terça-feira, fevereiro 19, 2013

Historiador conecta desinteresse dos EUA pela América Latina a avanços da região


Por Martín Granovsk


O historiador Erick Langer, diretor do Centro de Estudos Latino-americanos da Universidade de Georgetown, em Washington, comenta vários temas da história continental, como o populismo, a ascensão e as crises do neoliberalismo, as conexões das terras baixas com os Andes e a influência da China e dos EUA.

“Me parece muito interessante que o continente tenha mudado tanto na última década e tenha podido aproveitar, do ponto de vista econômico, uma grande mudança mundial: a maior presença chinesa”, afirma Langer.

Como, na sua opinião, a América Latina se aproveitou do contato com a China?

A China é um rival dos Estados Unidos que requer matérias-primas da América Latina. Isso contribuiu para que a região enfrentasse a crise em melhores condições. Não sem perigos, claro.

Qual será o perigo?

Que a América Latina não intensifique o processo de elaboração de matérias-primas e siga exportando commodities. É um desafio para todos os governos da região, sem exceções. A vantagem é que a partir de 2000 a América Latina em geral, e a América do Sul em particular, se libertou da dependência do modelo neoliberal dos Estados Unidos.

Como esse modelo afetava a região?

Criou um desassossego das classes médias e baixas em termos de distribuição da riqueza. Essa expressão não estava, evidentemente, no Consenso de Washington.

O documento do consenso exortando à desregulação e a desregulamentar a economia é de 1989. Não ficou nada?

Na região? Praticamente nada. É um fator positivo para a região.

Ou seja, o crescimento chinês é um elemento positivo e a queda do Consenso de Washington é outro ponto bom.

E acrescento um fator de peso: os Estados Unidos estão muito preocupados com o Oriente Médio e efetivamente não prestaram muita atenção à América Latina.

Os acadêmicos e os dirigentes políticos discutem sempre se isso é bom ou ruim. Alguns defendem que para a América Latina a situação é melhor quando Washington menos se ocupa dela.

Bom, em matéria política há um tema prático a considerar. Vai soar quase redundante – quando Washington se ocupa menos, a ingerência é menor. A maioria das vezes que os Estados Unidos se voltaram para outros lugares que não América Latina, como na Primeira Guerra Mundial, a região foi favorecida. Não dou o exemplo da Segunda Guerra Mundial porque o fenômeno é muito mais complexo. Mas depois de muitas vezes o problema foi que os governos do continente não foram aliados dos Estados Unidos, mas dependentes de Washington. Não é a mesma coisa. Os Estados Unidos tinham o poder de se impor. De impor, inclusive, um modelo que já não funciona. Barack Obama se deu conta disso, embora seu principal tema não seja a América Latina. E antes dele, George Bush também não estava concentrado na América Latina.

Quer dizer que é bom para a região que não haja uma dedicação especial?

Mas eu investigo a América Latina! Você quer que fique desempregado?

Professor, você compartilha a visão que mostra, do ponto de vista político, várias Américas do Sul situadas em extremos opostos?

Me parece que não há uma divisão tão taxativa porque os processos são muito semelhantes. Tomemos de novo em consideração algumas realidades. Antes os chineses pensavam na América do Sul como Chile, porque os chilenos haviam sido muito efetivos em se vender na China. Quer dizer que, em última instância, não foram tão diferentes como acabaram sendo os outros, não é certo? Na atualidade, a América do Sul tem uma realidade estável. É uma realidade comum. Mas também, com suas diferenças, o protesto é um hábito comum. Há protestos antigovernamentais, para além dos conteúdos, na Argentina, no Chile e no México. E dá a sensação de que às vezes é difícil classificar cada coisa como de direita ou de esquerda.

Você dizia que falar de esquerda ou de direita não esgota uma análise. E a noção de populismo o satisfaz como conceito?

Também não é suficiente. É muito difícil definir o que é populismo. Dito agora é diferente de quando um pesquisador o aplicava nos anos 30 ou 40, uma época muito ligada ao começo das etapas de substituição das importações industriais. Hoje pode haver experiências de substituição, mas a base sempre é a busca de um tipo de relação com a economia mundial. O que se poderia resgatar, e há uma herança muito longa de Juan Manuel de Rosas em diante, é a importância que um chefe político que seja um personagem carismático pode ter. Isto faz com que a política se torne muito personalista. Assim teríamos uma característica populista. De todo modo, a chave é se esse fenômeno transpõem ou não os limites da democracia. Enquanto a oposição possa ganhar (se o faz ou não, é outra questão) está tudo bem. Não falo apenas da Argentina. Acontece em todos os países.

Os opositores têm a mesma característica em todas as partes?

Não. Mas há um elemento comum: a oposição está muito desorganizada em todos os países onde há líderes fortes.

Há líderes fortes porque não há oposição organizada ou há oposição desorganizada pela existência de lideranças fortes?

O populismo tem uma virtude e uma desvantagem: abarca muitas correntes políticas. E essas diferentes correntes se manifestam no líder. A oposição, ao contrário, não tem muitos interesses em comum e então as diversas correntes não se unem.

Que outroa momentoa da América Latina o senhor presenciou, além do retorno de Perón ao governo argentino em 1973?

Fui bolsista da Fullbright em 2000. Fernando de la Rúa era o presidente. Vi a queda, com o “corralito” e o drama social. E depois se deu a extraordinária recuperação econômica que vocês experimentaram. De todo modo, hoje me parece que se deve observar muito a velocidade relativamente menor de crescimento da economia chinesa e avaliar se a América Latina é capaz de saltar para outro modelo que no futuro não a faça depender da venda de matérias-primas. Não sei se você sabe, quando conversam em privado, muitos dirigentes chineses equiparam a América Latina à África.

Em que se baseiam?

Nas perspectivas de utilização econômica. Eles não entendem as enormes diferenças. A América Latina é outro mundo, diferente da África. Mas muitos dirigentes chineses pensam assim.

Por que concordou em criar uma Cátedra Argentina em Georgetown?

O embaixador Jorge Argüello veio e me propôs. Me pareceu bem. Pensamos em estabelecer um espaço acadêmico porque nos parecia que a Argentina é um país sumamente importante da América Latina. A Cátedra Argentina será uma forma construtiva de colocar a Argentina em evidência para que as pessoas de Washington se deem conta da complexidade do país. Para melhorar as relações é necessário melhorar a difusão e o conhecimento. O desconhecimento cria problemas. É um projeto de longo alcance. Essa Cátedra Argentina deve durar muitos anos e não depender da administração política de turno. Por isso necessitamos de recursos. O próprio embaixador me dizia que ele queria que seguisse em frente. O Brasil ganhou um grande espaço em Washington. É lógico. O Brasil está crescendo e tem importância mundial. Mas há países tão importantes como o Brasil e nosso objetivo é enfatizar também a Argentina.

E a quem se direciona esse novo núcleo de estudo?

Os estudantes, evidentemente, e toda a comunidade acadêmica. Mas, mais amplamente, o conjunto de latino-americanistas, de especialistas em América Latina, e funcionários e dirigentes. Que conheçam mais e prestem mais atenção – é importante para manter boas relações na América Latina e no Cone Sul em geral.

* A entrevista foi realizada em setembro de 2012. Trechos datados foram suprimidos. A tradução é do Cepat

FONTE: Carta Maior

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