segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Fortalecido pelas urnas, Correa quer institucionalizar 'revolução' no Equador


Presidente quer fazer com que as mudanças propiciadas por seus seis anos de governo – e as que virão no próximo mandato – não possam ser revertidas pelas elites em caso de derrota

Do Brasil Atual

Por: Tadeu Breda, enviado especial ao Equador


Rafael Correa, reeleito com 56,7% dos votos válidos, fica no poder até 2017 (Foto: Gary/Reuters)

Quito – Acabar com a pobreza no Equador, sim. Gerar emprego e crescimento econômico, também. Explorar com racionalidade os recursos naturais do país, claro. Todas essas promessas fazem parte do plano de governo do presidente Rafael Correa, que ontem (17) foi reeleito com 56,7% dos votos válidos para liderar os equatorianos até 2017. Mas o que ele quer mesmo é garantir a sobrevivência de sua revolução cidadã para além de sua próxima – e última – gestão à frente do Palácio de Carondelet.

"O desafio é tornar irreversível a mudança nas relações de poder que estamos construindo", declarou em coletiva de imprensa logo depois que as pesquisas de boca-de-urna apontavam sua massacrante vitória eleitoral já no primeiro turno. "Essa é a chave para o desenvolvimento." Correa avalia que a América Latina só não se desenvolveu até agora por causa das elites que a dominavam – e, em parte, continuam dominando. "São elites excludentes que sempre manejaram nossos países em função de seus próprios interesses e dos interesses das grandes economias capitalistas", define.

Por isso é que o presidente quer institucionalizar sua revolução cidadã. Mas, para tanto, esbarra numa barreira parcialmente intransponível: a pequenez de seu país frente ao concerto das nações. Daí que aposte todas as suas fichas na integração regional: quer que todos os países latino-americanos que atravessam momentos parecidos – Venezuela, Argentina, Bolívia, Uruguai e até mesmo o Brasil – abracem a causa de uma vez por todas.

"Assim nunca mais os grupos de poder poderão reduzir, condenar e submeter as grandes maiorias em função de seus interesses particulares", aposta. "Se cada um de nossos países negociar individualmente com o grande capital transnacional não conseguiremos impor as regras. Unidos, sim." Eis a importância da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). "A integração não é apenas um sonho elaborado pelos nossos libertadores no século 19: agora transformou-se num desejo e numa necessidade para enfrentar essa globalização tão cruel e desumana que enxerga as pessoas como consumidores, não como cidadãos."

Rafael Correa acredita que um ótimo indicador para saber quem manda num país – se as elites ou o povo – é a assignação de recursos públicos. Antes de seu governo, lembra, os subsídios oferecidos pelo Estado equatoriano se dirigiam a grandes banqueiros e empresários. Em 1983 e 1999 o país assistiu às maiores ajudas já concedidas pelo Estado a particulares – no caso, instituições financeiras que naufragavam em crises. "E a imprensa nunca criticava o governo por isso."

Agora, diz, os recursos têm se dirigido prioritariamente às áreas sociais, como saúde e educação, além de grandes obras de infraestrutura. Aliás, escolas, hospitais e estradas são palavras que estão na boca do povo quando perguntado sobre as principais realizações do governo – e também sobre os motivos que levaram à vitória do presidente. "Se vemos pra onde está indo o dinheiro, fica claro que nesta revolução, neste país, quem manda são os cidadãos, e já não mais o capital."

Mais que garantir-lhe um novo mandato, o triunfo esmagador de Rafael Correa acabou por consolidar de uma vez por todas seu projeto para o país. São propostas que, segundo define o próprio presidente, têm como objetivo colocar a economia a serviço dos seres humanos – e não o contrário, como ocorria até sua primeira vitória, em 2006. "Seguiremos priorizando saldar a dívida social do Equador antes da dívida externa", aponta. "Tudo isso sem esquecer de uma palavra que muitas vezes é deixada de lado pela esquerda: eficiência. Queremos caminhar mais rápido com a diminuição da pobreza e da desigualdade social."

Para tanto, Rafael Correa, à diferença do que acusa a oposição, não abre mão dos investimentos estrangeiros. Só que o presidente equatoriano tem seu conceito próprio do termo, que difere em muito das ideias neoliberais propaladas pelos adversários. "Eles não medem o investimento estrangeiro como criação de ativos fixos, novas fábricas, máquinas, empregos; medem como fluxo de capital", compara. O presidente é bem claro em dizer que os investimentos devem ser apenas um meio para a obtenção do fim último da economia: brindar bem-estar à população.

Por isso, ao ver seu Equador considerado pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe (Cepal) como país que mais tem avançado na redução sustentável da pobreza, Correa afirma estar seguro de que vai pelo bom caminho. "Já temos investimento estrangeiro, sobretudo chinês. Se vier mais, melhor. São muito bem-vindos. Só não vamos trocar o fim pelos meios, ou seja, hipotecar o bem-estar dos equatorianos, como se fazia antes."

Durante a entrevista, Rafael Correa aproveitou para comentar suas relações com a oposição e com a imprensa, que não tem sido das melhores – e, no que depender do presidente, continuarão iguais. Ficou muito claro que os próximos quatro anos serão de enfrentamento com aqueles que prezam pela "desonestidade" na hora de criticar o governo. E não importa se são de direita ou esquerda. "Eu sempre privilegiei princípios a ideologias", decretou. "A todas as pessoas de mãos limpas, mente lúcida e coração aberto pela pátria, digo que existem muito mais coisas que nos unem do que coisas que nos separam."

Nesse sentido, estendeu uma mão de diálogo ao candidato que ficou em segundo lugar nas eleições de domingo, com 23,3% dos votos: o ex-banqueiro Guillermo Lasso, do recém-criado partido Creando Oportunidades (Creo). "Finalmente se consolidou no país uma direita ideológica. Isso é ótimo, porque agora podemos debater ideologicamente", comemorou, antes de reconhecer que existe gente decente na direita – assim como canalhas na esquerda. "Acredito que um erro que cometeu Lasso foi aliar-se com as oligarquias políticas. Mas venham conversar. Jamais as portas estiveram fechadas."

Já com os meios de comunicação comerciais... Do mesmo jeito que diferencia a oposição "decente" e "desonesta", o presidente acredita que existe no Equador uma imprensa "responsável" e outra "manipuladora". Com esta última, não pretende mudar um só milímetro de seu tratamento. "Vamos continuar batalhando para mostrar quem é que manda no país, exatamente como fizemos até agora", sustentou. "Queremos uma imprensa honesta, jamais com censura prévia, mas sim com responsabilidade ulterior. É o que sempre pedimos. Uma boa imprensa é fundamental para a democracia assim como uma má imprensa pode ser mortal para essa mesma democracia."

Isso significa que o governo deve empenhar-se ainda mais pela aprovação da Lei de Comunicação, que foi elaborada pela Assembleia Nacional na gestão passada – e que está há mais de seis meses na geladeira esperando maioria para ir a plenário. O pulso forte do presidente não é gratuito. Rafael Correa tem plena convicção de que tanto a oposição como a imprensa mais hostis a seu governo engoliram uma belíssima derrota nestas eleições. "Aceitamos essa vitória com imensa gratidão e muita humildade, mas também com muita firmeza", comenta. "Ou transformamos o Equador agora ou não o transformaremos nunca. É uma oportunidade histórica para o povo equatoriano – e não iremos desperdiçá-la."

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