).

Tendo em mente que a primeira consequência de uma renda básica é eliminar o desemprego como um problema – tanto como questão social quanto como fonte de ansiedade do indivíduo –, seria possível economizar, de início, as somas envolvidas na busca do objetivo oficial do pleno emprego. Nada mais justificaria os presentes dados às empresas para incentivá-las a contratar. Além disso, por ser a renda garantida universal e incondicional – ela é concedida a todos, pobres e ricos, estes últimos a recebendo como reembolso por meio do imposto –, as economias seriam realizadas eliminando todo o trabalho administrativo relacionado ao acompanhamento de beneficiários da assistência social, questionável por seu caráter humilhante, intrusivo e moralizador.2

Mas antes de prosseguir, e já que começamos, é importante definir bem do que exatamente estamos falando. Uma medida defendida nos anos 1960 por economistas tão diferentes como James Tobin – também por trás da proposta de taxação das transações financeiras – e o liberal Milton Friedman tem de fato motivos para inspirar perplexidade. Essa grande lacuna permanece até hoje: na França, a renda garantida defendida por Christine Boutin (Partido Cristão-Democrata) não é a mesma que a apoiada por Yves Cochet (Verdes) ou pelo Movimento Utopia, transversal aos Verdes e ao Partido de Esquerda.

Com um montante muito inexpressivo para que se possa dispensar o emprego, a renda básica propagada pelos liberais funciona como um subsídio para as empresas e se inscreve em uma lógica de desmantelamento da proteção social: é a perspectiva do imposto negativo de Friedman. Em suas versões de esquerda, ao contrário, ela deve ser suficiente para viver – mesmo que a definição de “suficiente”, suspeitamos, dê margem a perguntas espinhosas. E não a concebemos sem uma defesa conjunta dos serviços públicos e dos seguros sociais (pensões, auxílio-desemprego ou doença), bem como alguns benefícios sociais. Há também acordo sobre algumas outras características: ela deveria ser paga mensalmente a cada indivíduo, do nascimento até a morte (os menores recebendo uma quantia mais reduzida que a dos adultos), e não a cada lar; nenhuma condição ou contrapartida seria exigida; e seria acumulável com os rendimentos do trabalho.

Assim, cada um poderia escolher o que deseja fazer da vida: continuar a trabalhar, ou seguir desfrutando seu tempo contentando-se com um nível de consumo modesto, ou, ainda, alternar entre os dois. Os períodos fora do emprego não seriam mais suspeitos, uma vez que o trabalho remunerado deixaria de ser a única forma reconhecida de atividade. Aqueles que escolhessem viver da renda garantida poderiam se dedicar inteiramente às tarefas pelas quais são apaixonados e/ou que lhes pareçam socialmente úteis, sozinhos ou com outros, pois o projeto se baseia fortemente nas possibilidades de livre associação que abriria.

Em 2004, dois pesquisadores da Universidade Católica de Louvain tentaram adivinhar os efeitos produzidos pela renda básica, enfocando os vencedores do jogo televisivo Win for life, que oferece uma renda mensal para seus ganhadores. Entre as notáveis diferenças entre as duas situações, que obrigam a relativizar suas conclusões, Baptiste Mylondo destaca uma que eles negligenciaram: “Enquanto o beneficiário da renda incondicional está cercado por outros beneficiários, o vencedor do sorteio está totalmente isolado. Ora, o valor do tempo livre aumenta com o número de pessoas com quem é possível compartilhá-lo”.3 Portanto, para um grande número de pessoas a renda garantida mudaria consideravelmente ao mesmo tempo a relação com o trabalho, a relação com o tempo, a relação com o consumo e a relação com os outros – aí incluídos, por contágio, aqueles que optassem pelo emprego assalariado. No entanto, é verdade que ela imporia a criação de novos modos de socialização, sem o que poderia também favorecer o recolhimento, especialmente entre as mulheres, que correriam o risco de ser confinadas ao lar.

Na França, a reivindicação de uma renda garantida se cristalizou durante a revolta estudantil contra o projeto de contrato de inserção profissional (CIP) do governo de Édouard Balladur, em 1994, com a criação, em Paris, do Coletivo de Agitação por uma Renda Garantida Ideal (Cargo), logo integrado ao movimento Agir em Conjunto contra o Desemprego (AC!). Ela ressurgiu durante o movimento de desempregados, na virada de 1997 para 1998. Na mesma época, o filósofo ambientalista André Gorz se uniu à ideia,4 que encontrou eco no movimento antiglobalização que estava sendo formado.5 Alain Caillé, fundador do movimento antiutilitarista nas ciências sociais (Mauss), também foi partidário da proposta.

Finalmente, em resposta aos ataques de que seu regime de indenização foi objeto a partir de 2003, certos militantes defenderam não somente a manutenção do dispositivo, mas sua extensão ao conjunto da população, de modo a normalizar a alternância de períodos de folga e de períodos trabalhados, sabendo que estes últimos se alimentam dos primeiros e não poderiam existir sem eles. Sua proximidade com essa luta levaria Christophe Girard, prefeito socialista do quarto distrito de Paris, a pleitear na véspera do congresso de seu partido, em outubro de 2012, o estabelecimento gradual de uma renda universal.6

Antes, e mesmo que não tenha restado muita coisa da medida finalmente votada, a ideia de que a sociedade deve a seus membros os meios de sua subsistência tinha assombrado os debates parlamentares em torno da criação da renda mínima de inserção (RMI) pelo governo de Michel Rocard, em 1988. À esquerda, alguns, a começar pelo relator do texto, Jean-Michel Belorgey, contestavam o condicionamento da RMI a “esforços de inclusão”. E eles se perguntaram: podemos falar de um “direito” a uma renda cuja obtenção é suspensa a partir de uma passagem por uma comissão e para a qual uma contrapartida é exigida?7 Esse é também o significado do slogan sem floreios das manifestações de desempregados, “Dinheiro para viver!”: em uma sociedade que não é ameaçada por nenhuma penúria, todos deveriam ter direito a uma vida digna, sem para isso ter de se esforçar.

A renda básica visa de início fornecer a todos o mínimo vital, seja no Norte ou no Sul, onde também tem seus defensores. Acredita-se em geral que teria como efeito estimular a atividade econômica nos países em desenvolvimento e reduzi-la ligeiramente em outros lugares – razão pela qual ela interessa aos ecologistas. Nas sociedades ocidentais, ela ofereceria a oportunidade de escapar do desemprego, da precariedade, das más condições de habitação e pobreza, ou, para alguns assalariados, do sofrimento físico e mental experimentado durante o trabalho. Mas ela não colocaria por terra o capitalismo, e, ainda que alguns a associem a um projeto de renda máxima,8 não eliminaria as desigualdades. E é isso que muitos não deixam de censurar nela. Assim, o comunista libertário Claude Guillon, por considerar o programa muito tímido, satirizou em um livro aquilo que chama de “garantismo”. Ele admite, no entanto, que se fala melhor de política com a barriga cheia...9

Confiar nos indivíduos

Em vez de derrubar uma ordem injusta para substituí-la por uma ordem justa, a renda básica daria “um impulso cultural”. Ela traria ao mesmo tempo reconhecimento e incentivo para as atividades fora do mercado, de maneira a começar uma transição que ninguém pode prever aonde levaria. É precisamente o abandono dessa lógica que seduziu o ativista suíço Oliver Seeger, coautor da versão francesa do filme A renda básica.Antigo membro da Longo Maï, cooperativa agrícola comunitária estabelecida após 1968 nos Alpes da Haute-Provence, ele rejeita, em retrospectiva, “esse pressuposto implícito de que éramos uma vanguarda revolucionária, uma pequena elite que estava se preparando para o dia D”. A renda garantida, ao contrário, permite “deixar as pessoas livres. Não pensar por elas, não lhes passar uma ideologia já mastigada que seriam condenadas a seguir”. Essa mudança de paradigma seria tudo menos fácil: “Eu espero que as pessoas tenham dor de cabeça, de coração, de estômago, que todo o seu metabolismo seja desarranjado, se elas tiverem de pensar sobre o que realmente sentem vontade de fazer! Como poderia ser de outra forma, quando, durante anos, fomos trabalhar sem fazer perguntas? Mas eu realmente gostaria de ter a chance de ver o que isso poderia proporcionar”.10

Outra importante crítica dirigida à renda garantida tem a ver com seu questionamento da norma de emprego assalariado. Historicamente, o movimento dos trabalhadores se organizou entre os assalariados. Ali ele forjou todas as suas ferramentas de resistência à exploração e obteve todas as suas conquistas, dos feriados e fins de semana remunerados à proteção social, a ponto de às vezes esquecer que o “desaparecimento do emprego assalariado” era uma das metas estabelecidas pela Confederação Geral do Trabalho (CGT) na Carta de Amiens, em 1906... Para o mundo sindical e as correntes políticas que lhe são próximas, dissociar trabalho e renda soa, portanto, como um passo perigoso ou herético. Economista membro da Associação para a Taxação das Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos (Attac), Jean-Marie Harribey escreve que o trabalho constitui, “quer gostemos ou não”, um “vetor essencial de integração social”, porque confere ao indivíduo “sua qualidade de homem completo, produtor e cidadão”.11

Em contrapartida, promotores da ideia da renda garantida formulam uma crítica do trabalho assalariado. A maioria dos empregos, argumentam, não traz aos que os desempenham a autoestima nem o sentimento de servir ao interesse público – isso quando não lhes proporcionam um sentimento totalmente oposto. E, mesmo que fosse esse o caso, os ganhos de produtividade ligados ao progresso técnico de qualquer maneira não permitiriam garantir trabalho para todos. Favorável a um salário vitalício incondicional financiado pela extensão do sistema de cotização, Bernard Friot compartilha essa análise: “É melhor não fazer nada do que ser um trabalhador que produz sementes estéreis para a Monsanto”.12



Já a corrente inspirada na autonomia operária italiana sustenta sua crítica do salário no conceito de general intellect, emprestado de Karl Marx. NosGrundrisse, Marx previa que chegaria um momento em que o conhecimento acumulado ao longo da história pelo conjunto da sociedade seria o cerne da criação de valor. Com o advento da economia do intangível, chegamos a isso, afirmam seus leitores. E, portanto, o capitalismo só pode se tornar cada vez mais parasita. O essencial da produção de riqueza se desenharia, portanto, fora do emprego. Entre as figuras da cigarra despreocupada e da formiga trabalhadora, [Yann] Moulier-Boutang interpõe uma terceira, a da abelha: seu trabalho de polinização não cria valor direto, mas nenhuma produção poderia existir sem ele. Da mesma forma, cada pessoa, com as mais simples atividades diárias, participa indiretamente da economia.

O argumento tem a vantagem de combater as alegações, agitadas pelos demagogos, de “assistidos” inúteis e preguiçosos vivendo do trabalho dos outros. Mas fazer disso a justificativa da renda garantida é uma armadilha que André Gorz percebeu muito bem: “Permanecemos assim no plano do valor do trabalho e da produtividade”. Ora, “a renda de existência só faz sentido se não exige nem remunera nada”: ela deve, pelo contrário, permitir a criação “de riquezas não negociáveis”.13

Não há necessidade, de qualquer maneira, de passar pelo general intellectpara fundamentar na teoria a instauração de uma renda garantida. Em La justice agraire[A justiça agrária], de 1796, um dos primeiros promotores da ideia, o revolucionário anglo-americano Thomas Paine, viu nisso uma justa indenização para a apropriação da terra por parte de alguns, ainda que supostamente pertencente a todos...



Ilustração: Orlando


1 Yann Moulier-Boutang, L’abeille et l’économiste [A abelha e o economista], Carnets Nord, Paris, 2010.
2 O polo de emprego com certeza continuaria a existir, uma vez que sempre haveria um mercado de trabalho, mas mudaria radicalmente de missão.
3 Baptiste Mylondo, Un revenu pour tous. Précis d’utopie réaliste [Uma renda para todos. Manual de utopia realista], Utopia, Paris, 2010.
4 André Gorz, Misères du présent, richesse du possible [Misérias do presente, riqueza do possível], Galilée, Paris, 1997.
5 Ler Jean-Paul Maréchal, “Revenu minimum ou ‘deuxième chèque’?” [Renda mínima ou “segundo cheque”?], e Ignacio Ramonet, “L’aurore” [A aurora], Le Monde Diplomatique, respectivamente mar. 1993 e jan. 2000. E também Yoland Bresson, “Instaurer un revenu d’existence contre l’exclusion” [Criar uma renda de existência contra a exclusão], Le Monde Diplomatique, fev. 1994. Criador em 1989 da Associação para a Criação de uma Renda de Existência (Aire, na sigla em francês) e cofundador da Rede Mundial da Renda Básica (Bien, na sigla em inglês), Bresson é criticado por pregar um pequeno montante, o que o classifica entre os promotores de uma renda garantida “de direita”.
6 Christophe Girard, “Ma contribution pour le congrès du PS, pour un revenu social garanti” [Minha contribuição para o congresso do PS, por uma renda social garantida], 4 set. 2012. Disponível em: .
7 Laurent Geffroy, Garantir le revenu. Histoire et actualité d’une utopie concrète [Garantir a renda. História e atualidade de uma utopia concreta], La Découverte, Paris, 2002.
8 Ler Sam Pizzigati, “Plafonner les revenus, une idée américaine” [Elevar ao máximo as rendas, uma ideia norte-americana], Le Monde Diplomatique, fev. 2012.
9 Claude Guillon, Économie de la misère [Economia da miséria], La Digitale, Quimperlé, 1999.
10 “Revenu garanti, ‘la première vision positive du XXIe siècle’” [Renda garantida, a “primeira visão positiva do século XXI”], dez. 2010. Disponível em: .
11 Citado por Baptiste Mylondo, op.cit.
12 Bernard Friot, L’enjeu du salaire [A questão salarial], La Dispute, Paris, 2012. Deve notar-se, no entanto, que as estatísticas de emprego tinham tendência a negligenciar o trabalho de mulheres − por exemplo, o das camponesas. Ler Margaret Maruani e Monique Meron, “Contes et mécomptes de l’emploi des femmes” [Contos e enganos do emprego das mulheres], Le Monde Diplomatique, dez. 2012.
13 André Gorz, L’immatériel [O intangível], Galilée, Paris, 2003.


01 de Maio de 2013

Palavras chave: Renda mínima, utopia, conceito, igualdade, Europa, América Latina, Ásia, ideia, trabalho, dinheiro, capital, renda, bolsas, incentivo, sociedade, benefício

Mais além das expectativas

Autor(es): Mauro Borges Lemos
Valor Econômico -

Desde o ano passado, é voz corrente na mídia o mau humor do mercado com a economia brasileira. Em que pese a invejável situação do país nos fundamentos macroeconômicos e do quase pleno emprego, frente ao mundo desenvolvido em crise profunda, esse mau humor persiste. Se um estrangeiro ler o noticiário dominante, vai concluir que o efeito contágio já afetou a nossa economia. Daí a sequência lógica seria a repetição do ciclo vicioso de contaminação interna de crises financeiras internacionais anteriores: escassez de reservas, deterioração do balanço de pagamentos, maxidesvalorização cambial, escalada inflacionária e explosão da dívida pública.

Das muitas críticas à política econômica do governo, uma das mais salientes é o seu ativismo, traduzido como excesso de intervencionismo estatal na economia. Na acepção corrente, esse ativismo "mais atrapalha do que ajuda", distorcendo o sistema de preços, aumentando o "custo Brasil" e, assim, comprometendo a competitividade da economia. Como parte do ativismo governamental, a política industrial é um dos alvos preferidos. A ampla desoneração da economia - quase R$ 100 bilhões até 2014, por meio da redução de tributos e do barateamento do crédito para investimento e inovação visando menores custos do capital e do trabalho - é considerada medida paliativa, incapaz de aumentar a competitividade do setor produtivo, especialmente da indústria de transformação.

Além da política macroeconômica prudente e responsável, a resposta do governo tem sido a "construção de pontes": criar agendas de diálogo com o setor produtivo sobre temas considerados estratégicos, usando, para isso, as diversas instâncias do sistema de gestão do Plano Brasil Maior - PBM.

No calor dessa onda de críticas à política industrial brasileira, foi lançado, no dia 15 de maio, o documento anual "Perspectives on Global Development", da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. Intitulado "Industrial policies in a changing world: shifting up a gear", o estudo é dedicado à política industrial contemporânea no mundo e, em especial, à política industrial dos países emergentes www.bit.ly/14x0kqX

Fez parte da cerimônia de lançamento a mesa sobre experiências contemporâneas de política industrial dos pais emergentes (China, África do Sul, Malásia e Brasil). Como participante da mesa, tive a oportunidade de expor as diretrizes da política industrial brasileira, à luz do amplo mosaico de políticas analisadas no documento de referência.

A primeira questão que causou surpresa foi o fato de ser este o primeiro documento oficial da OCDE sobre política industrial. Por ser uma organização de países industrializados, sempre houve muita resistência em reconhecer a necessidade da política industrial como instrumento legítimo e estratégico de política econômica para o desenvolvimento das nações. Em que pesem fartas evidências históricas de que todos os países hoje desenvolvidos implementaram políticas industriais ativas em seus esforços deliberados de industrialização, o tema vem suscitando controvérsias desde o ressurgimento do liberalismo econômico nos anos 1980. A consolidação da Organização Mundial do Comércio (OMC), nos anos 1990, ampliou tais resistências, uma vez que as políticas do século passado eram fortemente baseadas em proteção tarifária e câmbios múltiplos.

O segundo motivo de surpresa foi o reconhecimento de que, além dos países emergentes, os países ricos retomaram ativamente suas políticas industriais, como consequência da crise internacional de 2008. O exemplo mais conspícuo é a política de manufatura avançada do governo Obama (Advanced Manufacturing Policy), inteiramente integrada à política de defesa e espacial, principal fonte de geração de tecnologias dos Estados Unidos desde os anos 1920.

Finalmente, a terceira surpresa foi a agradável constatação que a atual política industrial brasileira é inteiramente convergente com o que os países mais importantes do planeta estão fazendo e está alinhada às diretrizes propugnadas pelo documento da OCDE. O Brasil é fartamente citado no documento como exemplo de boas práticas de políticas industriais eficazes.

Vejamos as principais recomendações: 1) construção de legitimidade institucional para políticas industriais de longo prazo (em vez de resultado de curto prazo, a maioria das medidas do PBM é de longa maturação); 2) construção de políticas industriais baseadas em alianças público-privado (exatamente o desenho do sistema de gestão do PBM); 3) abertura de espaço político institucional para a emergência de "novos setores" críticos para a competitividade (convergente com a "criação de novas competências" do PBM); 4) garantia de financiamento estável e de longo prazo para pesquisa e desenvolvimento (como prevê o recém lançado "Inova Empresa"); 5) reconstrução de capacidades em países onde as instituições de política industrial foram desmanteladas (caso típico do Brasil, em que já foi voz corrente que a "melhor política industrial é não ter política industrial").

O lançamento do documento da OCDE e a valorização de ferramentas de apoio ao desenvolvimento da indústria são evidências de que estamos na rota de uma política industrial consistente e alinhada com as políticas contemporâneas dominantes de nossos principais parceiros comerciais. Assim, é preciso ir mais além das expectativas para enxergar as perspectivas de longo prazo da economia brasileira.

Mauro Borges Lemos é professor titular da UFMG e presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial - ABDI

Sobre o desenvolvimento chinês IV


Por José Luís Fiori - do Rio de Janeiro

No caso chinês, a inflexão começou nos anos 90, depois da Guerra do Golfo

É visível, a olho nu, que a liderança da inovação tecnológica se concentra nos países com maior poder dentro do sistema internacional. E que os países que ocupam posições inferiores acessam as tecnologias de “ponta”, através da cópia, da importação ou de pequenas adaptações incrementais, mediante pagamento de “direitos de propriedade intelectual”. Por isto, invariavelmente, os países que se propõe mudar sua posição dentro da hierarquia internacional também mudam, em algum momento, seu sistema de pesquisa e inovação. Como vem acontecendo com a China, segundo estudo recente dos professores N. Trebat e C. Medeiros (veja nota), que demonstra que os chineses estão deixando para trás a “cópia tecnológica”, e estão se aproximando rapidamente do modelo norte-americano, onde o “sistema de defesa” do país ocupa um lugar central no seu “sistema de inovação”.

Nos EUA, a mudança se acelerou durante a II Guerra Mundial, com a criação do National Defense Research Council (NDRC), que foi responsável pelo projeto Manhattan e pela criação da primeira bomba atômica, e pela reorganização da pesquisa cientifica dentro das universidades e das empresas privadas reunidas dentro de um mesmo “complexo-militar–industrial-acadêmico” de pesquisa e inovação, orientado pela competição militar com a União Soviética. Donde se possa dizer, hoje, que a Guerra Fria foi responsável – em última instancia – pelos principais avanços tecnológicos norte-americanos, da segunda metade do século XX, no campo aeroespacial e da energia nuclear, da computação, das fibras óticas e dos transistores, assim como da química, da genética e da biotecnologia. Em todos estes setores, a estratégia de defesa americana funcionou como primeiro motor na criação das tecnologias “duais” que revolucionaram a economia mundial. Hoje, a “Agencia de Projetos Avançados de Pesquisa em Defesa” (DARPA) – que responde ao Departamento de Defesa dos EUA – conta com um orçamento de mais de 3 bilhões de dólares, e financia investigações em todo e qualquer setor considerado estratégico para a segurança americana, independente do seu objeto específico, bastando se propor “inovações radicais” na fronteira do conhecimento humano.

No caso chinês, a inflexão começou nos anos 90, depois da Guerra do Golfo, quando a China reconheceu a necessidade de modernizar seu sistema de defesa e mudou o rumo da sua pesquisa científica e tecnológica, adotando progressivamente o modelo americano de integração da academia com o setor publico e privado, na produção de “tecnologias duais” capazes de dinamizar, ao mesmo tempo, a economia civil chinesa. O passo inicial foi dado, ainda na década de 80, com a criação da “Comissão de Ciência, Tecnologia e Indústria, para a Defesa Nacional”, mas o verdadeiro salto aconteceu depois de 1990, quando foi criado o “Programa 863” de financiamento à pesquisa de “ponta”, e depois de 2001, quando foi lançado o “Projeto de Segurança Estatal 998”, com objetivo explícito de desenvolver a capacidade chinesa de contenção das forças norte-americanas no Mar do Sul da China. Entre 1991 e 2001, o gasto militar chinês cresceu 5% ao ano, e entre 2001 e 2010, 13%. Hoje a China possui o segundo maior orçamento militar do mundo, mas o que importa, neste caso, é que os gastos com a “defesa” já alcançam cerca de 30% de todo o gasto governamental com pesquisa e inovação, e foram os grandes responsáveis pelo avanço dos chineses, nos últimos anos, na microeletrônica, computação, telecomunicação, energia nuclear, biotecnologia, química, e no campo aeroespacial. Mais recentemente, o “Plano de Desenvolvimento Nacional Científico e Tecnológico de Médio e Longo Prazo”, para o período entre 2006 e 2020, aumentou a tônica no desenvolvimento das tecnologias “duais”, e na importância da conquista da autonomia militar da China. E apesar de que os chineses sigam utilizando tecnologias importadas, a verdade é que eles obtiveram avanços notáveis nestas últimas duas décadas. Neste sentido, o novo caminho tecnológico da China parece reforçar uma verdade antiga e obliterada sistematicamente, pela “ciência econômica”: que o ritmo e liderança da pesquisa e inovação de “ponta”, nos países que lideram a hierarquia internacional, não são determinados pelas forças de mercado. Nestes casos – e cada vez mais – as grandes inovações vieram de sua estratégia de defesa e de sua permanente “preparação para a guerra”. Goste-se ou não, foi sempre assim, e ainda mais, no caso dos estados nacionais que criaram e lideraram, ou lutaram pela liderança do sistema interestatal capitalista, através do séculos.

Nota
N. Trebat e C. A. Medeiros, “Military modernization in Chinese Technical Progress and Industrial Innovation”, paper, “World Keynhes Conference”, Izmair Economics University, junho de 2013.
José Luis Fiori é professor titular de Economia Política Internacional da UFRJ e coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ “O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”. (www.poderglobal.net)

SANTAYANA E A QUEDA DOS MITOS AMERICANOS


Quando Obama vai fechar Guantánamo ?

Os Estados Unidos nunca mais tiveram heróis como Audie Murphy
O Conversa Afiada republica texto de Mauro Santayana, extraído do JB online:

A DISSOLUÇÃO DOS MITOS AMERICANOS

por Mauro Santayana


Os mitos, como os deuses, são produtos do poder. É o controle da informação, mediante a difusão da cultura opressora, que amedronta os povos indefesos e agiganta os agressores e saqueadores. Depois da Antiguidade, os norte-americanos foram os mais competentes em criar a mitologia da superioridade intelectual e moral de seus políticos, de seus pensadores e de seus exércitos.

Como todos os povos, ele teve e tem grandes pensadores e cientistas e é claro que houve (hoje provavelmente não haja mais) soldados que se destacaram por sua bravura nas lutas pela independência, na Guerra da Secessão e nas duas guerras mundiais de que participaram. Na Primeira delas, durante a batalha de Argonne, na frente francesa, o sargento Alvin York avançou com seu grupo sobre um ninho de metralhadoras, matou 28 soldados alemães, prendeu 132 e se apropriou de 32 metralhadoras. Era um homem do campo, que mal sabia ler, e que se tornou o mais condecorado soldado dos Estados Unidos durante o conflito.

Outro homem do campo – e o oposto do protótipo do super-herói americano, posto que de estatura baixa e corpo mirrado – foi Audie Murphy, o mais condecorado militar dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Esse conseguiu retirar algum proveito do mito, tornando-se ator de cinema de talento reduzido, mas de boa bilheteria, por seu heroísmo real. Os dois, como sabemos, foram heróis em guerras que podemos considerar justas, ainda que servissem também aos poderosos de seu país.

Fora das guerras citadas – a da Independência, a da Secessão e as duas mundiais – não houve heróis, ainda que tenha havido sacrifícios imensos de seus homens, nos combates travados pelos norte-americanos. Não os houve na guerra de anexação contra o México, nem contra a Espanha – e menos ainda, em decorrência desse conflito, na repressão à luta das Filipinas pela independência. E ninguém encontrará heroísmo ianque na Coréia, no Vietnã, no Iraque e no Afeganistão. E nem se fale da Somália, de onde os norte-americanos saíram apressadamente, da mesma maneira que deixaram Saigon. No caso do Iraque, o mais liberal dos regimes da região, a mentira foi usada com desfaçatez: Saddam não possuía qualquer arma de destruição em massa, e era inimigo declarado de Al Qaeda – a mesma Al Qaeda que participa da contra-revolução síria.

Dessas incursões criminosas falam mais as imagens de Abu Ghraib e de Guantánamo com a tortura contra prisioneiros indefesos, e os relatos brutais da chacina de My Lai, no Vietnã.

Ontem, no Cemitério de Arlington, na cerimônia anual pelos que morreram em combate, Obama apelou para o sentimento de patriotismo dos norte-americanos, lembrando que os meios tecnológicos da guerra não bastam para substituir o “valor” dos soldados. Ele ponderou que, pelo fato de que, hoje, os soldados são voluntários, e não conscritos, como no passado, o povo não se sente tão empenhado em solidarizar-se com os seus exércitos. Na realidade, o Pentágono “terceiriza” a guerra e usa mais mercenários do que patriotas nos combates.

Na semana passada, ele dissera, em outra cerimônia militar, que os Estados Unidos devem terminar com a guerra contra o terrorismo tal como ela se desenhara no governo Bush. Ontem, no entanto, insistiu que “a América ainda está em guerra”.

É possível que os mitos em torno da superioridade norte-americana, alimentados pela imprensa, pela literatura e, sobre todos os outros meios, pelo cinema e pela televisão, estejam sendo dissolvidos pela realidade. Há coisas novas, que nos trazem certa esperança. Entre elas, o primeiro compromisso entre o governo colombiano e as Farc, a propósito da política agrária a ser adotada no país. E, por mais a França e a Inglaterra advoguem uma intervenção militar na Síria, não parece que Washington e Moscou, cada capital com as próprias razões, aceitem essa nova aventura.

Obama parece sincero em seu apelo ao Congresso para que autorize fechar Guantánamo e em sua disposição de deixar o Afeganistão no ano que vem. Mas isso não o isenta do que seu país fez na Líbia e em sua cumplicidade com Israel contra o povo palestino.

As virtudes do povo americano – e são muitas – só serão conhecidas quando eles esquecerem os mitos e assumirem sua plena humanidade.

Burocracia diminui capacidade de investimento do Estado

Da Carta Maior

A destruição do Estado por dentro do Estado


A capacidade de investimento do Estado, neste mesmo movimento em que se priva a sociedade de obras e serviços essenciais para seu funcionamento, está sendo destruída pela burocracia de controles centralizados, a pretexto de evitar a corrupção.

J. Carlos de Assis

A burocracia de controles centralizados está destruindo, a pretexto de evitar a corrupção, a capacidade de investimento do Estado no mesmo movimento em que priva a sociedade de obras e serviços essenciais para seu funcionamento. É uma batalha ganha com mão de gato pelos neoliberais: se o papel do Estado não pode ser reduzido por mecanismos institucionais em face de uma possível reação retórica dos progressistas, que seja reduzido pelo excesso e redundância de controles burocráticos e uma exagerada centralização que não houve sequer no tempo da ditadura.

Já mencionei aqui a virtual destruição da capacidade de investimento do Estado nos últimos dois anos na área de infraestrutura de transportes, a única que vinha funcionando relativamente bem desde os dois últimos anos do Governo Lula. Sua agenda anual de investimentos caiu de uma faixa de R$ 15 bilhões para menos de R$ 5 bilhões neste ano. A Rede Globo fez uma extensa série de reportagens sobre a situação de nossas rodovias e portos, assinalando um verdadeiro colapso. Não mencionou a causa essencial desse descalabro: a paralisia pelos controles, que está matando, por exemplo, a transposição do São Francisco.

Tenho certeza de que o general colocado pela presidenta Dilma no comando do Ministério dos Transportes deve ser um dos homens mais probos do Brasil. Incorruptível. Acontece que ele não consegue levar a bom termo nenhuma licitação. As que tentou ficaram desertas. Por outro lado, ele deve estar um tanto desorientado pela mudança institucional que a presidenta, inspirada por alguns grandes empresários, teima em levar adiante no setor mediante as tais PPP (Parcerias Público Privadas). Isso não vai funcionar nunca para obras novas. A não ser que se faça como no Maracanã e em outras obras da Copa, ou seja, o Estado constrói e paga tudo, e depois repassa ao setor privado para ele explorar sob forma de concessão.

A Presidenta quer que o setor privado construa a obra com financiamento do BNDES e depois pague por ela com a receita, no caso de rodovias, de pedágios. É uma ilusão. O setor privado, mesmo que receba financiamento em condições generosas, como é o caso, não está a fim de assumir obrigações dele resultantes ao longo de décadas. Ademais, em se tratando de infraestrutura nova de transportes, ou se corre o risco de não ter taxa de retorno suficiente para justificar o investimento, ou se inviabilizarão os transportes brasileiros por conta dos altos pedágios.

Esse, contudo, é um caso em especial, o mais aberrante. O excesso de burocracia está em rigorosamente todos os setores da administração. A centralização excessiva é uma praga que se instalou no Brasil sobretudo depois da crise da dívida externa nos anos 80. E não parou mais. A crise da dívida e a ortodoxia financeira que se seguiu impuseram um processo de centralização financeira em caixa única que se estendeu aos Estados. A razão fundamental era: a caixa única possibilita pagar os juros da dívida pública, a partir de receitas reais, à custa de estreitamento das outras despesas do Estado, inclusive as sociais e de infraestrutura.

Aí, de novo, surge o monstro neoliberal dando suas cartas, e os progressistas apenas engolindo em seco, na mais das vezes nem entendendo o que está acontecendo. Os governos militares possibilitaram algum grau de descentralização com a criação das fundações públicas com capacidade de geração de recursos próprios. Pois bem, os governos “democráticos”, notadamente os de Fernando Henrique e de Lula/Dilma, estão matando as fundações e lhes tirando flexibilidade administrativa, tudo em nome da prevenção à corrupção. É uma paranoia apoiada na ideia vulgarizada de que todos agentes públicos são ladrões até que se prove o contrário.

Um caso paradigmático está ocorrendo na UFRJ. A Coppe e Coppetec, instituições do mais alto nível acadêmico e científico-tecnológico no Brasil, ligadas à Universidade, financiam a maioria do seus projetos a partir de receitas próprias. Esse modelo está sendo questionado pela Fazenda e pela CGU em nome do princípio da caixa única: é para a caixa única do Tesouro que deve ir toda a receita de projetos que a Coppetec faz. Assim como as dezenas de outras fundações públicas espalhadas pelo Pais. O Tesouro, então, redistribui essa receita a seu bel prazer– se quiser, tirando uma ponta para o superávit primário. Obviamente, esse sistema retira das fundações qualquer incentivo a buscar projetos junto ao setor privado. Em termos de interesse público, é um contra-senso, uma aberração.

Soube que o principal dirigente da Coppe/UFRJ, Luís Pinguelli Rosa, esteve em Brasília na semana passada para tratar desse e de outros assuntos com o ministro Aloísio Mercadante. Quando estava dentro do gabinete com o ministro, uma terceira pessoa entrou sem avisar. Pinguelli perguntou quem era. O ministro explicou que se tratava de um funcionário da CGU que iria acompanhar a reunião. Pinguelli dirigiu-se ao próprio e ele confirmou. Levantando-se da cadeira, Pinguelli convidou-o a retirar-se imediatamente, com impublicável veemência, caso não quisesse sair dali aos tapas e pontapés. (Infelizmente, não consegui neste fim de semana confirmar essa história com Pinguelli. No entanto, como dizem os italianos, si non é vero é bene trovatto!)

J. Carlos de Assis é economista, professor de economia internacional da UEPB e autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus” (ed. Civilização Brasileira).

Marcelo Zero e Dr. Rosinha: Aliança do Pacífico, ou do factoide

Marcelo Zero e Dr. Rosinha: A Aliança do Pacífico, o novo fetiche dos conservadores brasileiros, não passa de uma miragem paleoliberal

por Marcelo Zero e Dr. Rosinha, especial para o Viomundo

Os conservadores brasileiros têm um novo fetiche: a Aliança do Pacífico. Trata-se um novo bloco econômico comercial que pretende agregar, em uma área de livre comércio, Chile, Peru, Colômbia, México e Costa Rica.

Conforme as notícias publicadas pela velha mídia, a Aliança do Pacífico foi criada para servir de contrapeso ao Mercosul, um bloco de economias “estatizadas” e “pouco dinâmicas”, que rejeitam as benesses do livre-comércio. Apesar da crise do capitalismo desregulado, a mídia ainda insinua que o futuro pertenceria à Aliança, ao passo que ao Mercosul caberia o atraso, a estagnação e o isolamento.

Em primeiro lugar, cabe observar que qualquer bloco econômico da América do Sul ou da América Latina que não inclua o Brasil não terá maior relevância regional. O Brasil é a sexta economia mundial. O Mercosul, em seu conjunto, já representa a quarta economia do planeta, à frente de gigantes como Alemanha e Japão.

Do outro lado, o México, a maior economia da Aliança do Pacífico, é a 14ª economia do mundo (dados de 2011) e a Aliança como um todo representaria a 9ª economia do planeta. Além disso, nenhum país desse bloco chega nem perto do peso demográfico, geográfico e geopolítico que o Brasil tem hoje no mundo.

Alguns argumentam que a Aliança exporta mais que o Mercosul. É verdade. Em razão das grandes exportações do México, fruto essencialmente da sua participação no Nafta, o bloco efetivamente exporta mais. Ocorre que a balança comercial do México é deficitária.

Entre 2002 e 2011, segundo dados da Aladi, o México acumulou cerca de US$ 72 bilhões de déficit em sua balança comercial. Não é muito, se for levado em consideração o volume da corrente de comércio mexicana, mas é algo significativo. Em contraste, o Brasil acumulou, no mesmo período, um superávit de US$ 303 bilhões, o que muito contribuiu para a superação da vulnerabilidade externa da economia brasileira.

Em segundo lugar, o Brasil e o Mercosul já têm livre comércio ou comércio bastante facilitado com todos os países da América do Sul que aderiram à Aliança do Pacífico. Em alguns casos, há muito tempo. O Chile, por exemplo, formalizou sua associação à área de livre comércio do Mercosul já em 1996. O Peru, por sua vez, aderiu à zona de livre comércio do Mercosul em 2003. E a Colômbia, junto com Equador e Venezuela, tornou-se membro associado em 2004.

Ou seja, todos esses países da Aliança, e mais todos os demais países da América do Sul (à exceção de Guina e Suriname) já fazem parte, em maior ou menor grau, da zona de livre comércio do Mercosul. A única grande diferença, em relação aos membros plenos do bloco (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela) é que eles não fazem parte da união aduaneira do Mercosul e nem participam de suas instituições políticas.

Como resultado dessa integração, as exportações do Brasil para essas nações aumentaram exponencialmente. Para a Colômbia, as exportações brasileiras aumentaram de US$ 638 milhões, em 2002, para US$ 2,83 bilhões, em 2012. Em relação ao Peru, subiram de US$ 438 milhões para US$ 2,4 bilhões, no mesmo período. No que tange ao Chile, aumentaram de US$ 1,4 bilhão para US$ 5,4 bilhões. E o Brasil tem superávits com todos esses países.

Vale observar que esses países da América do Sul que participam da Aliança do Pacífico já têm, por forças de acordos anteriores, livre comércio entre si. Portanto, a única novidade da Aliança é a proposta de livre comércio entre esses países e o México. Nesse sentido, a Aliança do Pacífico nada mais é, pelo menos por enquanto, do que um acordo de livre comércio entre o México e alguns países remanescentes da Comunidade Andina, já que Equador, Bolívia e Venezuela não pretendem aderir.

Não se pense, aliás, que a Aliança do Pacífico vai conseguir acesso facilitado ao mercado norte-americano. Qualquer acordo com os EUA terá de passar pelo crivo draconiano do Congresso daquele país, que exigirá, dos países da Aliança, bem mais do que livre comércio.

A Aliança do Pacífico não tem nenhum impacto significativo sobre a realidade econômico-comercial da América do Sul e da América Latina. Nem sobre o Brasil e o Mercosul. A não ser que os demais países da região abandonem o Mercosul, coisa altamente improvável, ela não representa ameaça real ao Brasil e ao seu autêntico processo de integração.

O impacto maior dela seria apenas político-ideológico, por representar simbolicamente uma aposta estratégica e incondicional no livre-cambismo, como solução mágica para os problemas econômicos e sociais da região. Com a crise do capitalismo desregulado, essa pauta já deveria estar definitivamente enterrada, mas, como a fênix, ela ressurge teimosamente das suas próprias cinzas para enganar os incautos.

Relativamente a esse assunto, é interessante confrontar a experiência recente do México com a do Brasil.

O México, além de aderir ao acordo inteiramente assimétrico do Nafta, já em 1992, firmou nada menos que 32 acordos de livre comércio. Trata-se do país campeão em livre comércio, o que mais celebrou acordos desse tipo em todo o mundo.

Se os teóricos do livre-cambismo estivessem certos, o México seria a economia mais dinâmica e inovadora do mundo. Contudo, os resultados efetivos são, para dizer o mínimo, duvidosos.

Após um período inicial de euforia com os novos investimentos norte-americanos e com o grande aumento do seu comércio internacional, principalmente com a criação de empresas “maquiladoras” na fronteira com os EUA, os inevitáveis efeitos negativos da integração tão assimétrica com a maior economia do planeta se tornaram cada vez mais evidentes.

No campo industrial, houve grande esfacelamento da estrutura produtiva nacional. Muitas empresas mexicanas não conseguiram sobreviver à concorrência da produção industrial dos EUA. E as que conseguiram foram, em boa parte, compradas a baixos preços por grupos econômicos norte-americanos. Isso aconteceu de modo especialmente intenso na outrora pujante indústria têxtil mexicana, que passou a orbitar a cadeia produtiva dos EUA.

Na área agrícola, houve a geração de notável insegurança alimentar. O México, que era exportador de grãos, no período pré-Nafta, passou a importá-los dos EUA em sua quase de totalidade. Tal processo de destruição das culturas agrícolas se deu inclusive no que tange ao milho, base da alimentação e culinária mexicanas. Hoje em dia, o milho utilizado no México é quase todo colhido nos EUA, que subsidia fortemente a sua produção. Embora a agricultura mais moderna e irrigada tenha sobrevivido, a agricultura familiar foi muito afetada.

Houve ainda a fragilização da proteção jurídica ao meio ambiente e a precarização das relações trabalhistas, em virtude dos privilégios concedidos aos investidores norte-americanos, no capítulo sobre investimentos do Nafta.

A consequência mais relevante foi, contudo, o aumento das desigualdades regionais e sociais no México. Houve poucos “ganhadores” mexicanos com a integração aos EUA e com os demais acordos de livre comércio, concentrados principalmente no Norte do país.

As demais regiões, principalmente a região Sul do México, e a grande massa dos trabalhadores urbanos e rurais mexicanos não se beneficiaram na mesma medida, como se esperava. Na realidade, ocorreu significativo incremento das assimetrias regionais e sociais, impulsionado pelos efeitos econômicos desagregadores e destruidores da integração aos EUA.

Um estudo feito pelo Banco Mundial, em 2007, intitulado “Lessons from Nafta for Latin America and the Caribbean Countries: A Summary of Research Findings” (Lições do Nafta para os países da América Latina e do Caribe: resumo das conclusões da pesquisa), mostrou cabalmente que os efeitos da inserção internacional do México, ao longo do Nafta, foram significativamente regressivos.

A economia mexicana tornou-se ainda mais dependente da economia dos EUA, dependência que não foi revertida com assinatura dos demais acordos de livre comércio. Com a crise mundial, que afetou profundamente a economia norte-americana, o México praticamente não cresceu em 2008. E em 2009 seu PIB caiu quase 7%.

Nos primeiros dez anos deste século, o PIB per capita (PPP) do México cresceu apenas 12%, bem abaixo que o do Brasil (28%). Na realidade, o México só superou, nesse cômputo, a frágil Guatemala, o país que menos cresceu em toda a América Latina, com base nesse parâmetro específico. O recente crescimento do México, obtido graças, essencialmente, ao afluxo de capitais especulativos, não muda esse quadro estrutural.

Quanto aos imensos investimentos que o México esperava receber, em razão de suas concessões incondicionais ao livre-comércio, eles se dirigiram em volume incomensuravelmente maior para a China, uma economia bastante “estatizada”, porém extremamente dinâmica.

No que se refere à inovação tecnológica, o México, como reconhece a própria Academia Mexicana de Ciências (AMC), é um dos países mais atrasados do mundo. Para se ter uma ideia, as universidades chinesas conseguiram, em 2011, o reconhecimento de cerca de 35 mil patentes. As universidades mexicanas requereram apenas 70 e, desse total, somente 35 foram reconhecidas. Para quem pensava que a abertura da economia levaria automaticamente ao desenvolvimento tecnológico, o México é um gritante contraexemplo. Maquiladoras não geram inovação.

No Brasil, em contraste, a estratégia de inserção econômica no cenário mundial produziu resultados altamente progressivos. De fato, o Brasil adotou uma estratégia de inserção inversa à do México e de outros países da região.

A partir do governo Lula, o país rejeitou claramente a proposta da Alca ampla norte-americana, que continha cláusulas idênticas às do Nafta, e apostou na integração regional, via Mercosul e Unasul, na grande diversificação de suas parcerias estratégicas, especialmente com os demais BRICs, e na articulação geopolítica Sul-Sul, sem descuidar, porém, de suas boas relações com os países mais desenvolvidos.

O grande aumento das exportações e os alentados superávits comerciais que tal estratégia proporcionou foram decisivos para reduzir substancialmente a vulnerabilidade externa, zerar a dívida externa brasileira e criar um quadro econômico propício à redução das taxas de juros e à retomada do crescimento.

Além disso, tal estratégia aumentou significativamente protagonismo internacional do Brasil e a sua autonomia político-diplomática. O resultado mais eloquente dessa inserção internacional, associada ao modelo de desenvolvimento brasileiro, é o fato de que, no Brasil, a maioria da população foi beneficiada.

Assim, ao contrário do México e de outros países da região, o Brasil é hoje ator mundial de primeira linha, que consegue articular exitosamente os interesses regionais e os anseios dos países em desenvolvimento em todos os foros internacionais relevantes.

Nosso país fez a escolha estratégica acertada e soube aproveitar pragmaticamente as mudanças na ordem geoeconômica mundial, que deslocaram o centro dinâmico da economia internacional para os países emergentes.

Já os países que apostaram na integração assimétrica aos EUA e às demais grandes economias internacionais não colheram, em geral, os frutos apregoados pelo ideário paleoliberal. Pior: tornaram mais vulneráveis à crise mundial, que vem afetando mais intensamente as economias da tríade EUA, União Europeia e Japão.

A tendência é de que os países emergentes continuem a apresentar maior dinamismo, o que recomenda o prosseguimento dessa estratégia exitosa, que transformou o Brasil em um autêntico global player, com uma corrente de comércio bastante diversificada.

A Aliança do Pacífico, o novo modismo do livre-cambismo regional, não passa de uma miragem paleoliberal. Uma mistura de ideologia com fatos mal-assimilados. Uma aliança do factoide.

Dr. Rosinha, médico com especialização em Pediatria, Saúde Pública e Medicina do Trabalho, é deputado federal (PT-PR). No twitter: @DrRosinha

Marcelo Zero, sociólogo, é assessor da bancada do PT no Senado Federal.

Democracia e revolução europeia

A esquerda brasileira deveria se unir em torno de um amplo movimento político e social em defesa de um programa mínimo de resistência democrática ao impasse que a Europa neoliberal está apresentando ao mundo: novos marcos regulatórios para democratizar o acesso à comunicação e garantir o direito à livre circulação da opinião; reforma política e reforma do pacto federativo, principalmente tributário, para reduzir as desigualdades sociais e regionais. Se não avançarmos nesta agenda de resistência, os avanços que tivemos poderão ser revertidos. O artigo é de Tarso Genro.
Tarso Genro (*)

O grande movimento que deverá ser feito pelos oligopólios financeiros globais que tutelam as políticas dos países em crise será, processualmente, transferir os ônus da "recuperação" aos países pobres e aos chamados "emergentes". Não somente através de um desequilíbrio ainda maior, no intercâmbio comercial, mas também desencadeando ondas especulativas sobre as economias que não consigam colocar sob controle sua dívida pública.

Estes oligopólios vão se esmerar - a partir da insegurança generalizada já em curso - em provocar crises de governabilidade instigando, a partir delas, mais uma onda de privatizações, cujos recursos se "esfumarão" rapidamente, como ocorreu aqui no Brasil na era FHC. Ao mesmo tempo irão financiar e incentivar governos tecnocráticos, “choques” de gestão e mais destruição das funções públicas do Estado, como já está ocorrendo em Portugal, na Grécia e na Espanha.

O impasse político gerado pela crise reergueu a Alemanha à condição de potência política de primeira grandeza e ainda não demonstrou todo o seu potencial destrutivo, nem na Europa nem na América Latina. No Brasil, porém, a centro-direita já manifestou que “aceita” o desafio de representar a “saída” desejada pelos credores da dívida pública global. O candidato Aécio Neves colocou na sua agenda a defesa da era FHC, inclusive para sustentar novas privatizações, sinceridade que visa, não só provocar a formação de um bloco neoliberal e conservador, no seu entorno, mas também oferecer o Brasil como território disponível para assimilar aquela transferência da crise.

Trata-se, na Europa, de uma situação aparentemente sem saída, pois as classes trabalhadoras dos países mais atingidos, os setores médios, as empresas endividadas - premidos por uma situação que ameaça o financiamento estatal e os direitos sociais e do “Welfare”- nem conseguem maiorias eleitorais para formar governos de oposição à dogmática neoliberal, nem conseguem constituir um bloco social de caráter contestatório, capaz de por em risco o atual regime do capital. Ou seja: no enfrentamento da crise, nem reforma neo-socialdemocrata, nem revolução social novo tipo, até agora.

Como esta situação de bloqueio às conquistas da socialdemocracia europeia vai interferir na democracia política, com consequências em todo o mundo, ainda não se sabe. Proponho-me, aqui, a levantar algumas hipóteses, para contribuir com o debate sobre a nossa questão democrática, no interior da esquerda que defende a necessidade de governar dentro da ordem democrática e que isso, não só é válido, mas é um “front” elementar para bloquear os avanços da pior direita, que pode levar o mundo a uma nova ordem neofascista.

Entendo que o fato político mais marcante deste período é a subjugação da França pela Alemanha, quebrando as esperanças de um vasto contingente popular de esquerda e de centro-esquerda - algo que vai de Hollande a Mélenchon - que esperava por parte do governo Hollande um processo restaurativo dos direitos e benefícios que vinham sendo sucateados pelo governo Sarkozi, que levou este à derrota eleitoral. Algo de bem significativo -em termos político-eleitorais - apresentou-se naquele cenário, com um crescimento eleitoral expressivo, à direita à esquerda da socialdemocracia tradicional, já demonstrando a emergência de inconformismo radicalizado com os partidos da ordem que se renderam à Alemanha.

Entendo que o presidente Hollande pretendia, por convicção e necessidade política, restaurar o pacto socialdemocrata, esquecendo que ele fora erguido sob pilares sem fundo, o que frustrou as expectativas sobre o seu governo. Nem foram encaminhadas medidas alternativas de longo curso, para organizar um novo modelo de bem-estar que, pelo menos, repartisse os sacrifícios necessários para sair da crise. Sair da crise dentro do regime do capital, diga-se de passagem, pois ninguém com força política real na França estava defendendo, por exemplo, uma nova onda de nacionalizações ou a estatização dos bancos, com ocorreu na era Mitterrand.

Aqui reside, na minha opinião, a questão-chave. O que devemos nos perguntar é se, moldada a União Europeia tal qual foi moldada, Hollande poderia fazer reformas “pela esquerda” sem romper com União. Ou, ainda, sem usar “medidas de exceção” no terreno econômico (como aumentar o déficit público, exigir financiamento para os governos e empresas, não para os bancos privados), para proteger especialmente as pequenas e médias empresas, os empregos, bem como distribuir a proteção social mínima, necessária em momentos agudos de desmantelamento social, como está ocorrendo nos principais países do euro.

O que Hollande não fez a União Europeia fez, pois o que se observou nas saídas engendradas para a crise - por parte das autoridades da União Europeia - foi precisamente a declaração de uma emergência política, com um “estado de exceção” não declarado, para a tomada de decisões. E isso foi feito a partir de um “constitucionalismo de urgência”, no qual as regras gerais da União foram subjugadas por decisões intergovernamentais, bancadas pelo Banco Central Europeu.

Em especial estas medidas foram orientadas pela política nacional alemã, pois, de um só golpe, as medidas de austeridade (de caráter “excepcional”) sequestraram a soberania política dos países em crise e interferiram duramente nos seus orçamentos: “os perdedores, até o momento, neste processo, são os parlamentos, tanto os nacionais, como o Parlamento Europeu.” (Carlos Closa, “El Estado da Unión Europea”, El fracaso de la austeridad, Fundación Alternativas, 2012, pg.24). Resultado: o sequestro da política, que esvaziou o sr. Hollande, foi capitalizado na ação política alemã, sob o comando da sra. Merkell.

Em síntese: a “exceção”, com o nome de “intergovernamentalismo” já começou, comandada pela direita alemã, sem que sejam consideradas as consequências para o projeto democrático europeu e os seus efeitos destrutivos sobre a juventude, os idosos, os aposentados, os trabalhadores do setor público, os precários e intermitentes, os imigrantes e os desempregados. O que farão os cidadãos europeus, quando descobrirem que não adianta mudar governos? Eis a pergunta recentemente lançada pelo professor Boaventura Souza Santos, em artigo memorável.

Sugiro, como agenda para debate, que o impasse europeu poderá desdobrar-se em três possibilidades: 1. as reformas de austeridade são implantadas e forma-se a famosa sociedade dos três terços, como vinha sendo encaminhado aqui no Brasil, pela saudosa aliança tucano-pefelista (um terço incluído e feliz, um terço que come mais ou menos e não se educa e o outro terço nos guetos sociais das periferia, tratados predominantemente pela Polícia); 2. ou as reformas de austeridade se desdobrarão por muito tempo, comandadas por governos tecnocráticos semi-fascistas, com sustentação nas mídias e fortes repressões seletivas contra os imigrantes e miseráveis, com o apoio envergonhado das classes médias (nenhum dos blocos em confronto, nesta hipótese, tem força para impor-se); 3. ou processa-se um novo episódio da revolução social europeia, que se arrasta desde a Comuna de Paris, reinventando-se ali algo como um novo pacto “socialista-social-democrata” -um novo contrato social europeu - para enfrentar a direita alemã (com seus tentáculos tecnocráticos e políticos em todos os países europeus) cuja pior face já vem crescendo no interior da própria Alemanha: o neonazismo. Um bloco que suponha que preservação da democracia só ocorrerá com o sequestro, desta feita, da economia pela política.

Isso tem muito a ver conosco, que a duros custos estamos remando contra a maré: criando empregos, reestruturado o setor público, contratando servidores, investindo incomparavelmente mais em inovação, ciência e tecnologia, fortalecendo o mercado interno ao incluir no consumo milhões de famílias. Mesmo conciliando com o domínio pleno do capital financeiro sobre a economia global - o que inclusive Cuba vem tentando fazer e é impedida pelo bloqueio político e econômico dos Estados Unidos - o Brasil constitui uma ameaça mundial às saídas ofertadas pela dogmática neoliberal, porque mostra que as opções no terreno da política podem fazer frente à visão de que “não existem alternativas.”

É visível, porém, que um certo tipo de desenvolvimento que desafia e se contrapõe às leis de bronze do capital financeiro pode perdurar, com o mesmo bloco de forças que lhe dão sustentação, pelo tempo do cumprimento das tarefas que impulsionaram a sua formação. E que nos próximos cinco anos, certamente, nosso modelo atingirá o apogeu e a sociedade brasileira não será “inteiramente outra”, mas terá uma estrutura de classes e novos sujeitos sociais e políticos novos.

Milhões de pessoas estarão no mundo da política, dos negócios, dos movimentos sociais, na intelectualidade acadêmica, à frente das técnicas de indústria e da inteligência, indiferentes à memória política do processo de mudanças que o país sofreu. A partir daí os desafios serão outros, mais complexos e difíceis de resolver dentro do sistema político atual, com a fragmentação federativa ainda mais exposta e com um sistema tributário que funcionará de forma mais arcaica do que nos dias de hoje.

O difícil sistema de alianças que trouxe o Brasil até hoje dá sinais de cansaço, não porque os políticos são vilões ou corrompidos, até porque a taxa de vilania e corrupção, em cada época, é mais ou menos a mesma. Ela adquire é tinturas diferentes, desperta interesse ou alimenta indiferença na grande mídia, segundo seus interesses conjunturais (onde estão as cobranças para o julgamento do mensalão mineiro?). Os processos de corrupção no Estado, é elementar, são dependentes das formas pelas quais se realiza a acumulação de capital e como esta reflete inclusive no financiamento das mídias, com as suas regras “morais” mais, ou menos rígidas. Na era do capitalismo financeiro global os multimilionários esquemas de corrupção se transladaram das relações da burguesia industrial com Estado, para as relações diretas da burguesia financeira com o Estado.

O sistema de alianças dá sinais de cansaço, porque as mudanças no sistema tributário, a fragmentação federativa e a necessidade da reforma política, despertam reações diferentes nos distintos grupos de classes e nas diferentes regiões do país. Esta fadiga dos metais imobiliza as bases parlamentares, proporcionando que grupos de parlamentares troquem de posições em cada tema, sem nexo com as suas bancadas e com os seus compromissos de fidelidade ao governo ou à plataforma oposicionista.

Enquanto na Europa o tecido político dominante cumpre o seu papel de transmissor do programa do Banco Central Europeu, no Brasil este mesmo tecido fragmenta-se porque não mais corresponde aos desafios políticos que os partidos devem enfrentar, em nome das suas bases sociais e regionais: enfrentá-los para o país completar seu ciclo de mudanças, capazes de nos integrar no mundo, no polo de resistência a um neoliberalismo agônico, mas, por isso mesmo, mais capaz de radicalizar os ataques à democracia, para destruir as conquistas históricas do conjunto das classes trabalhadoras no século passado.

Creio que a esquerda brasileira - parlamentar ou extra-parlamentar - socialista, comunista, socialdemocrata, ou simplesmente republicano-democrática - deveria se unir em torno de um amplo movimento político e social para preparar um calendário de lutas, com um programa mínimo muito simples, de resistência democrática ao impasse que a Europa neoliberal está apresentando ao mundo: novos marcos regulatórios para democratizar o acesso à comunicação e garantir o direito à livre circulação da opinião; reforma política, no mínimo para acabar com o financiamento privado nas eleições e valorizar os partidos através da votação em lista; reforma do pacto federativo, principalmente tributário, para reduzir drasticamente as desigualdades sociais e regionais.

Estou tentado a pensar que se não conseguirmos avançar, nos anos imediatos, nesta agenda democrática de resistência, os avanços que tivemos até agora poderão ser revertidos, porque sabemos muito bem: o nosso centro do espectro político não é majoritariamente programático, mas vincula-se a um complexo de conveniências, que não raro lhe aproximam da pior direita, tanto neoliberal, como autoritária.

(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul.

segunda-feira, maio 27, 2013

Entrevista com Luiz Gonzaga Belluzzo

Autor: RICARDO LEOPOLDO - O Estado de S.Paulo
'Não dá para buscar solução de curto prazo'Economista diz que País está numa situação difícil por causa da valorização do real, mas não dá para mexer no câmbio agora

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo diz que o Brasil está preso a um "trilema": administrar ao mesmo tempo a inflação, o mau desempenho da indústria e a dívida pública. Em entrevista ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, Belluzzo diz que não será possível escapar do "trilema" enquanto os investimentos em infraestrutura e na exploração do pré-sal não amadurecerem.

A origem do problema, segundo o ex-secretário de Política Econômica do governo Sarney (entre 1985 e 1987), está na valorização do real. Para Belluzzo, o câmbio está apreciado há 30 anos. E, por causa dos efeitos da valorização da moeda, o governo é forçado a adotar políticas em aparente descompasso.

Ao mesmo tempo em que tem uma política fiscal expansionista, com aumento de gastos públicos para manter o ritmo da economia, também adota uma política monetária contracionista, com alta dos juros para conter a inflação.

Embora ressalte que a alta da taxa básica de juros (Selic) vai afetar o crescimento econômico, Belluzzo defende a atuação do Banco Central e diz que a autoridade monetária não será condescendente com a inflação.

Para Belluzzo, o câmbio está fora do lugar e deveria ter uma cotação ao redor de R$ 2,5, mas diz que não é possível implementar uma correção agora, por causa das pressões sobre a inflação. Ele espera que neste ano a inflação fique entre 5,6% e 5,9%, com a economia crescendo de 2,5% a 3%, na melhor das hipóteses.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

O governo não vai entregar a meta do superávit primário de 3,1% do PIB neste ano, pois o resultado ficará em 2,3% do PIB. O aumento da força fiscal não causa pressão adicional sobre a inflação, que já está alta?

Em princípio, a ideia do superávit primário tem o foco de manter a dívida pública numa trajetória razoável. Temos uma situação complexa no Brasil, pois a indústria está com desempenho ruim, a economia cresce pouco, tem um déficit de transações correntes que está crescendo, deve ficar próximo a 3% do PIB neste ano, e um mercado de trabalho apertado. Além disso, apresenta pressões inflacionárias, especialmente em alguns setores, como serviços. Mas o que aconteceu nos últimos 30 anos com a indústria brasileira? Ela foi afetada seriamente por uma política cambial que não impediu a derrocada do setor manufatureiro nacional.


Mas como fica a coordenação da gestão da economia, se as políticas fiscal e monetária estão em direções opostas?

Quando o Banco Central vai numa direção e a política fiscal vai na outra há duas forças contraditórias. Há um descompasso entre a política monetária e fiscal. Se aumenta muito rapidamente a taxa de juros - não acho que esse seja o objetivo do Banco Central - isso vai introduzir um outro fator negativo à dinâmica da dívida pública e ao crescimento do País. Mas na raiz disso há questões estruturais que tem a ver com uma economia que conseguiu melhorar na década de 2000 por uma condição externa muito favorável. Contudo, essa situação internacional se tornou menos positiva nos últimos anos. No curto prazo, os preços de commodities não vão subir mais como ocorreu na década passada e que facilitou o ajuste no balanço de pagamentos. Agora, as consequências da taxa de câmbio valorizada por muitos anos começam a se manifestar. Então, estamos numa situação complicada mesmo. Não adianta buscar soluções de curto prazo. É preciso tratar isso com muito jeito.


Qual a avaliação do sr. sobre a inflação e o PIB para este ano?


A inflação teve uma pequena evolução no IPCA-15 de maio, que subiu 0,46%, depois de ter avançado 0,51% em abril. A inflação deve ficar entre 5,6% e 5,9% neste ano. Por outro lado, há um desempenho muito ruim da indústria e talvez o crescimento do PIB deve atingir de 2,5% a 3%, numa projeção otimista.

Quando vai acabar a fase difícil da indústria brasileira, que apresenta resultados fracos há alguns anos?

A indústria no Brasil tem um problema de desequilíbrio profundo. Com o aumento da demanda, como ocorre neste ano, melhora o nível de atividade e a indústria perde para as importações. Isso é uma coisa que foi construída nos últimos 30 anos. A situação da indústria brasileira é muito mais séria e suas consequências mais graves só vão aparecer em 10 anos. A menos que tenhamos alguma outra forma de contrabalançar essa tendência. Talvez possam ser utilizados os projetos de investimentos em infraestrutura e os relacionados ao pré-sal, mas antes que disso entre em operação a economia vai ficar prisioneira desse "trilema": administração da dívida pública, inflação e mal desempenho da indústria.


O Banco Central tornou mais duro seu discurso desde a divulgação da ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de abril. Será que o Copom vai alterar o ritmo do aperto monetário na próxima semana?


O Banco Central tem sido prudente e cauteloso, pois tem que calibrar a política monetária. O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, é suficientemente informado e qualificado para saber que há uma restrição: a tigrada que defende sempre a alta dos juros critica quando se faz qualquer coisa que não está no catecismo dela.

Caso o Banco Central altere o ritmo da taxa de juros na próxima quarta-feira, qual seria a mensagem que o Banco Central pretenderia passar para a sociedade?

O Banco Central estaria reagindo a uma interpretação que ele tem da expansão fiscal. Eu não acho que a redução do superávit primário tenha a ver com uma tremenda pressão sobre a demanda, mas está muito mais relacionada com o aumento da dívida pública. Mas é preciso destacar que não dá para ser condescendente com a inflação. E o discurso do Banco Central mostra que não terá nenhuma condescendência. Contudo, no passado o Banco Central usou abusivamente do câmbio para combater a inflação. Esse foi o maior erro de política econômica já cometido no Brasil. Fora o endividamento externo maluco dos anos 1970, a valorização cambial adotada por Mário Henrique Simonsen quando foi ministro da Fazenda, que depois foi repetida nos primeiros quatro anos do Plano Real, quando o juro real atingiu 22% ao ano. E a valorização do câmbio também foi adotada pelo governo Lula a partir de 2003. O Brasil não pode abrir mão de jeito nenhum do superávit primário, muito mais por causa das expectativas dos formadores de preços. O ideal seria termos um superávit primário maior e uma taxa de juros menor.

Com o câmbio num patamar menos apreciado?

Exato. O câmbio efetivo hoje está ao redor de 30% apreciado ante junho de 1994, como aponta o Banco Central. Mas não é possível mexer nele agora por causa de pressões de alta da inflação. O Brasil está prisioneiro dos erros crassos do passado.

É por isso que o sr. avalia que o câmbio deveria estar num patamar próximo de R$ 2,50, caso a inflação permitisse?

Isso mesmo. Mas como o câmbio está muito apreciado vamos ter que carregar esse fardo por muito tempo.

O Brasil está numa transição de modelo de desenvolvimento, de pleno consumo, para aumento dos investimentos. Essa transição leva quanto tempo, 2 a 3 anos?

Leva mais tempo. Essa transição é complicada e leva tempo para se consolidar. Eu espero que ela não sofra um recuo. Pois o País não vai para frente se voltar às políticas insuficientes dos anos 1990, com um foco muito forte no consumo, baseada também em condições excepcionais externas. Se voltar atrás, o Brasil não vai voltar à cena do crescimento mais estável. Há um esforço do governo para fazer essa transição, mas ela é um pouco dolorosa. O País não tem investimento razoável em infraestrutura há mais ou menos 30 anos.

Por que a Suécia está em chamas

Sete anos de governos de direita desfizeram sonho de país justo e aberto. Desigualdade e violência policial crescentes atiçaram revolta dos imigrantes

Por Tom Peck, no The Independent | Tradução: Vila Vudu

A partir do instante em que Henrik Sedin controlou o puck, ainda bem atrás no próprio meio-campo, começou uma noite terrível em Estocolmo. Faltava pouco para as 22h, domingo passado, quando o time de superstars milionários conseguiu enfiar o puck no fundo da rede vazia do adversário: 5-1. Pela primeira vez em sete anos, e em casa, frente à própria torcida, a equipe sueca era campeã mundial de hóquei sobre o gelo.

O Ericsson Dome, na parte sul da cidade, foi ao delírio. Nos pubs irlandeses, nos elegantes quarteirões de Södermalm, rolaram rios de pints de cerveja Guinness.

Mas em Husby, subúrbio no norte da cidade, distante do centro, região superpopulosa onde vivem imigrantes, começava uma conflagração, em tudo diferente do que se via entre os suecos brancos ricos. Um shopping centre foi vandalizado e uma garagem incendiada, o que causou a evacuação dos moradores de um bloco de apartamentos. Quando a polícia chegou, foi recebida a pedradas por mascarados; dois policiais foram feridos. Num vídeo que chocou o país, um terceiro policial caído aparece sendo espancado e chutado; os agressores chutaram também a pistola que se vê no coldre do policial.

Quando o dia clareou, havia mais de cem carros incendiados; e quando os jogadores campeões erguiam a taça, em confraternização com o rei Carl XVI Gustaf no Kungsträdgården, à vista de 20 mil fãs, a Suécia já entrara na primeira manhã dos piores tumultos urbanos de toda a moderna história do país, que continuam.

Centenas de carros e dúzias de prédios foram incendiados, e há mais de 100 presos. Imagens dos policiais feridos e prédios em chamas, na rica, pacífica e igualitária Suécia, surpreenderam o mundo. Mas, para outros muitos, não foi surpresa. Há anos os sindicatos, trabalhadores dos serviços sociais, cientistas políticos, rappers, em confronto com número crescente de extremistas de direita, já contam o Conto das Duas Estocolmos – duas sociedades que coexistem numa mesma cidade dividida e não integrada. Mas nunca se vira oposição e contraste tão declarados quanto naquela primeira noite de fogo nas periferias, que sitiaram a festa do hóquei-sobre-o-gelo do centro.

Para quem estave em Londres há dois anos, os tumultos em Estocolmo são assustadoramente familiares. Há duas semanas, começaram a circular notícias da morte de um imigrante português, 68 anos, atacado pela polícia dentro do apartamento onde morava em Husby, depois levado ao hospital, onde morreu. Ele teria sequestrado uma mulher, refém no apartamento, e teria recebidos os policiais com um cutelo de açougueiro na mão.

Mas Megafonen, grupo que milita por mudanças sociais nos subúrbios de Estocolmo publicou fotos de um saco do tipo que a Polícia usa para remoção de cadáveres sendo retirado do mesmo apartamento, num carro que parte em seguida. Não uma ambulância: um carro. Mais tarde se soube que a dita “refém” era, de fato, o cadáver da mulher do imigrante português, de 30 anos. Segundo seu cunhado, o homem tinha na mão uma faca de cozinha, não um cutelo de açougueiro; e que tentava defender-se contra uma gangue de mascarados que dias antes perseguira ele e sua mulher. Quando a Polícia bateu à porta do apartamento, a mulher contara ao cunhado, o marido supôs que fossem os mascarados da gangue que os seguia; gritou para assustá-los, talvez um pouco assustadoramente demais; e foi morto a tiros pela polícia.

Ativistas de esquerda, alvo preferencial, hoje, da Polícia sueca, que os acusa de insuflar os tumultos de rua, dizem que quando essa versão dos eventos chegou aos subúrbios, ajudou a incendiar quatro anos de ressentimento contra a brutalidade policial – queixa já antiga e muito repetida nos subúrbios, onde já praticamente não se veem suecos brancos – e contra o desemprego alto e crescente, a sempre crescente desigualdade, a falta de oportunidades para todos.

Mas, dessa vez, os tumultos espalharam-se pela cidade, também para os subúrbios a oeste e ao sul de Estocolmo e para outras cidades – Malmö, Gothenburg, Örebro – onde escolas, restaurantes e delegacias de Polícia foram incendiadas. É difícil determinar as motivações originais. Mas, o que quer que fosse, na origem, o movimento já está hoje invadido por gangues de rua, pequenos delinquentes, ou grupos de mascarados que, simplesmente, tomaram conta dos bairros mais pobres. Parece que há algo de podre no estado sueco.

A escala dos tumultos não se compara ao que se viu em Paris em 2005 ou em Londres há dois anos, onde aconteceram em áreas distantes do centro das capitais. Na Suécia não houve mortos e houve baixo número de feridos. O pequeno subúrbio de Husby é local agradável de viver, construído para suecos ricos – que já não vivem ali. Nem de longe se parece com o conjunto habitacional Broadwater Farm, de Tottenham, marco zero dos tumultos em Londres.

Hoje, 80% dos que vivem em Husby, Estocolmo, são imigrantes, a maior parte dos quais ali chegaram como refugiados, escapados dos mais diferentes cantos do mundo em guerra – Iraque, Irã, Afeganistão, Somália, Curdistão e, mais recentemente, da Síria – atraídos pela propagada hospitalidade com que os suecos recebem refugiados. Mas o desemprego entre os jovens é alto, pelo menos para os padrões suecos: 6%.

“Estão dizendo que é por causa daquele homem que foi morto” – disse Sadiya, 13 anos, somaliana, que faz um curso de arte e artesanato no centro de Husby. “Acho que querem chamar a atenção da Polícia. O pessoal que está fazendo essas coisas é pouco mais velho que eu. Por que se preocupariam com o desemprego? São crianças.”

Na parte externa do centro onde são dados os cursos, durante o dia, mesmo no auge dos tumultos, a vida prosseguiu praticamente normal. As floristas continuaram a vender suas flores, fileiras de pequenos vasos plantados, alinhados na parte externa da loja. Os prédios de apartamentos, todos de média altura, têm jardins externos, bem cuidados. Mas todos os vidros da estação do metrô estão quebrados. As paredes que protegiam um telefone público foram destruídas. Restou o telefone, preso a um poste, no centro do que parece ser uma piscina de vidros quebrados. Na rua, um ônibus articulado foi explodido e incendiado. Há fragmentos de metal e vidro por todos os lados. Os carros incendiados já foram diligentemente removidos pelas autoridades, mas a coisa aqui parece grande demais. Uma colega de Sadiya, Sagal, diz que ninguém ali consegue dormir já há três noites.

Todas as crianças que assistem às aulas, cerca de 25, nasceram na Suécia, mas só uma é filha de pais suecos. Todas as demais são filhas de pais africanos do leste ou do meio-leste da África.

“É difícil para nós” – diz Ann-Sofie Ericson, diretora da Escola de Artes da Cidade de Estocolmo que supervisiona a área. – “19% de nossas crianças abandonam a escola a cada ano. Vivo a 15 minutos de carro daqui. Meus vizinhos são iraquianos. Quando as pessoas chegam, vêm para bairros como Husby. Alguns arranjarão emprego, educação, depois se mudam. Alguns não conseguem sair.”

Quase não há pobreza absoluta, mas não é a pobreza absoluta que alimenta os tumultos e levantes urbanos. A sociedade sueca, afamada por ser igualitária, com oferta excepcional de bem-estar para todos, foi construída por 40 anos de governo da democracia social , dos anos 1930s aos anos 1970s. Mas umcrash econômico no início dos anos 90s, e o governo de centro-direita que está no poder desde 2006 impuseram inúmeras restrições ao estado de bem-estar, apesar das condições econômicas relativamente benignas.

Estudo recente da OECD revelou que a Suécia tem o mais rápido crescimento da desigualdade dos 34 países do grupo – e surpreendeu muita gente. Por isso, foi muitíssimo citado ao longo da semana que passou.

Como vários lembraram, os tumultos urbanos em Londres brotaram ao final de 30 anos de economia neoliberal de linha Thatcherita e da “Terceira Via” – com furiosa desregulamentação das finanças justificada pela ideia de que pouco importava aumentar a desigualdade social, se as condições dos mais ricos continuassem a melhorar.

O que se vê na Suécia é que a desigualdade crescente está gerando indignação e fúria também crescentes.

Em Husby, quando cai a noite – que em maio dura pouco mais de quatro horas –, grupos de jovens reúnem-se no centro, todos usando calças e camisetas largas. “Acho que tenho até sorte, por estar na Europa” – diz Baraar Mohamed, filho de somalianos, 15 anos, cujos pais garantem que não jogou pedras nem incendiou coisa alguma. – “Comparado ao pessoal na Somália, talvez seja sorte. Mas não fiz nada, nem ando com eles, e vivo aqui, e tenho de conviver com a brutalidade da Polícia, e não tenho a mesma sorte que outros suecos da minha idade. Eu sou sueco. Sou sueco.”

Ken Ring, rapper sueco de origem queniana, que cresceu e ainda vive no subúrbio de Valingby, onde grupos de jovens apedrejaram vagões do metrô e incendiaram carros na 5ª-feira à noite, concorda.

“Nunca estive em lugar algum, do mundo, onde as pessoas saibam o que é a realidade de viver na Suécia” – diz ele. “Quando veem fotos dos nossos subúrbios, dizem ‘não, não é Estocolmo. Deve ser Londres, Marselha.’ Estocolmo é hoje uma loucura…”

Hoje com 34 anos, Ring foi nome bastante conhecido nos anos 90s, quando foi preso depois de gravar umrap em que falava de invadir o Castelo Real e estuprar a princesa Madeleine, 3ª na linha de sucessão ao trono, e que se casaria em duas semanas. Por causa do casamento, havia mobilização policial extra. Mas, depois, se reabilitou. “Onde moro vejo crianças de 14, 15 anos usando heroína. Tenho um filho de 12. Há dois anos, outra criança apontou uma arma para a cabeça do meu filho e disse ‘olhe só, você, assim, fica mais fraco que eu’. É a Suécia hoje. E não era para ser assim.”

Não era. O herói do dia, surgido dos tumultos de rua, é um bombeiro, Mattias Lassen, atingido por pedradas quando tentava apagar o fogo em casas próximas de Husby, e que, depois, publicou uma carta aberta aos que o apedrejaram, pelo Facebook.

“Podem me chamar, se seu pai bater o carro e precisar de ajuda. Posso ajudar sua irmã, se a cozinha dela pegar fogo. E nado na água gelada, para salvar seu irmão pequeno, se ele cair do bote” – escreveu ele. – Também posso ajudar sua avó, se ela tiver um infarto. E posso até ajudar VOCÊ, se acontecer de você pisar em gelo fino no lago, num ensolarado dia de março.”

A maré de insatisfação cresce dos dois lados. Nas eleições gerais de 2010, o Partido Sueco Democrático – que faz campanha contra os imigrantes, regularmente descrito como partido de extrema direita, ultrapassou pela primeira vez a cláusula de barreira dos 4% de votos. Elegeu 20 deputados, para o Parlamento, de 349 cadeiras.

Na 6ª-feira à noite, com número extra de policiais nas ruas de Estocolmo, onde as coisas estavam comparativamente mais calmas, graves tumultos irromperam em Örebro, a quase 200 quilômetros a leste da capital; e em Tumba, no sul do país. Pela primeira vez, grupos de ‘vigilantes’ de extrema direita tomaram as ruas, depois de postarem fotos de membros do grupo, com rostos mascarados. Em Tumba, a Polícia prendeu 18 deles. A Polícia também está à caça de “uma pequena claque de agitadores profissionais de esquerda”, acusados de estarem viajando de cidade em cidade, usando carros particulares, disseminando táticas que conhecem bem, como destruir calçadas para soltar as pedras, e provocando agitação por onde passam.

A grande maioria dos presos durante os primeiros dias de tumultos de rua já foram libertados. O primeiro a comparecer ante o juiz foi um arrependido e trêmulo jovem de 18 anos. “Nunca deveria ter-me juntado a eles” – disse ele. – “Queria ser bombeiro. Agora, acho que nunca conseguirei.”

Ontem, em Åkersberga, 60 quilômetros ao norte do centro de Estocolmo, ainda havia incêndios de carros à luz do dia, com a Polícia perseguindo grupos suspeitos, em helicópteros. Ken Ring, embora condene firmemente a violência geral, ainda tem esperanças. “Essas coisas ajudam a chamar a atenção. Os jornais falam, as televisões mostram. O governo não poderá deixar de ver o que está acontecendo.”

Depois que acabarem os incêndios provocados, com os ativistas de esquerda, os extremistas da direita fascista e os imigrados irados já julgados em tribunais justos, talvez, então, sim, o mundo perceba o que muitos suecos já perceberam: desde os anos neoliberais, as coisas na Suécia já não são o que parecem.

Bolsa Família é sucesso mundial e dados calam pessimistas de plantão

Do PT na Câmara

Elogiado por órgãos como a ONU, Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional, o Bolsa Família é um sucesso internacional. Foi adotado no México, Venezuela, Bolívia, Peru, Equador, dentre outros países da América Latina. Recomendado pela ONU, foi levado para a África do Sul, Gana e Egito, no continente africano; e para a Turquia, Paquistão, Bangladesh e Indonésia, na Ásia.

Segundo o jornal Le Monde “o programa Bolsa Família amplia, sobretudo, o acesso à educação, a qual representa a melhor arma, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, contra a pobreza”.

Mesmo assim, não é difícil encontrar os “especialistas em pessimismo” que insistem em reproduzir o falso argumento de que o programa é uma “bolsa esmola”. Nada mais distante da realidade. Dados oficiais revelam que 70% dos beneficiários adultos são trabalhadores e os estudantes que participam do programa possuem média de aprovação quase 5% maior que a média nacional, que é de 75%, além de ter um índice menor de abandono dos estudos: 7,2% entre os alunos do Bolsa Família, contra 10,8% da média nacional.

Vale ressaltar também que 1,6 milhão de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família deixaram espontaneamente o programa. É o caso de Leila Cardoso que abriu mão do Bolsa Família e está na faculdade e Jucelaine Lopes que fez curso técnico e hoje é soldadora na P55, da Petrobras. Os exemplos estão em vídeo produzido pelo ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

“Esses dados evidenciam que o Bolsa Família transformou-se em uma política pública, não mais de governo, mas de Estado. É um programa vitorioso que ninguém tira mais. Trata-se de uma renda complementar que faz com que nossas crianças tenham acompanhamento em saúde, frequentem a escola e tenham oportunidade de acesso aos institutos federais, ao Pronatec e até mesmo às universidades”, afirmou o líder do PT na Câmara, deputado José Guimarães (CE).

A avaliação do líder petista é reforçada pelo fato de 36 milhões de pessoas terem superado a pobreza e 40 milhões ascenderem para classes sociais mais elevadas. A taxa de analfabetismo e frequência na escola caiu drasticamente, bem como a mortalidade infantil. Um estudo recém-publicado pela revista The Lancet, no Reino Unido, diz que o programa ajudou a reduzir em 17% a taxa de mortalidade entre crianças menores de cinco anos.

"O Bolsa Família tirou 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza e está salvando a vida de nossas crianças. Os critérios de condicionalidade garantem que o programa não seja simplesmente assistencialista, mas que dê suporte à execução de todos as outras metas da assistência social no Brasil", reforçou a deputada Margarida Salomão (PT-MG).

Entre as condições impostas pelo governo às famílias para inclusão no Bolsa Família estão: o comparecimento às consultas de pré-natal para as gestantes; manter em dia o cartão de vacinação das crianças de 0 a 6 anos e garantir frequência mínima de 85% na escola, para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos.

Bolsa Família acelera redução de mortalidade infantil, aponta estudo

Estudo inédito aponta que a contribuição do programa de transferência de renda na queda do índice de mortalidade de crianças de até 5 anos chegou a 17%. Resultado do trabalho é tema de seminário nesta quinta-feira (23).

Um estudo inédito, publicado na edição de maio da revista inglesa The Lancet, revela que o Programa Bolsa Família teve contribuição decisiva para a queda da mortalidade de crianças menores de 5 anos, de 2004 a 2009. Segundo os pesquisadores brasileiros que fizeram o trabalho, a redução da mortalidade infantil nas cidades averiguadas chegou a 17% com o programa de transferência de renda.

O estudo foi debatido nesta quinta-feira (23) durante seminário na Escola Nacional de Administração Pública (Enap). A ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, e o ministro interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Néri, participaram do evento. O evento foi organizado pelo Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Realizado em 2.853 municípios brasileiros, o estudo apontou que a ação direta do Bolsa Família na queda da mortalidade de crianças foi ainda maior quando a causa está relacionada à segurança alimentar. Ou seja, o programa foi responsável direto pela diminuição de 65% das mortes causadas por desnutrição e por 53% dos óbitos causados por diarreia.

De acordo com o pesquisador Maurício Lima Barreto, coordenador do Instituto Nacional de Ciência, Inovação e Tecnologia em Saúde da Bahia (INCT-Citecs), que liderou o grupo de estudo, “os resultados fornecem evidências de que programas de transferência condicional de renda como o Bolsa Família, juntamente com uma estratégia de atenção básica eficaz, podem fortemente reduzir a mortalidade na infância, em particular por causas relacionadas à pobreza”.

O estudo que trata dos Efeitos dos programas de transferência condicional de renda na mortalidade infantil: uma análise dos municípios brasileiros ganhou destaque com a publicação na revista especializada The Lancet. Além de Lima Barreto, outros quatro pesquisadores brasileiros integraram o grupo de trabalho: Davide Rasella, Rosana Aquino, Carlos A. T. Santos e Rômulo Paes de Sousa.

A pesquisa mostra também como o Bolsa Família contribuiu para a diminuição de mortes de crianças causadas por infecções respiratórias, ação relacionada às condicionalidades do programa. “O Bolsa Família tem o efeito de pressionar as famílias para que busquem atendimento na rede de saúde”, assinala Lima Barreto.

Conforme os resultados do levantamento, em munícipios com cobertura consolidada do Bolsa Família (atingindo quase 100% do público-alvo por mais de quatro anos), a mortalidade de crianças de até 5 anos, causada por infecções nas vias respiratórias, foi 20% menor que em cidades com cobertura baixa do programa (até 17%).

Dentro do período pesquisado, o Brasil saiu de uma taxa de mortalidade infantil de 21,7 mortes em cada mil nascidos, em 2004, para 17,5 óbitos, em 2009 – uma queda de 19,4%, sempre considerando os quase 3 mil municípios pesquisados. Por causa específica, a queda se acentua no número de mortes por desnutrição e doenças diarreicas – respectivamente de 58,2% e 46,3%.

Os dados da pesquisa revelam que os índices de queda são mais relevantes em municípios com maior cobertura do Bolsa Família. Nas cidades com cobertura quase total do público-alvo, acentua Lima Barreto, “é possível dizer que em cada 10 crianças que seriam vítimas da desnutrição, seis sobreviveram devido às ações do programa”. O estudo, acrescenta, está de acordo com a hipótese de que o Bolsa Família melhorou as condições nutricionais de seus beneficiários.

Lima Barreto ressalta o ineditismo do estudo e diz que uma única pesquisa anterior, no México, analisou o impacto de programas de transferência de renda na redução da mortalidade infantil, com foco na população rural. Os pesquisadores analisaram dados de 51% de municípios brasileiros por considerarem que seria preciso uma base de dados completa para cada uma das cidades pesquisadas.

A análise teve reflexos ainda nos efeitos do Bolsa Família em articulação com as ações do Programa Saúde da Família (PSF). Em 2009, o Bolsa Família tinha cobertura de 28,3% dos municípios pesquisados e o PSF cobria 75% dessa mesma população.
(Ascom/MDS)

DEZ MENTIRAS QUE A DIREITA QUER TORNAR VERDADES

Conversa Afiada

Saiu no Blog do saraiva artigo de Juremir Machado da Silva:

A direita brasileira é tão bobinha que faz rir.
Sofisma sem o menor constrangimento.
E ainda cita a frase nazista sobre mentiras que se tornam verdades.
É o que gostaria de fazer.
Não consegue.
Dez mentiras da direita que não emplacam:
1) Capa da Forbes mostra Lula como bilionário.
Era uma montagem rastaquera.
2) Não há liberdade de imprensa na Venezuela.
Os jornais El Nacional e El Universal provam o contrário.
3) Cristina Kirchner quer calar o Clarín.
O Clarín tem mais de 200 concessões de televisão. A lei dos meios, inspirada na lei americana, quer evitar a concentração de mídia.
4) Os dois lados precisam ser investigados pela Comissão da Verdade.
Um lado, o dos que resistiram à ditadura, foi investigado pela justiça militar do regime, submetido a processo, condenado, preso, torturado, morto, exilado.
A história dos processos e condenações dos resistentes está em documentos, livros, depoimentos, relatos, reportagens, etc.
Por que o lado dos resistentes deveria ser condenado duas vezes?
Os torturadores é que nunca foram investigados nem condenados.
5) O Brasil estava à beira do comunismo em 1964.
Trata-se de uma tese sem fundamentação histórica.
6) O bolsa-família torna as pessoas preguiçosas e dependentes.
Um milhão e seiscentos mil beneficiados saíram espontaneamente do sistema.
7) Alunos cotistas não conseguem acompanhar o ritmo dos outros.
A média dos cotistas, numa escala comprimida, é 5.4, a dos não cotistas, 6.0. Uma diferença mínima, estatisticamente irrelevante.
Não havia corrupção no regime militar.
O historiador Carlos Fico e muitos outros mostram o tamanho da corrupção ao longo da ditadura. Só não se podia falar sobre ela nos jornais.
9) Jango foi um presidente fraco.
Jango foi um visionário que se dispôs a antecipar reformas que teriam melhorado tanto o Brasil que os conservadores trataram de derrubá-lo.
10) O Estado mínimo produz o máximo de benefícios e não existe a divisão esquerda/direita.
Paul Krugman, prêmio Nobel de economia, tem surrado os que acham, por ignorância ou ideologia, que a crise de 2008 nada tem a ver com Estado mínimo e com neoliberalismo.
“EXAME – Os defensores do Estado mínimo não estão agora na defensiva?
Paul Krugman – Claramente estão. É preciso muita ginástica intelectual para defender que o livre mercado estabiliza a si mesmo. Muitos economistas até criaram explicações para que as persistentes e elevadas taxas de desemprego não sejam mais consideradas deficiência do mercado. Mas certamente esse não é um ambiente muito amistoso a quem defenda o rigoroso funcionamento do livre mercado.”
A crise de 2008 enterrou essa vulgata de manual do neoliberalismo. A ideia de que não existem mais esquerda e direita é uma ideia de direita.


Em tempo: um dos conspícuos representantes dessa corrente é um historialista – não é História nem Jornalismo – que sentenciou: Jango caiu porque gostava de pernas – de cavalos e de coristas. E ainda se leva a sério …