domingo, março 31, 2013

Sem noção de juros, por Francisco Antonio Doria

Sem noção.

A palavra em inglês é clueless. A gente traduz, sem noção. Título de um filme estrelado por Alicia Silverstone, sobre adolescentes peruinhas californianas. Clueless, sem noção. Mas o melhor exemplo de cluelessness, falta total de semancol, é a frase (talvez apócrifa) atribuída a Maria Antonieta: s'ils n'ont pas de pain, qu'ils mangent des brioches, se não têm pão, comam bolinhos. Assim teria respondido ao ver o povo ululante nos portões de Versailles, pedindo comida. Terminou, a pobre, com a cabeça no fundo do cesto da guilhotina - provavelmente sem compreender, sem nunca entender o que estava acontecendo na França revolucionária. Pobre rainha sem noção.

Ou, um exemplo recente: economistas conservadores pregam um aumento na taxa de juros. Para, entre outras coisas, causar desemprego - e assim, supostamente controlar a inflação. Coisa tipo receitar um câncer como meio eficaz de emagrecimento. Sem noção total.

Sem noção mesmo. Em 1936, quando Keynes intitula seu grande livro, Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, deixa bem claro qual deve ser o objetivo dos economistas: garantir emprego e trabalho, garantir a paz social, a estabilidade social permitindo que todos tenham uma ocupação que lhes garanta o emprego. Juros, moeda, subordinam-se à busca do emprego para todos. Emprego é ganha pão. É, em essência, o que pediam ao rei e à rainha, infeliz casal sem noção, os revolucionários junto às grades de Versailles em 1789. Economia não é teoria da estabilidade monetária; é engenharia que visa o pleno emprego.

A inflação brasileira de agora é setorial, alimentos e algumas commodities. E não é um fenômeno só brasileiro; vem de fora. Juros altos não vão controlá-la, se a alta de preços vem de fora; juros calculados a partir de uma duvidosa conta de metas de inflação. (Falo mais sobre isso abaixo.) Aliás, a grande inflação brasileira do período 1980-1993 parece tambem ter sido importada. Afetava não só o Brasil, afetava muitos dos países do Terceiro Mundo. E cessou em todos os lugares mais ou menos ao mesmo tempo, ao começar a década de 90 do século passado. Nenhum plano econômico estabilizou a moeda brasileira; todos foram iguais, uma reforma monetária e algumas medidas para segurar a demanda e para baratear custos. Por que um teria funcionado, o Plano Real, enquanto todos os outros fracassaram?

Assim como hoje estamos importando a alta de preços mundial, naqueles anos infelizes importamos, e tambem muitos outros países subdesenvolvidos, a inflação que não acontecia no Primeiro Mundo. Nos exportaram a hiperinflação. Exportação maldita que só terminou quando o Primeiro Mundo deu sinais de que estava entrando em recessão.

Tese herética? Sim. Mas apresentei-a num comentário durante a conferência dos economistas da escola austríaca, a Wirth Conference, em setembro de 2012. E ninguem se assustou… Pois vamos completar o argumento com uma heresia final: por que cessou esse fenômeno global? Porque começou o poço da onda longa de Kondratiev, a onda cujo período alcança 70-80 anos. Na verdade, episódios hiperinflacionários parecem coincidir com o começo da depressão na onda longa de Kondratiev: desde o século XVII, com a inflação das tulipas, na Holanda; passando pelos começos do século XVIII, com a inflação de John Law, na França, e a bolha especulativa da Companhia dos Mares do Sul, na Inglaterra; passando pela crise dos assignats, na França ao fim da Revolução; e chegando à inflação alemã dos anos 1920. As crises inflacionárias se resolvem quando a recessão começa. Faz sentido.

E as metas de inflação? Sugiro que se veja o que escrevemos, José Carlos de Assis e eu, em nosso livro, Universo Neoliberal em Desencanto (Civilização Brasileira, 2011).

Francisco Antonio Doria
COPPE/UFRJ, Programa de Engenharia de Produção

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