quinta-feira, janeiro 31, 2013

Piratas sociais atacam a Previdência



Álvaro Sólon de França

Previdência ajudou 23 mi a sair da linha de pobreza

por Álvaro Sólon de França*, no Repórter Sindical, via e-mail

A Previdência Social brasileira completou, dia 24 de janeiro, 90 anos. Construída pelos ideais daqueles que nutrem a esperança sublime de viverem numa sociedade livre, justa e solidária, a longevidade da Previdência Social tem sua explicação nos valores sobre os quais está sedimentada: a solidariedade entre as pessoas e as gerações, e a justiça social.

A Previdência Social é, hoje, o maior programa de redistribuição de renda existente no País.

Ela combate a pobreza, reduz as desigualdades sociais e regionais, corrige injustiças ao garantir a cidadania, impulsiona as economias locais, evita o êxodo rural. É, enfim, uma verdadeira âncora social no Brasil.

Apesar de toda a sua importância para a sociedade brasileira, a Previdência Social tem sido vítima, ao longo dos anos, de todos os tipos de ataques perpetrados pelos piratas sociais de plantão.

Mas o que os piratas sociais teimavam em esconder agora está escancarado em todas as pesquisas sobre pobreza, divulgadas recentemente: a expansão da Previdência Social – Regime Geral de Previdência Social administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – foi um dos principais fatores da redução da pobreza nos últimos anos.

Pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstra de maneira insofismável que os benefícios previdenciários são arma fundamental no combate à pobreza e na melhoria da distribuição de renda, comparáveis aos impactos de programas sociais. Nas famílias rurais, a renda de quem vive em lares com idosos é 44% maior do que nas residências sem velhinhos, por causa da aposentadoria.

No campo, nas casas sem aposentados, 82% das crianças são pobres. Mas, nas residências com idosos, a proporção de crianças pobres recua para 68%.

A aposentadoria dos idosos sustenta ou ajuda a apoiar cerca de 2 milhões de famílias na zona rural, segundo levantamento de 2005. Em suma, os benefícios previdenciários foram fundamentais para que 24 milhões de pessoas superassem a linha de pobreza.

Nos últimos anos o Brasil passou por pelo menos duas mudanças, que atuaram de maneira importante sobre a pobreza, que foram: a criação de milhões de novos postos de trabalho, com carteira assinada, e a expansão do pagamento de benefícios pela Previdência Social.

Em 2011, segundo dados da Pnad/IBGE, 51,26 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha de pobreza (linha de pobreza = meio salário mínimo). Se não fosse a Previdência, esse número seria de 74,97 milhões de pessoas, ou seja, a Previdência foi responsável para que 23,71 milhões de pessoas deixassem de ficar abaixo da linha de pobreza.

Outros dados relevantes estão retratados na publicação A Previdência Social e a Economia dos Municípios(Anfip. 6ª edição), com base nos dados de 2010, que demonstram que: em 3.875 dos 5.566 municípios brasileiros avaliados (69,06%), o volume de pagamento de benefícios previdenciários efetuados pelo INSS supera o FPM – Fundo de Participação dos Municípios.

Esses dados são altamente representativos de uma realidade que não pode ser ignorada: a Previdência Social reduz as desigualdades sociais e exerce uma influência extraordinária na economia de um incontável número de municípios brasileiros. E há ainda outro aspecto que não pode deixar de ser mencionado: em maio de 1982, em 40% dos municípios brasileiros, ou seja, em 4.589 municípios, o pagamento de benefícios era superior à arrecadação previdenciária no próprio município, o que nos remete à evidente conclusão de que a Previdência reduz as desigualdades regionais de forma bastante acentuada.

Mas, para atingir este patamar, ao longo de mais de oito décadas, a Previdência Social, graças à sociedade brasileira, resistiu aos ventos privatizantes oriundos do Fundo Monetário Internacional, que atingiu, de maneira brutal, inúmeros países, principalmente na América Latina.

Também resistiu aos ataques perpetrados pelos “consultores de plantão”, travestidos de arautos da modernidade, mas a serviço da banca financeira nacional e internacional, apregoando, de tempos em tempos, a falência do sistema previdenciário brasileiro, fundado na solidariedade entre as pessoas e as gerações. Além disso, suportou inúmeras crises financeiras que solaparam previdências privadas mundo afora.

Por isso, conclamo toda sociedade brasileira que continue defendendo e fortalecendo a Previdência Social, tornando-a cada vez mais pública e eficaz, para que, em breve, possamos erradicar a pobreza no Brasil, e, assim, participar da sociedade que todos almejamos: livre, justa e solidária.

*Álvaro Sólon de França é presidente da Anfip (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil)

“O risco é imolar-se nas teias da pequena política”

Roberto Amaral

A sobrevivência do velho no novo

Por Roberto Amaral, em CartaCapital

Completamos uma década de governo de centro-esquerda, o mais longo e tranquilo período de governos progressistas, tanto do ponto de vista institucional quanto social. Nada que nos lembre, sejam os anos 50 (marcados pelo golpe reacionário que levou Vargas ao suicídio), seja o golpe proto-fascista de 1964, com sua longa noite de horror. Nada que nos lembre, sequer, o governo desenvolvimentista de JK, juncado por sucessivas tentativas de golpes de Estado e insurreições militares, articuladas antes mesmo de sua posse.

Na verdade, estamos, desde 1985, vivendo nosso mais longo período de estabilidade democrática, de preeminência do poder civil e silêncio dos quarteis, da história republicana.

O que avançamos à esquerda nesses dez anos só é comparável (talvez até superando-o) ao que o país avançou nos governos Vargas e Jango e, pela primeira vez, a direita não teve condições de interromper o processo de ascensão das massas, embora cogitasse dessa aventura em 2005, da qual recuou em face de seu medo contumaz da voz das ruas. Avançamos sobretudo em conquistas econômicas e sociais, que ajudam a explicar a notável popularidade de Lula e de Dilma. Estamos, todavia, ainda a pagar um preço absurdamente elevado pela “governabilidade”, o nome elegante da construção da base de apoio parlamentar, preço que impede o avanço político. Pois tudo tem seu preço.

A avaliação mais corrente ao período deita suas raízes no plano econômico, considerado, à esquerda e à direita, como fiador da popularidade dos governantes, financiador que é dos avanços sociais, os quais, para poupar espaço, resumiremos na dupla pleno emprego-distribuição de renda: 42,5 milhões de brasileiros entraram no sistema financeiro e conheceram o crédito, tornado acessível graças à intervenção política da presidente.

No segundo semestre de 2002, em plena campanha pela sucessão presidencial, o presidente FHC convocou todos os candidatos para uma ‘reunião de Estado’ (estive em uma delas, acompanhando o candidato Anthony Garotinho, à época no PSB), para anunciar a falência do país. O governo, em seu outono, correra uma vez mais ao FMI e precisava que o próximo presidente honrasse os terríveis compromissos assumidos com a banca internacional. Passados 10 anos, o Brasil, de devedor, tornou-se credor do FMI; a inflação anual caiu de 12,5% para algo como 5%; as reservas cambiais são superiores a um ano de importações, a realidade cambial foi restabelecida e a dívida pública líquida caiu como fração do PIB. Acabou-se com a lengalenga de ‘Banco Central independente’, independente do país e dependente dos banqueiros.

Outros excepcionais indicadores do amadurecimento de nossa economia remetem ao reconhecimento internacional, cuja justa medida é o fato de sermos, hoje, o quarto destino mundial de investimentos estrangeiros (65,3 bilhões de dólares, segundo a Unctad), e o Tesouro Nacional emitir (e vender) títulos de 20 anos, pagando uma taxa de juros real inferior a 4%! E tudo isso – e muito mais – mantendo a política de aumento real do salário-mínimo. A qual, nesse governo, contrariando economistas da FGV, deixou de ser elemento inflacionário. Aumentou-se o salário mínimo, aumentou-se a renda dos assalariados, aumentou-se o crédito, derrubaram-se os juros, e a inflação permaneceu sob controle.

Mas, o que mais festejo são os ganhos políticos e o que mais critico é a timidez política, e exatamente por isso elogio, finalmente, o pronunciamento da Presidente na televisão, tão bom que irritou a direita impressa. Espero, porém, que esse pronunciamento não seja o primeiro e último. Pois, se o grande mérito do governo foi a decisão de governar para as grandes massas – decisão de que decorrem os ganhos na economia – são tímidas as conquistas políticas e ainda mais tímida a disposição do governo de enfrentar o debate político, esperando que por ele falem os movimentos sociais, desarticulados e esvaziados, exatamente pelo exílio da política.

Ilustra essa inapetência política a forma como foi anunciada a queda dos juros pela qual clamavam sindicatos, empresários, a sociedade e a boa política (jamais nos esqueçamos dos discursos de José Alencar), apresentada que foi como mera medida econômica!

Ora, a queda dos juros foi decisão política da presidente, para a obediência da tecnoburocracia econômico-financeira e da banca, como foi sua decisão, política presidencial, determinar a correção no câmbio, o aumento do crédito pessoal e cutucar, com a ação dos bancos estatais, a banca refratária.

O governo, acossado pela crise de 2005, optou pela composição a mais ampla possível – elástica tanto do ponto de vista do espectro ideológico quanto do padrão ético – abrigando sob suas asas desde a esquerda (PSB, PT, PCdoB e PDT) a partidos como o PP de Maluf, o PTB de Roberto Jefferson e as armadilhas dos soi-disant evangélicos, enfim, uma malta que tem sua grande homenagem no velho e notório PMDB. A contra-prestação veio em termos, pois, se a governabilidade foi assegurada (mas não só como efeito dessa composição), a maioria no Congresso, hoje como ontem, é instável e rentista, sempre sujeita que é ao toma lá – dá cá.

De outra parte, essa geleia, informe e contraditória política e ideologicamente, privou o governo da ação das massas, que lhe são favoráveis, desmobilizou os sindicatos e não ensejou o surgimento de movimentos sociais e culturais capazes de trazer para a política os novos valores e as novas aspirações. Isolando-se, o governo corre o risco de imolar-se nas teias das transações da pequena política, a rainha do Parlamento de hoje, deixando a política para os ‘outros’.

Tal privação talvez explique a resistência de nossos governos em enfrentar a necessária reforma do Estado, que só nós podemos patrocinar, democratizando-o e descondicionando-o da destinação neoliberal para a qual foi moldado. Intocado, permanecerá o Estado de ontem herdado do tatcherismo e da razzia dos dois Fernandos: anti-povo, anti-nacional, o Estado da banca e dos privilégios, o Estado privatizado pelos interesses do capital, uma estrutura, portanto, que resiste à modernidade, à supremacia dos interesses nacionais e das grandes massas, alienado funcional e ideologicamente.

Ao não politizar seus avanços e conquistas, o governo de centro-esquerda renuncia à formulação de um corpus ideológico que daria significado e permanência às conquistas alcançadas, a melhor maneira de garantir no futuro a sobrevivência dos avanços de hoje.

No nosso silêncio fala a direita.

O povo, que apoia o governo que o beneficia, é alvo de uma guerra ideológica sistemática levada a cabo pelos grandes meios de comunicação de massa, ideologizados, partidarizados, reacionários. Trata-se, porém, de guerra sem conflito, pois um só exército vomita fogo. Este é o preço da inércia dos partidos, da inércia do que ainda resta de esquerda, esquecida de que, até para ocupar caixinhas no organograma do governo, é indispensável travar a luta política. Sem ela, ou perdemos o governo ou dele seremos apeados.

Veremos o que virá.

O reajuste da gasolina e os bocós


O governo federal anunciou o reajuste do preço da gasolina em 6,6% nas refinarias e 4,4% nas bombas dos postos. Logo começou uma guerra de informação e contra informação nas redes sociais motivada pela boataria da “grande imprensa” para tentar desqualificar a redução da tarifa de energia elétrica.

Sob o argumento direto ou indireto de que a redução foi para compensar o aumento do preço do combustível, a “grande mídia” mais uma vez conseguiu inflar setores da classe média, sempre ela, contra o governo por aumentar o preço da gasolina e tornar 4% mais caro andar de carro.

Obviamente que o reajuste do preço do combustível não é sentido apenas por quem possui automóvel. Como produtos precisam ser transportados e máquinas em fábricas precisam de gasolina e derivados para funcionar nas fábricas, a variação do preço deve ser repassada em vários produtos.

Mas nem de longe todo o alarde provocado merece ser levado a sério.

Primeiro que a gasolina mesmo fazendo parte da cadeia produtiva e na logística de transporte de mercadorias e de massa, ela não é a maior parte dos custos. Portanto os 4,4% de reajuste quando inclusos junto aos outros itens não altera quase nada.

Segundo que este é o primeiro reajuste para cima nas refinarias em quatro anos e em 2009 o reajuste foi negativo, ou seja, o preço da gasolina baixou.

Entre as ladainhas dos alarmistas de ocasião está que o Brasil não é autossuficiente em petróleo devido ao fato de importarmos petróleo. Também questionam o preço da gasolina por aqui ser maior do que em países que nem produzem o óleo.

Importamos petróleo por causa do tipo de óleo que produzimos. Existem dois tipos: leve e pesado. Nossa produção é em sua maioria pesado o que não é o melhor para fazer gasolina e sim asfalto e combustível de máquinas. Mas dá para fazer gasolina desse tipo, só que sai mais caro. Importamos o tipo leve, que são apenas 6% de nossa produção. Essa relação de importação e exportação está mais para uma troca com mercados externos. Sim, nós também exportamos petróleo.

Nossa produção supre perfeitamente nossa demanda. Além do mais também temos o Etanol. Combustível feito de cana-de-açúcar e milho. No Brasil a predominância é da cana. Nossa gasolina contém um percentual de etanol variando em torno de 30%. Não temos dependência total da gasolina.

Se considerarmos que o aumento do preço da gasolina vai ser usado em sua totalidade nos preços de outros produtos e serviços – o que seria uma excrescência – a variação dos preços seria mínima. Estamos falando de 4,4% e não 40%!

O salário mínimo no Brasil foi reajustado em 239% nos últimos dez anos para uma inflação, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), em torno de 99%. O ganho real no período foi de 140%.

Mas de todos os argumentos, há um que não permite que nenhuma tese alarmista se sobressaia. Não tem rebolo argumentativo que derrube.

O reajuste de 4,4% é abaixo da inflação, bocó!

O controle das armas nucleares



EUA e Rússia deveriam se esforçar mais nas negociações para reduzir seus gigantescos e desnecessários arsenais


*David E. Hoffman – Foreign Policy

Em seu primeiro discurso de posse, Barack Obama fez uma promessa: “Trabalharemos incansavelmente com nossos amigos de longa data e com antigos inimigos para reduzir a ameaça nuclear e aniquilar o fantasma do aquecimento global”. No seu segundo discurso, ele voltou à questão da mudança climática, mas deixou de lado a ameaça nuclear.

Talvez não seja justo querer elaborar demais sobre isso. No entanto, nos últimos tempos, notamos um estranho silêncio a respeito do controle de armas. Ele tem sido ignorado na exposição pública de prioridades no segundo mandato do presidente.

Indubitavelmente, serão discutidos inúmeros detalhes misteriosos nas audiências de confirmação dos senadores John Kerry e Chuck Hagel, respectivamente no cargo de secretários de Estado e da Defesa. Mas e o presidente? Ele ainda acredita em um mundo sem armas nucleares, como descreveu no discurso de Praga, em abril de 2009? No ano passado, as campanhas eleitorais nos EUA e na Rússia representaram um ano perdido em matéria de controle de armas nucleares. Agora, as campanhas acabaram, mas as perspectivas continuam pouco claras.

As armas não desapareceram somente porque paramos de falar a seu respeito. Os EUA e a Rússia ainda têm os maiores arsenais nucleares do mundo. Embora haja graves preocupações com Irã, Coreia do Norte, Índia e Paquistão, entre outros, devemos ter em mente as enormes diferenças de escala. Os arsenais dos EUA e da Rússia abrigam aproximadamente 16,2 mil ogivas nucleares, enquanto os outros países do mundo teriam juntos cerca de 1.100.

O novo tratado Start (Strategic Arms Reduction Treaty) estabelece procedimentos de verificação importantes, mas prevê reduções modestas nos estoques de ambos os países, para 1.550 ogivas cada um, após sete anos. O tratado é um ponto de partida, mas não deve ser o último passo de Obama.

Há muita reflexão sobre as próximas medidas, tanto no governo como fora dele. Estudiosos e ONGs que tratam da estratégia a ser adotada nesse campo levaram meses na elaboração de importantes relatórios detalhados sobre a contenção nuclear. Esse valioso trabalho está pronto. Um roteiro das possibilidades pode ser encontrado no livro The Opportunity: Next Steps in Reducing Nuclear Arms, de Steven Pifer e Michael E. O’Hanlon, do Brooking Institution.

O livro é uma avaliação concisa das opções de Obama. “Por que buscar o controle de armas nucleares se a Guerra Fria terminou há mais de 20 anos?” questionam os autores. “O controle não é e nem deve ser considerado um fim em si mesmo. É um instrumento que, devidamente utilizado, pode fortalecer e aumentar a segurança dos EUA e de seus aliados.”

Eles apresentam sete argumentos em defesa do controle adicional de armas nucleares. Entre eles, a necessidade de enquadrar em acordos compulsórios e verificáveis de todas as ogivas nucleares que se encontram fora do sistema do tratado, tanto nos EUA quanto na Rússia.

Outro trabalho é o relatório Trimming Nuclear Excess: Options for Further Reductions of U.S. and Russian Nuclear Forces, de Hans Kristensen, da Federação de Cientistas Americanos, publicado no mês passado. “Há indicações de que, embora as reduções continuem nos EUA e na Rússia, ambos os países estão se tornando mais cautelosos quanto a uma maior redução. Neste momento, ambos investem enormes recursos em novos sistemas de armas nucleares destinados a entrar em operação no fim do século. Se não ocorrerem novas reduções unilaterais ou não forem concluídos importantes acordos sobre controle de armas, no futuro, grandes forças nucleares poderão estar armazenadas.”

Outro trabalho significativo é o do relatório da Comissão de Política Nuclear Americana, do plano de ação Global Zero, de maio de 2012. A comissão foi presidida pelo general James Cartwright e incluía Hagel. O estudo apresenta uma série de medidas esclarecedoras por meio das quais os EUA poderiam reduzir seu arsenal a 900 armas nucleares, estendendo, ao mesmo tempo, o período de advertência e decisão. O relatório prevê também a reunião, pela primeira vez, de todas as potências nucleares para negociações multilaterais para limitar esse tipo de armamentos.

Mas, apesar dos estudos, por que o debate parece ter silenciado? Vladimir Putin é um dos motivos. Desde que ele voltou à presidência da Rússia, no ano passado, tem defendido novas leis contra os protestos de rua em favor da democracia e contra a influência americana na sociedade e na política russa. O mais prejudicial é o fato de o presidente ter imposto ao Legislativo um projeto de lei que forçou a anulação de um acordo bilateral sobre a adoção de crianças russas por pais americanos.

Foi uma retaliação de Putin à Lei Magnitski, aprovada pelo Congresso americano e sancionada por Obama, que impôs restrições a cidadãos russos envolvidos em crimes contra os direitos humanos. O projeto de lei sobre adoção assinala o ponto mais baixo das relações entre os dois países. Não é preciso ser cínico para imaginar um senador republicano questionando se os russos podem revogar um acordo sobre a adoção de crianças, como confiar que eles cumpram um tratado sobre armas nucleares?

A questão é que as nações não têm amigos, apenas interesses. Um tratado é um contrato, que existe para proteger interesses. E interessa tanto aos EUA quanto à Rússia evitar uma catástrofe nuclear. Ambos têm milhares de armas atômicas que ainda não estão cobertas por tratados, não estão sujeitas a verificação e, em alguns casos, seu número é desconhecido pela outra parte. Tais armas são um legado da Guerra Fria e não servem a nenhum propósito militar.

É nosso interesse separar as ogivas e guardá-las cuidadosamente. Fazer isto não deveria ser considerado um favor a Putin.

Entretanto, o controle de armas não existe isoladamente de outras questões que minam o relacionamento. É difícil negociar com Moscou ou convencer o Congresso da necessidade de um acordo sobre um tema tão complexo e de tão grande importância. Obama e Putin, talvez, precisem redefinir uma reaproximação antes de dar uma contribuição maior ao controle de armas nucleares.

Acho que Obama quer fazer mais, mas muito depende de Putin e de como ele vê os interesses da Rússia em matéria de armas estratégicas. Em Moscou, alguns acreditam que, apesar da contínua retirada de armas obsoletas, a Rússia pode modernizar seu arsenal e não precisa de outro acordo com os EUA.

Para Putin, há a questão sobre o quanto gastar com a modernização e sobre sua capacidade de sustentar esse gasto, considerando outras prioridades. Os russos falam em construir um enorme míssil balístico intercontinental com ogivas múltiplas e combustível líquido. Será que precisam disso? Os atos de Putin sugerem que ele caminha para uma Rússia como uma verdadeira fortaleza, adotando uma estratégia unilateral de maior isolamento. Essas coisas, porém, costumam oscilar e podem tomar a direção oposta.

Embora Obama não tenha mencionado o perigo nuclear em seu discurso, ele tem sobre a mesa uma quantidade de possíveis iniciativas e decisões. Sua política nuclear de 2010 deve ser implementada. Há mais de um ano, equipes trabalham em memorandos sobre a execução das decisões com base nela e na orientação que o presidente deve dar ao Pentágono. Suas decisões estabelecerão um caminho para futuras reduções dos arsenais. Mas, até o momento, a Casa Branca tem se mantido em silêncio.

O presidente pediu a ratificação do Tratado de Proibição de Testes Nucleares (CTBT), mas ele não o apresentou ao Senado no seu primeiro mandato. Mas muitas objeções técnicas levantadas em 1999, quando os senadores não ratificaram o tratado, foram superadas. Estará o presidente disposto a gastar capital político e a travar uma batalha pelo tratado?

A defesa antimísseis continua sendo um obstáculo grande para as negociações com a Rússia. Nesse caso, o presidente poderá pôr em prática ideias criativas para dirimir as preocupações de Moscou. Nenhuma redução de armas ofensivas será feita enquanto não existir uma compreensão geral do programa de defesa antimísseis. Se o programa americano não for mesmo uma ameaça à Rússia, como defenderemos nossa posição de maneira convincente para permitir o avanço das negociações sobre controle de armas ofensivas?

Como afirmei anteriormente na revista Foreign Policy, o presidente deveria considerar a possibilidade de um acordo bilateral com a Rússia que acabasse com o alerta de lançamento de mísseis nucleares. Vale a pena lembrar duas grandes categorias de armas nucleares ainda não cobertas por tratados: as ogivas táticas menores da Rússia e as ogivas estratégicas armazenadas desde o fim da Guerra Fria pelos EUA. Ninguém tem números exatos, mas há milhares dessas armas que deveriam ser contadas, verificadas e enquadradas num tratado. Essa é uma boa meta para o segundo mandato.

* É GANHADOR DO PULITZER E CONTRIBUI COM A REVISTA ‘FOREIGN POLICY’

70 anos da Batalha de Stalingrado



Max Altman* - janeiro de 2013
Texto enviado pelo autor
Ilustrações colhidas na internet pela redecastorphoto




Faz exatos 70 anos. No dia 31 de janeiro de 1943, o marechal Friedrich Von Paulus, comandante do VI Exército alemão, comunicava sua capitulação incondicional ao general Vassili Chuikov, comandante do Exército Vermelho em Stalingrado.

Estava encerrada a mais feroz, a mais encarniçada, a mais renhida e sangrenta, a mais comovente, a mais obstinada e violenta, a mais cruenta e impetuosa das batalhas militares que a História da humanidade conheceu.
Estava quebrada a espinha dorsal da poderosa máquina de guerra nazista e do Terceiro Reich. A Segunda Guerra Mundial sofria, naquele momento, dramática guinada.

A humanidade deve aos heróicos soldados do Exército Vermelho ter se livrado das trevas do nazi-fascismo. Todo ser humano, defensor da democracia, da liberdade, da fraternidade, tem o dever de ressaltar sempre e em cada momento o significado desta epopéia.

A Alemanha nazista era poderosa e intensa a sua influência política. Se tivesse derrotado o Exército Vermelho, a sombra do nazismo pairaria por muitas e muitas décadas sobre povos e nações do mundo inteiro, com todo o seu horror ideológico e racial.

Assistam a seguir o filme "Stalingrado - A batalha final" (legendado em português) e o excelente resumo histórico do Max Altman.



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Stalingrado salvou a humanidade da sanha nazi-fascista

Por volta de setembro de 1942, a soma das conquistas de Hitler era estarrecedora. O Mediterrâneo havia se tornado praticamente um lago do Eixo, a Alemanha nazista e a Itália fascista dominando a maior parte da costa setentrional, desde a Espanha até a Turquia e a costa meridional da Tunísia até cerca de 100 quilômetros distante do rio Nilo. As tropas da Wehrmacht mantinham guarda desde o cabo setentrional da Noruega, no Oceano Ártico, até o Egito; da ocidental Brest no Atlântico até a parte sul do rio Volga, às bordas da Ásia Central. Regimes fascistas pré-existentes e governos fantoches faziam o jogo do Reich nazista. França, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Áustria, Hungria, Tchecoslováquia, Polônia, os Bálcãs, a Grécia e outras mais já haviam sido engolidas pelas Panzer Divisionen.

Em fins do verão de 1942, Adolf Hitler parecia estar em esplêndida situação. Os submarinos alemães estavam afundando 700.000 toneladas por mês de barcos britânicos e americanos no Atlântico, mais do que se poderia substituir nos estaleiros navais dos Estados Unidos, Canadá e Escócia, então em franco progresso.

As tropas nazistas do 6º Exército do marechal Friedrich von Paulus haviam alcançado o Volga, exatamente ao norte de Stalingrado em 23 de agosto. Dois dias antes, a suástica tinha sido hasteada no monte Elbruz, o ponto mais alto das montanhas do Cáucaso (5.642 metros). Os campos petrolíferos de Maikop, que produziam anualmente 2,5 milhões de toneladas de petróleo, haviam sido conquistados em 8 de agosto. No dia 25, os blindados do general Kleist chegaram a Mozdok, distante apenas 80 quilômetros do principal centro petrolífero soviético, nas imediações de Grozny e a cerca de 150 quilômetros do mar Cáspio.

No dia 31 de agosto, Hitler ordenou que o marechal-de-campo List, comandante dos exércitos do Cáucaso, reunisse todas as forças existentes para o assalto final a Grozny, a fim de se apoderar de todos os ricos campos petrolíferos da região.

Determinou que o 6º Exército e o 4º Exército Panzer se lançassem para o Norte, ao longo do Volga, cercando e sufocando Stalingrado, num vasto movimento envolvente que lhe permitisse avançar de leste e de oeste contra o centro da Rússia, tomando, finalmente, Moscou. Ao almirante Raeder, no final de agosto, Hitler dizia que a União Soviética "era um 'lebensraum' (espaço vital), à prova de bloqueio" o que lhe ensejava voltar-se para os ingleses e americanos que "seriam obrigados a discutir os termos da paz".

Com essas conquistas vitais o "Reich de mil anos" estaria garantindo sua subsistência e permanência: as vastas estepes da Ucrânia, ubérrimas, a fazer brotar um infindável celeiro dourado de trigais; os abundantes campos de ouro negro a besuntar de energia a máquina bélica e industrial alemã.

As imagens mais longínquas de minha meninice datam dessa época. Registram meu pai, cercado de amigos, debruçados sobre um mapa da Europa estendido sobre a mesa, lupa em punho, rádio em ondas curtas. Esta mesma cena provavelmente estaria se repetindo em milhões de outros lares pelo mundo afora. Anos mais tarde, meu pai, um jovem revolucionário imbuído de ideais socialistas, que no começo dos anos 1930 tinha abandonado a Polônia de governo pró-nazi e anti-semita para vir ao Brasil, relatava a agonia e o horror com que acompanhavam a expansão irrefreável do império nazista.

Quando os cabogramas anunciaram que a infantaria alemã havia atravessado o Don silencioso em direção a Stalingrado, o assombro se instalou. E se a Alemanha nazista derrotasse a União Soviética?

A ideologia da supremacia racial ariana de Hitler se abateria sobre grande parte do mundo.

Negros, eslavos, indígenas, árabes, mestiços, mulatos, amarelos, sub-raças e escória social, trabalhariam sob o tacão de ferro do nazismo, como semi-escravos, para a glória da raça superior. Povos inteiros, judeus, ciganos, seriam aniquilados em nome da limpeza étnica. Comunistas, socialistas e liberais seriam confinados em campos de concentração e de lá não sairiam vivos.

O colonialismo na África e Ásia ganharia alento. As liberdades seriam espezinhadas e governos lacaios em todos os quadrantes se encarregariam de organizar gestapos em cujos porões um elenco monstruoso de torturas ao som da Deutschland Über Alles seria levado a cabo contra os inimigos do regime. As conquistas sociais dos trabalhadores estariam esmagadas.

O progresso, as artes, as ciências sofreriam abalo. Além do que, Werner von Braun e seus assistentes em Penemunde estariam aperfeiçoando as mortíferas bombas voadoras de longo alcance com ogivas nucleares e outras máquinas bélicas de alta tecnologia a pender como espada de Dâmocles sobre qualquer país que ousasse desafiar o Reich alemão. E se alguma nação pretendesse enfrentar os interesses do Grande Império Germânico novas ondas de panzers ou de bombas V1 e V2 desencadeariam blitzkriegs preventivas para aniquilar pelo terror qualquer tentativa.

Quando o jovem general Konstantin Rokossovsky, levando a cabo as instruções táticas da Operação Uranus ordenadas diretamente de Moscou e arquitetadas pelos generais Alexander Vasilievsky e Vasily Volsky, conseguiu romper, em 19 de novembro, o anel de aço que cercava Stalingrado, a esperança reacendeu. No entanto, a cidade estava sitiada, os seguidos bombardeios da Luftwaffe haviam-na reduzido a escombros.

Dia após dia o cerco se apertava e em fins de novembro a zona urbana era invadida. Veio a ordem terminante: defender a todo custo as fábricas Outubro Vermelho e Barricadas que produziam os carros de assalto, a Fábrica de Tratores que construía os blindados T-34 e a estação ferroviária central onde as matérias primas eram desembarcadas.

Iniciou-se então a mais feroz, a mais encarniçada, a mais renhida e sangrenta, a mais dramática das batalhas militares que a História da humanidade conheceu.

O terreno coberto de destroços impedia qualquer ação de blindados, a proximidade dos contendores tornava impraticável a cobertura aérea. Só restava calar baionetas e passar a travar a luta casa a casa, corpo a corpo, em cada centímetro de chão. Para ilustrar a tenacidade com que se combatia, basta lembrar que a plataforma semidestruída da estação de trens mudou de mãos sete vezes num único dia. Os operários da Outubro Vermelho empunharam armas e estabeleceram uma muralha de fogo em torno da fábrica. Jamais se havia visto tantas cenas de heroísmo, bravura e coragem, de lado a lado, naquele cenário lúgubre das ruínas da cidade. Nunca antes soldados haviam lutado com tanto denodo para conquistar e defender.

Em 30 de janeiro de 1943, décimo aniversário da subida de Hitler ao poder, o führer fazia uma solene proclamação pelo rádio: "Daqui a mil anos os alemães falarão sobre a Batalha de Stalingrado com reverência e respeito, e se lembrarão que a despeito de tudo, a vitória final da Alemanha foi ali decidida".


Mal. Von Paulus (último à direita) assina rendição diante do Gen. Chuikov e oficiais russos

Três dias depois, em 2 de fevereiro, o marechal-de-campo Von Paulus assinava diante do general Vassili Chuikov, comandante das tropas do Exército Vermelho em Stalingrado, a rendição do 6º Exército alemão.

A transmissão da capitulação foi feita em Berlim, através da rádio alemã, pelo general Zeitzler, chefe do Alto Comando da Wehrmacht (OKW) precedida do rufar abafado de tambores e da execução do segundo movimento da Quinta Sinfonia de Beethoven.

A maior e a mais épica das batalhas da 2ª Guerra Mundial que tivera início em 26 de junho havia chegado ao fim. Foram feitos prisioneiros pelos soviéticos 94.500 soldados alemães dos quais 2.500 oficiais, 24 generais e o próprio marechal Von Paulus. Mortos cerca de 140.000 soldados da Wehrmacht e 200.000 homens do Exército Vermelho. Os soviéticos tomaram do exército inimigo 60.000 veículos, 1.500 blindados e 6.000 canhões. A espinha dorsal do exército nazista e do Terceiro Reich estava irremediavelmente quebrada.

Os mesmos milhões de lares que tinham vivido momentos de apreensão e pavor explodiram de emoção.

Hitler havia mordido o pó da derrota.

Corações e mentes voltaram-se para glorificar os heróis combatentes do Exército Vermelho e honrar os que tombaram no campo de batalha pela liberdade. A admiração pela extraordinária façanha impunha a pergunta: o que levou aquele contingente de centenas de milhares de jovens a lutar com tal fúria e obstinação? Certamente o apelo da Grande Guerra Patriótica, livrar o solo pátrio do invasor.

Havia mais. A leitura das lancinantes cartas aos familiares escritas no front deixava evidente a determinação de defender as conquistas da Revolução de Outubro por cuja consolidação seus pais, 25 anos antes, haviam derramado sangue enfrentando e derrotando o exército branco e tropas invasoras de catorze países mobilizados para sufocar no nascedouro a revolução bolchevique.

A partir daí o Exército Vermelho arrancou impetuoso rumo a capital do Reich nazista, abrindo em sua passagem os portões macabros de Auschwitz-Birkenau.

As tropas anglo-americanas desembarcam na Normandia em 6 de junho de 1944. No dia 2 de maio de 1945, soldados do destacamento avançado do general Ivan Koniev hasteiam a bandeira soviética no mastro principal do Reichstag.

Cinco dias depois, numa pequena escola de tijolos vermelhos em Reims, França, na madrugada de 8 de maio de 1945, o almirante Friedeburg e o general Jodl assinam, em nome do que restou da máquina de guerra nazista, diante do general Ivan Susloparov pela União Soviética, e do general Walter Bedell Smith pelos aliados, a rendição incondicional.

Os canhões cessaram de troar e as bombas deixaram de cair. Um estranho silêncio pairou sobre o continente europeu pela primeira vez desde 1º de setembro de 1939.

O mundo estava livre da sanha nazi-fascista.


Max Altman* é jornalista, estudioso das questões internacionais, membro do Coletivo da Secreta

terça-feira, janeiro 29, 2013

Povo da Islândia se negou a pagar pela crise

A miséria moral de ex-esquerdistas



Emir Sader

Da Carta Maior

Alguns sentem satisfação quando alguém que foi de esquerda salta o muro, muda de campo e se torna de direita – como se dissessem: “Eu sabia, você nunca me enganou”, etc., etc. Outros sentem tristeza, pelo triste espetáculo de quem joga fora, com os valores, sua própria dignidade – em troca de um emprego, de um reconhecimento, de um espaçozinho na televisão.

O certo é que nos acostumamos a que grande parte dos direitistas de hoje tenham sido de esquerda ontem. O caminho inverso é muito menos comum. A direita sabe recompensar os que aderem a seus ideais – e salários. A adesão à esquerda costuma ser pelo convencimento dos seus ideais.

O ex-esquerdista ataca com especial fúria a esquerda, como quem ataca a si mesmo, a seu próprio passado. Não apenas renega as idéias que nortearam – às vezes o melhor período da sua vida -, mas precisa mostrar, o tempo todo, à direita e a todos os seus poderes, que odeia de tal maneira a esquerda, que já nunca mais recairá naquele “veneno” que o tinha viciado. Que agora podem contar com ele, na primeira fila, para combater o que ele foi, com um empenho de quem “conheceu o monstro por dentro”, sabe seu efeito corrosivo e se mostra combatente extremista contra a esquerda.

Não discute as idéias que teve ou as que outros têm. Não basta. Senão seria tratar interpretações possíveis, às quais aderiu e já não adere. Não. Precisa chamar a atenção dos incautos sobre a dependência que geram a “dialética”, a “luta de classes”, a promessa de uma “sociedade de igualdade, sem classes e sem Estado”. Denunciar, denunciar qualquer indicio de que o vício pode voltar, que qualquer vacilação em relação a temas aparentemente ingênuos, banais, corriqueiros, como as políticas de cotas nas universidades, uma política habitacional, o apoio a um presidente legalmente eleito de um país, podem esconder o veneno da víbora do “socialismo”, do “totalitarismo”, do “stalinismo”.

Viraram pobres diabos, que vagam pelos espaços que os Marinhos, os Civitas, os Frias, os Mesquitas lhes emprestam, para exibir seu passado de pecado, de devassidão moral, agora superado pela conduta de vigilantes escoteiros da direita. A redação de jornais, revistas, rádios e televisões está cheia de ex-trotskistas, de ex-comunistas, de ex-socialistas, de ex-esquerdistas arrependidos, usufruindo de espaços e salários, mostrando reiteradamente seu arrependimento, em um espetáculo moral deprimente.

Aderem à direita com a fúria dos desesperados, dos que defendem teses mais que nunca superadas, derrotadas, e daí o desespero. Atacam o governo Lula, o PT, como se fossem a reencarnação do bolchevismo, descobrem em cada ação estatal o “totalitarismo”, em cada política social a “mão corruptora do Estado”, do “chavismo”, do “populismo”.

Vagam, de entrevista a artigo, de blog à mesa redonda, expiando seu passado, aderidos com o mesmo ímpeto que um dia tiveram para atacar o capitalismo, agora para defender a “democracia” contra os seus detratores. Escrevem livros de denúncia, com suposto tempero acadêmico, em editoras de direita, gritam aos quatro ventos que o “perigo comunista” – sem o qual não seriam nada – está vivo, escondido detrás do PAC, do Minha casa, minha vida, da Conferência Nacional de Comunicação, da Dilma – “uma vez terrorista, sempre terrorista”.

Merecem nosso desprezo, nem sequer nossa comiseração, porque sabem o que fazem – e os salários no fim do mês não nos deixam mentir, alimentam suas mentiras – e ganham com isso. Saíram das bibliotecas, das salas de aula, das manifestações e panfletagens, para espaços na mídia, para abraços da direita, de empresários, de próceres da ditadura.

Vagam como almas penadas em órgãos de imprensa que se esfarelam, que vivem seus últimos sopros de vida, com os quais serão enterrados, sem pena, nem glória, esquecidos como serviçais do poder, a que foram reduzidos por sua subserviência aos que crêem que ainda mandam e seguirão mandado no mundo contra o qual, um dia, se rebelaram e pelo que agora pagam rastejando junto ao que de pior possui uma elite decadente e em vésperas de ser derrotada por muito tempo. Morrerão com ela, destino que escolheram em troca de pequenas glórias efêmeras e de uns tostões furados pela sua miséria moral. O povo nem sabe que existiram, embora participe ativamente do seu enterro.

Saudades de 1964


Leandro Fortes



Da Carta Capital

Em 1º de março de 2010, uma reunião de milionários em luxuoso hotel de São Paulo foi festejada pela mídia nacional como o início de uma nova etapa na luta da civilização ocidental contra o ateísmo comunista e a subversão dos valores cristãos. Autodenominado 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, o evento teve como anfitriões três dos maiores grupos de mídia nacional: Roberto Civita, dono da Editora Abril, Otávio Frias Filho, da Folha de S.Paulo, e Roberto Irineu Marinho, da Globo.

O evento, que cobrou dos participantes uma taxa de 500 reais, foi uma das primeiras manifestações do Instituto Millenium, organização muito semelhante ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), um dos fomentadores do golpe de 1964 (quadro à pág. 28). Como o Ipes de quase 50 anos atrás, o Millenium funda seus princípios na liberdade dos mercados e no medo do “avanço do comunismo”, hoje personificado nos movimentos bolivarianos de Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales. Muitos de seus integrantes atuais engrossaram as marchas da família nos anos 60 e sustentaram a ditadura. Outros tantos, mais jovens, construíram carreiras, principalmente na mídia, e ganharam dinheiro com um discurso tosco de criminalização da esquerda, dos movimentos sociais, de minorias e contra qualquer política social, do Bolsa Família às cotas nas universidades.

Há muitos comediantes no grupo. No seminário de 2010, o “democrata” Arnaldo Jabor arrancou aplausos da plateia ao bradar: “A questão é como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo?” Isso, como? A resposta é tão clara como a pergunta: com um golpe. No mesmo evento brilhou Marcelo Madureira, do Casseta & Planeta. Como se verá ao longo deste texto, há um traço comum entre vários “especialistas” do Millenium: muitos se declaram ex-comunistas, ex-esquerdistas, em uma tentativa de provar que suas afirmações são fruto de uma experiência real e não da mais tacanha origem conservadora. Madureira não foge à regra: “Sou forjado no pior partido político que o Brasil já teve”, anunciou o “arrependido”, em referência ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o velho Partidão. Após a autoimolação, o piadista atacou, ao se referir ao governo do PT de então: “Eu conheço todos esses caras que estão no poder, eram os caras que não estudavam”. Eis o nível.

O símbolo do Millenium é um círculo de sigmas, a letra grega da bandeira integralista, aquela turma no Brasil que apoiou os nazistas. Jabor e Madureira estão perfilados em uma extensa lista de colaboradores no site da entidade, quase todos assíduos frequentadores das páginas de opinião dos principais jornais e de programas na tevê e no rádio. Montado sob a tutela do suprassumo do pensamento conservador nacional e financiado por grandes empresas, o instituto vende a imagem de um refinado clube do pensamento liberal, uma cidadela contra a barbárie. Mas a crítica primária e o discurso em uníssono de seus integrantes têm pouco a oferecer além de uma narrativa obscura da política, da economia e da cultura nacional. Replica, às vezes com contornos acadêmicos, as mesmas ideias que emanam do carcomido auditório do Clube Militar, espaço de recreação dos oficiais de pijama.

Meio empresa, meio quartel, o Millenium funciona sob uma impressionante estrutura hierárquica comandada e financiada por medalhões da indústria. Baseia-se na disseminação massiva de uma ideia central, o liberalismo econômico ortodoxo, e os conceitos de livre-mercado e propriedade privada. Tudo bem se fosse só isso. No fundo, o discurso liberal esconde um frequente flerte com o moralismo udenista, o discurso golpista e a desqualificação do debate público. Criado em 2005 com o curioso nome de “Instituto da Realidade”, transformou-se em Millenium em dezembro de 2009 após ser qualificado como Organização Social de Interesse Público (Oscip) pelo Ministério da Justiça. Bem a tempo de se integrar de corpo e alma à campanha de José Serra, do PSDB, nas eleições presidenciais de 2010. Em pouco tempo, aparelhado por um batalhão de “especialistas”, virou um bunker antiesquerda e principal irradiador do ódio de classe e do ressentimento eleitoral dedicado até hoje ao ex-presidente Lula.


Lamounier – O figurino dos anos 1960 no século XXI
O batalhão de “especialistas” conta com 180 profissionais de diversas áreas, entre eles, o jornalista José Nêumanne Pinto, o historiador Roberto DaMatta e o economista Rodrigo Constantino, autor do recém-lançado Privatize Já. A obra é um libelo privatizante feito sob encomenda para se contrapor ao livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr., sobre as privatizações nos governos de Fernando Henrique Cardoso que beneficiaram Serra e seus familiares. E não há um único dos senhores envolvidos com as privatizações dos anos 1990 que hoje não nade em dinheiro.

Os “especialistas” são todos, curiosamente, brancos. Talvez por conta da adesão furiosa da agremiação aos manifestantes anticotas raciais. A tropa é comandada pelo jornalista Eurípedes Alcântara, diretor de redação da revista Veja, publicação onde, semanalmente, o Millenium vê seus evangelhos e autos de fé renovados. Alcântara é um dos dois titulares do Conselho Editorial da entidade. O outro é Antonio Carlos Pereira, editorialista de O Estado de S. Paulo.

Alcântara e Pereira não são presenças aleatórias, tampouco foram nomeados por filtros da meritocracia, conceito caríssimo ao instituto. A dupla de jornalistas representa dois dos quatro conglomerados de mídia que formam a bússola ideológica da entidade, a Editora Abril e o Grupo Estado. Os demais são as Organizações Globo e a Rede Brasil Sul (RBS).

O Millenium possui uma direção administrativa formada por dez integrantes, entre os quais destaca-se a diretora-executiva Priscila Barbosa Pereira Pinto. Embora seja a principal executiva de um instituto que tem entre suas maiores bandeiras a defesa da liberdade de imprensa e de expressão – e à livre circulação de ideias –, Priscila Pinto não se mostrou muito disposta a fornecer informações a CartaCapital. A executiva recusou-se a explicar o formidável organograma que inclui uma enorme gama de empresas e empresários.

Entre os “mantenedores e parceiros”, responsáveis pelo suporte financeiro do instituto, estão empresas como a Gerdau, a Localiza (maior locadora de veículos do País) e a Statoil, companhia norueguesa de petróleo. No “grupo máster” aparece a Suzano, gigante nacional de produção de papel e celulose. No chamado “grupo de apoio” estão a RBS, o Estadão e o Grupo Meio & Mensagem.

Há ainda uma lista de 25 doadores permanentes, entre os quais, se incluem o vice-presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e o presidente da Coteminas, Josué Gomes da Silva, filho do falecido empresário José Alencar da Silva, vice-presidente da República nos dois mandatos de Lula. O organograma do clube da reação possui também uma “câmara de fundadores e curadores” (22 integrantes, entre eles o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco e o jornalista Pedro Bial), uma “câmara de mantenedores” (14 pessoas) e uma “câmara de instituições” com nove membros. Gente demais para uma simples instituição sem fins lucrativos.

Uma das atividades fundamentais é a cooptação, via concessão de bolsas de estudo no exterior, de jovens jornalistas brasileiros. Esse trabalho não é feito diretamente pelo instituto, mas por um de seus agregados, o Instituto Ling, mantido pelo empresário William Ling, dono da Petropar, gigante do setor de petroquímicos. Endereçado a profissionais com idades entre 24 e 30 anos, o programa “Jornalista de Visão” concede bolsas de mestrado ou especialização em universidades dos Estados Unidos e da Europa a funcionários dos grupos de mídia ligados ao Millenium.

Em 2010, quando o programa se iniciou, cinco jornalistas foram escolhidos, um de cada representante da mídia vincula-da ao Millenium: Época (Globo), Veja (Abril), O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e Zero Hora (RBS). Em 2011, à exceção de um repórter do jornal A Tarde, da Bahia, o critério de escolha se manteve. Os agraciados foram da Época (2), Estadão (1), Folha (2), Zero Hora (1) e revista Galileu (1), da Editora Globo. Neste ano foram contemplados três jornalistas do Estadão, dois da Folha, um da rádio CBN (Globo), um da Veja, um do jornal O Globo e um da revista Capital Aberto, especializada em mercado de capitais.

Para ser escolhido, segundo as diretrizes apresentadas pelo Instituto Ling, o interessado não deve ser filiado a partidos políticos e demonstrar “capacidade de liderança, independência e espírito crítico”. Os aprovados são apresentados durante um café da manhã na entidade, na primeira semana de agosto, e são obrigados a fazer uma espécie de juramento: prometer trabalhar “pelo fortalecimento da imprensa no Brasil, defendendo os valores de independência, democracia, economia de mercado, Estado de Direito e liberdade”.


Mainardi: sua covardia o levou a se esconder em Veneza
O Millenium investe ainda em palestras, lançamentos de livros e debates abertos ao público, quase sempre voltados para assuntos econômicos e para a discussão tão obsessiva quanto inútil sobre liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Todo ano, por exemplo, o Millenium promove o “Dia da Liberdade de Impostos” e organiza os debates “Democracia e Liberdade de Expressão”. Entre os astros especialmente convidados para esses eventos estão Marcelo Tas, da Band, e Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo, ambos de Veja. Humoristas jornalistas. Ou vice-versa.

O que toda essa gente faz e quanto cada um doa individualmente é mantido em segredo. Apesar da insistência de CartaCapital, a diretora-executiva Priscila Pinto mandou informar, via assessoria de imprensa, que não iria fornecer as informações requisitadas pela reportagem. Limitou-se a enviar nota oficial com um resumo da longa apresentação reproduzida na página eletrônica do Millenium sobre a missão do instituto. Entre eles, listado na rubrica “código de valores”, consta a premissa da transparência, voltada para “possibilidade de fiscalização pela sociedade civil e imprensa”. Valores, como se vê, bem flexíveis.

Josué Gomes e Gerdau também não atenderam aos pedidos de entrevista. O silêncio impede, no caso do primeiro, que se entenda o motivo de ele contribuir com um instituto cuja maioria dos integrantes sistematicamente atacou o governo do qual seu pai não só participou como foi um dos mais firmes defensores. E se ele é contra, por exemplo, a redução dos juros brasileiros a níveis civilizados. O industrial José Alencar passou os oito anos no governo a reclamar das taxas cobradas no Brasil. A turma do Millenium, ao contrário, brada contra o “intervencionismo estatal” na queda de braço entre o Palácio do Planalto e os bancos pela queda nos spreads cobrados dos consumidores finais.

No caso de Gerdau, seria interessante saber se o empresário, integrante da câmara de gestão federal, concorda com a tese de que a tentativa de redução no preço de energia é uma “intervenção descabida” do Estado, tese defendida pelo instituto que ele financia. Gerdau e Josué se perfilam, de forma consciente ou não, ao Movimento Endireita Brasil, defensor de teses esdrúxulas como a de que os militares golpistas de 1964 eram todos de esquerda.

O que há de transparência no Millenium não vem do espírito democrático de seus diretores, mas de uma obrigação legal comum a todas as ONGs certificadas pelo Ministério da Justiça. Essas entidades são obrigadas a disponibilizar ao público os dados administrativos e informações contábeis atualizadas. A direção do instituto se negou a informar à revista os valores pagos individualmente pelos doadores, assim como não quis discriminar o tamanho dos aportes financeiros feitos pelas empresas associadas.

A contabilidade disponível no Ministério da Justiça, contudo, revela a pujança da receita da entidade, uma média de 1 milhão de reais nos últimos dois anos. Em três anos de funcionamento auditados pelo governo (2009, 2010 e 2011), o Millenium deu prejuízos em dois deles.

Em 2009, quando foi certificado pelo Ministério da Justiça, o instituto conseguiu arrecadar 595,2 mil reais, 51% dos quais oriundos de doadores pessoas físicas e os demais 49% de recursos vindos de empresas privadas. Havia então quatro funcionários remunerados, embora a direção do Millenium não revele quem sejam, nem muito menos quanto recebem do instituto. Naquele ano, a entidade fechou as contas com prejuízo de 8,9 mil reais.

Em 2010, graças à adesão maciça de empresários e doadores antipetistas em geral, a arrecadação do Millenium praticamente dobrou. A receita no ano eleitoral foi de 1 milhão de reais, dos quais 65% vieram de doações de empresas privadas. O número de funcionários remunerados quase dobrou, de quatro para sete, e as contas fecharam no azul, com superávit de 153,9 mil reais.

Segundo as informações referentes ao exercício de 2011, a arrecadação do Millenium caiu pouco (951,9 mil reais) e se manteve na mesma relação porcentual de doadores (65% de empresas privadas, 35% de doações de pessoas físicas). O problema foi fechar as contas. No ano passado, a entidade amargou um prejuízo de 76,6 mil reais, mixaria para o volume de recursos reunidos em torno dos patrocinadores e mantenedores. Apenas com verbas publicitárias repassadas pelo governo federal, a turma midiática do Millenium faturou no ano passado 112,7 milhões de reais.

sábado, janeiro 26, 2013

O ‘cisma do Pacífico’

José Luís Fiori

“O Brasil era naturalmente líder, hoje a coisa é muito complicada. O continente se dividiu, há o “Arco do Pacífico”… Então de alguma maneira perdemos nossa relevância política no continente que era inconteste. Nunca chegamos a pensar uma negociação a fundo com os EUA, sempre tivemos medo”. F. H. Cardoso, Valor, 30/11/12

Na história do desenvolvimento sul-americano – depois da Segunda Guerra Mundial – o projeto de integração do continente nunca foi uma política de Estado, indo e vindo através do tempo, como se fosse uma utopia “sazonal”, que se fortalece ou enfraquece dependendo das flutuações da economia mundial e das mudanças de governo, dentro da própria América do Sul. Durante a primeira década do século XXI, os novos governos de esquerda do continente, somados ao crescimento generalizado da economia mundial – entre 2001 e 2008 – reavivaram e fortaleceram o projeto integracionista, em particular o Mercosul, liderado pelo Brasil e pela Argentina. Depois da crise de 2008, entretanto, esse cenário mudou: a América do Sul recuperou-se rapidamente, puxada pelo crescimento chinês, mas esse sucesso de curto prazo trouxe de volta e vem aprofundando algumas características seculares da economia sul-americana, que sempre obstaculizaram e dificultaram o projeto de integração, como seja, o fato de ser uma somatória de economias primário-exportadoras paralelas, e orientadas pelos mercados externos.

Essa situação de desaceleração ou impasse do “projeto brasileiro” de integração sul-americana, explica, em parte, o entusiasmo da grande imprensa econômica internacional, e o sucesso entre os ideólogos liberais latino-americanos, da nova “Aliança do Pacífico”, bloco comercial competidor do Mercosul, inaugurado pela “Declaração de Lima”, de abril de 2011, e sacramentado pelo “Acordo Marco de Antofagasta”, assinado em junho de 2012, pelo Peru, Chile, Colômbia e México. Quatro países com economias exportadoras de petróleo ou minérios, e adeptos do livre-comércio e das políticas econômicas ortodoxas. O entusiasmo ideológico, ou geopolítico, entretanto, encobre – às vezes – alguns fatos e dados elementares.

Os quatro membros da “nova aliança” já tinham assinado acordos prévios de livre- comércio com os EUA

O primeiro é que os quatro membros da “nova aliança” já tinham assinado acordos prévios de livre-comércio com os EUA e com um grande numero de países asiáticos. O segundo e mais importante é que o México pertence geograficamente à América do Norte, e desde sua incorporação ao Nafta, em 1994, se transformou num pedaço inseparável da economia americana e no território ocupado pela guerra entre os grandes cartéis da droga que fornecem a cocaína da sociedade americana, que vem, em boa parte, exatamente do Peru e da Colômbia.

Em terceiro lugar, os três países sul-americanos que fazem parte do novo bloco, têm territórios isolados por montanhas e florestas tropicais e são pequenas ou médias economias costeiras e de exportação, com escassíssimo relacionamento comercial entre si, ou com o México. O Chile é o único desses três países, que possui um clima temperado e terras produtivas, mas é um dos países mais isolados do mundo, e é quase irrelevante para a economia sul-americana. A soma do produto interno bruto dos três, é de cerca de U$ 800 bilhões, menos de um terço do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, e menos de um quarto do PIB do Mercosul. Além disso, o crescimento econômico recente do Chile, Peru e Colômbia foi quase igual ao do Equador e Bolívia, que também são andinos, não pertencem ao novo bloco, se opõem às políticas e reformas neoliberais, e devem ingressar brevemente no Mercosul, como aconteceu com a Venezuela.

Concluindo, se pode dizer com toda certeza que esse “cisma do Pacífico” tem mais importância ideológica do que econômica, dentro da América do Sul, e seria quase insignificante politicamente se não fosse pelo fato de se tratar de uma pequena fatia do projeto Obama de criação da “Trans-Pacific Economic Partenership” (TPP), peça central da sua política de reafirmação do poder econômico e militar americano na região do Pacífico. Desde 2010 o presidente Barack Obama vem insistindo na tecla de que os EUA são uma “nação do Pacífico” que se propõe exercer um papel central e de longo prazo no controle geopolítico e econômico dos dois lados do Pacífico, no Oceano Índico e no sul da Ásia.

Nesse sentido, é preciso ter claro que a inclusão do Brasil nesse novo “arco do Pacífico”, implica numa opção pela condição de “periferia de luxo” do sistema econômico mundial, e também significa, em última instância, apoiar e participar da estratégia americana de poder global, e ao mesmo tempo, de uma disputa regional, entre os EUA, o Japão e a China, pela hegemonia do leste asiático e do Pacífico Sul. Segundo o periódico Foreign Affairs,”caso as negociações deem resultados, o TPP injetará bilhões na economia americana, e solidificará o compromisso político, financeiro e militar de Washington com o Pacífico pelas próximas décadas” (julho/agosto 2012)

José Luís Fiori, professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro “O Poder Global”, da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ “O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”. Escreve mensalmente às quartas-feiras.

FONTE: Valor conômico

sexta-feira, janeiro 25, 2013

A LUZ QUE QUEIMA OS OLHOS DA IMPRENSA NÃO DEIXA O POVO CEGO


DAVIS SENA FILHO

Agora, a pergunta que teima em não calar: os empresários da mídia de mercado vão abrir mão das tarifas a preços mais baixos para e energia?
Estou aqui a pensar o que leva os megaempresários da imprensa, dos meios de comunicação comerciais e privados a nadar contra a maré ou a dar tiros em seus pés quando se trata de favorecer não somente o povo brasileiro, mas também a classe empresarial, dona e responsável pelo setor produtivo e que tem importantíssimo papel no que tange ao desenvolvimento da sociedade brasileira em todos os sentidos.

A presidenta trabalhista, Dilma Rousseff, anuncia a queda nos preços da luz, da energia, com o apoio quase unânime da população e dos empresários da Fiesp e da Firjan, além de outras federações do País. De forma incoerente e inconsequente, os donos de O Globo, Folha de S. Paulo e Estadão publicam editoriais contrários à diminuição dos preços de energia, fato este essencial para que o chamado custo Brasil tão criticado pelas famílias midiáticas e seus especialistas de prateleiras durante anos a fio, e que agora, de maneira oportunista e raivosa, questionam a decisão do Governo trabalhista e publicam palavras tão ridículas e sem sentido que até setores ideologicamente conservadores do mundo empresarial estão literalmente de saco cheio dos barões da imprensa de tradição golpista, pois os considero a categoria do empresariado mais reacionária e atrasada, a verdadeira lástima.

Como se percebe, tal empresariado midiático é e sempre vai ser contra os interesses do Brasil, porque eles são parte de uma plutocracia mundial que não tem pátria e muito menos sentimento de brasilidade. Eles são alienígenas e como tal não comportam em suas ações e atitudes a busca ou a luta para que o Brasil e seus cidadãos tenham acesso a uma vida de melhor qualidade, que propicie a conquista plena da cidadania e, consequentemente, sua emancipação.

Por isto e nada mais do que isto são publicados artigos e editoriais despidos de coerência e inteligência, porque essas palavras não fazem parte do dicionário da direita reacionária e herdeira da escravidão, que, de forma soberba e, por conseguinte, intolerante, negam o que pregavam e não se importam sequer com o que seus leitores pensam a respeito de tanta desfaçatez. Os barões da imprensa, realmente, querem ver o circo pegar fogo e assim darem continuidade a seus atos de oposição irada e feroz, porque eles sabem muito bem que o que está em jogo é a eleição presidencial de 2014, e ter de ver seus candidatos de direita derrotados pela quarta vez pelos trabalhistas e pior do que cortar os punhos.

Essa gente rancorosa e ressentida, que não desiste nunca vai fazer o possível e o impossível para derrotar o PT e seus aliados. Não importa se seus candidatos do PSDB ou de outro partido que o valha incorram em erros politicamente graves, a exemplo do mais recente, como no caso da queda dos preços da luz e da energia. Os líderes do PSDB e os barões da imprensa optaram por defender, evidentemente, os interesses das multinacionais e de seus rentistas, acionistas de empresas retransmissoras de energia que foram privatizadas, como ocorreu com o alter ego de FHC — o Neoliberal —, o senador tucano Aécio Neves, pré-candidato a presidente.

Não importa também para os editorialistas da imprensa de negócios privados se os governadores do Paraná, de São Paulo, de Minas Gerais e de Goiás, todos eles tucanos, e o de Santa Catarina, do PSD, boicotaram e ainda boicotam o programa do Governo Federal para baixar os preços das tarifas de energia elétrica. O que importa, sobremaneira, é fazer oposição sistemática e por isso irracional e perversa, mesmo se a energia custar menos para as empresas midiáticas familiares, monopolizadas, que, apobviamente, vão ser beneficiadas.

Agora, a pergunta que teima em não calar: os empresários da mídia de mercado vão abrir mão das tarifas a preços mais baixos para e energia? Respondo: não! E por quê? Porque empresário de imprensa e seus áulicos não dão ponto sem nó, apesar de seus imensos complexos de vira-latas e de suas mentes colonizadas e alienígenas. Contudo, e apesar de tudo, o Governo trabalhista de Dilma Rousseff vai continuar a efetivar programas e projetos para que a economia brasileira se fortaleça e continue a ofertar o pleno emprego, o que não acontece na Europa e nos EUA, coisa que a imprensa burguesa há alguns anos tentou esconder — censurar.

A economia vai crescer este ano, porque as bases para isso foram implementadas pelo Ministério da Fazenda cujo ministro, Guido Mantega, tornou-se alvo da imprensa conservadora que quer sua saída, como se o Mantega não fosse um dos principais responsáveis pelo Brasil estar a viver um ciclo formidável de desenvolvimento social e econômico. A caravana passa e a oposição grita. É seu direito de se expressar, inclusive direito constitucional. A luz que queima os olhos dos barões da imprensa não deixa o povo cego. E isso aí.

quarta-feira, janeiro 09, 2013

Apagão no governo Dilma, só na comunicação social

Por: Helena Stephanowitz

O teste de hipótese na velha imprensa é especular sobre racionamento elétrico a partir do baixo nível dos reservatórios. A previsão se assemelha a essa recente, sobre o fim do mundo

A situação de hoje é muito diferente da de 2001. Todo ano os reservatórios esvaziam na época da seca e enchem na 'época das chuvas, formando um ciclo. Há anos com maior abundância de chuva e outros com menor, por isso o sistema precisa ser monitorado para não ficar abaixo dos limites de segurança. Os reservatórios hoje estão baixos porque estão no pico da seca prolongada. Em 2001 os reservatórios ficaram em níveis baixos o ano inteiro. Esses números podem ser facilmente conferidos no ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Para desolação da turma que torce contra, a previsão probabilística do Instituto Nacional de Meteorologia prevê para este trimestre chuvas acima do normal em quase todo o território nacional.

O sistema hidrelétrico depende, sim, deste ciclo da chuva inerente à natureza, mas é óbvio que precisa ser planejado com margens de segurança, para não ter surpresas em anos de estiagem acima da média, como ocorreu em 2001, quando não havia termelétricas suficientes nem havia linhas de transmissão suficientes para transferir energia de uma região para outra, como hoje. Além disso as usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, começam a gerar energia e atingirão capacidade máxima nos próximos anos.

As especulações na velha imprensa não correspondem à realidade, mas, alinhada à oposição, essa velha imprensa está conseguindo ganhar a guerra da pauta, impondo como assuntos dominantes uma agenda negativa ao governo federal.

Lula também governou com um noticiário adverso semelhante, mas ele e seus ministros conseguiam fazer chegar à população as notícias positivas de seu governo. A velha imprensa equivalia àquelas pessoas chatas, pessimistas, as quais se você der muito ouvido passa o dia deprimido (e à toa). Lula era o outro lado da moeda, do Brasil que dava certo e superava seus obstáculos. E que ganhava respeito internacional. A velha mídia baixa a autoestima do brasileiro; Lula levantava. Quando o cidadão ia fazer um balanço via que o catastrofismo da velha imprensa era tão furado como o fim do calendário dos Maias, enquanto o governo Lula mostrava que estava certo, com seus resultados.

Dilma também tem resultados a mostrar, e provavelmente terá muito mais em 2014, com muitas inaugurações e transformações visíveis na vida das pessoas, mas se ela e seus ministros não ocuparem o espaço do noticiário da pauta positiva, continuará perdendo a guerra da pauta para a oposição que domina as redações.

Na comunicação do governo Lula, principalmente no segundo mandato, cada ministro cuidava de tocar as políticas públicas e realizações, mas também enfrentava os embates, davam entrevistas, explicavam o lado do governo diante dos ataques e travavam debates políticos com a oposição. Já a comunicação do governo Dilma parece a de um quartel onde os ministros não falam sem autorização hierárquica e tanto o planalto como os ministérios quase sempre se limitam a soltar notas à imprensa sobre suas realizações que, quando chegam nas redações, sofrem a “Lei de Ricúpero” às avessas: “O que é bom a mídia esconde, e o do que der para extrair notícia ruim a mídia escancara”.

No mês passado, o ministro das Minas e Energia comemorava em reunião interna 14,7 milhões beneficiados pelo programa "Luz para Todos", No último domingo, o programa Fantástico da TV Globo conseguiu a façanha de desconstruir o programa Luz para Todos (sem nem sequer citá-lo), mostrando uma casa sem luz como se aquilo fosse regra e não exceção. Até hoje não vi ninguém do governo dar alguma resposta à reportagem. Está prevalecendo a versão negativa do Fantástico.

Esta semana o que está bombando entre os jovens é o Sisu, para usar a nota do Enem como meio de ingresso nas universidade federais. É uma pequena revolução em relação ao antigo vestibular. No governo, um silêncio sepulcral. No programa de rádio Café com a Presidenta, o assunto nem foi lembrado.

Não se trata de pedir à presidenta para falar pelos cotovelos, nem se preocupar mais com a imagem do que com o conteúdo, porque no fim do mandato o povo julga pelos resultados e não pelos discursos. Mas é preciso que alguém no governo preencha o vácuo e enfrente as batalhas das pautas. O ideal é também liberar os ministros para atuarem como políticos que são, respondendo mais, dando mais entrevistas. Se houver um ou outro ruído em uma ou outra entrevista, como acontecia também no governo Lula, não é motivo para ameaça de demissão. O importante é acertar mais do que errar, e política exige uma dose de ousadia, sujeita a erros pontuais. Na comunicação também o ótimo é inimigo do bom. O silêncio, deixando a pauta vazia é o pior dos mundos, pois deixa a oposição com a avenida aberta para fazer um carnaval com factoides os mais absurdos.

A velha mídia já declarou reiteradamente atuar como partido de oposição. Se o governo tem líderes no Congresso para travar o bom combate político, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República precisa dos técnicos para fazer as coisas da forma correta, mas precisa também ter uma visão política do processo, atuando de forma pró-ativa.

O suicídio da imprensa brasileira


Emir Sader da Carta Maior

A imprensa brasileira está sob risco de desaparição e, de imediato, da sua redução à intranscendência, como caminho para sua desaparição.

Mas, ao contrário do que ela costuma afirmar, os riscos não vem de fora – de governos “autoritários” e/ou da concorrência da internet. Este segundo aspecto concorre para sua decadência, mas a razão fundamental é o desprestígio da imprensa, pelos caminhos que ela foi tomando nas ultimas décadas.

No caso do Brasil, depois de ter pregado o golpe militar e apoiado a ditadura, a imprensa desembocou na campanha por Collor e no apoio a seu governo, até que foi levada a aderir ao movimento popular de sua derrubada.

O partido da imprensa – como ela mesma se definiu na boca de uma executiva da FSP – encontrou em FHC o dirigente politico que casava com os valores da mídia: supostamente preparado pela sua formação – reforçando a ideia de que o governo deve ser exercido pela elite -, assumiu no Brasil o programa neoliberal que já se propagava na América Latina e no mundo.

Venderam esse pacote importado, da centralidade do mercado, como a “modernização”, contra o supostamente superado papel do Estado. Era a chegada por aqui do “modo de vida norteamericano”, que nos chegaria sob os efeitos do “choque de capitalismo”, que o país necessitaria.

O governo FHC, que viria para instaurar uma nova era no país, fracassou e foi derrotado, sem pena, nem glória, abrindo caminho para o que a velha imprensa mais temia: um governo popular, dirigido por um ex-líder sindical, em nome da esquerda.

A partir desse momento se produziu o desencontro mais profundo entre a velha imprensa e o país real. Tiveram esperança no fracasso do Lula, via suposta incapacidade para governar, se lançaram a um ataque frontal em 2005, quando viram que o governo se afirmava, e finalmente tiveram que se render ao sucesso de Lula, sua reeleição, a eleição de Dilma e, resignadamente, aceitar a reeleição desta.

Ao invés de tentar entender as razoes desse novo fenômeno, que mudou a face social do pais, o rejeitou, primeiro como se fosse falso, depois como se se assentasse na ação indevida e corruptora do Estado. A velha mídia se associou diretamente com o bloco tucano-demista até que, se dando conta, angustiada, da fragilidade desse bloco, assumiu diretamente o papel de partido opositor, de que aqueles partidos passaram a ser agregados.

A velha mídia brasileira passou a trilhar o caminho do seu suicídio. Decidiu não apenas não entender as transformações que o Brasil passou a viver, como se opor a elas de maneira frontal, movida por um instinto de classe que a identificou com o de mais retrogrado o pais tem: racismo, discriminação, calunia, elitismo.

Não há mais nenhuma diferença entre as posições da mídia – a mesma nos principais órgãos – e os partidos opositores. A mídia fez campanha aberta para os candidatos à presidência do bloco tucano-demista e faz oposição cerrada, cotidiana, sistemática, aos governos do Lula e da Dilma.

Tem sido a condutora das campanhas de denúncia de supostos casos de corrupção, tem como pauta diária a suposta ineficiência do Estado – como os dois eixos da campanha partidária da mídia.

Certamente a internet é um fator que acelera a crise terminal da velha mídia. Sua lentidão, o fato de que os jovens não leem mais a imprensa escrita, favorece essa decadência.

Mas a razão principal é o suicídio politico da velha mídia, tornando-se a liderança opositora no pais, editorializando suas publicações do começo ao final, sendo totalmente antidemocráticas na falta de pluralismo sequer nas paginas de opinião, assumindo um tom golpista histórico na direita brasileira.

Caminha assim inexoravelmente para sua intranscendência definitiva. Faz campanha, em coro, contra o governo da Dilma e contra o Lula, mas estes tem apoio próximo aos 80%, enquanto irrisórias cifras expressam os setores que assimilam as posições da mídia.

Uma pena, porque a imprensa chegou a ter, em certos momentos, papel democrático, com certo grau de pluralidade na história do pais. Agora, reduzida a um simulacro de “imprensa livre”, ancorada no monopólio de algumas famílias decadentes, caminha para seu final como imprensa, sob o impacto da falta de credibilidade total. Uma morte anunciada e merecida.

As manchetes contra a redução tarifária



Da Carta Maior

Faca na boca contra o desenvolvimento


Saul Leblon

O empenho das manchetes alarmistas em equiparar o horizonte elétrico atual ao desastre construído pelo tucanato no apagão de 2001 é compreensível.

Aquele foi o episódio-síntese de um erro histórico clamoroso ungido em doutrina política pelo PSDB e assemelhados.

Seu nome é dissociação entre Estado e agenda do desenvolvimento.

Doze anos e um colapso mundial do capitalismo desregulado se passaram.

Inútil.

Diga planejamento público da economia. Ou comando estatal do crescimento. Um exército tucano sairá em revoada de faca na boca.

Estão na praça, de novo, desbastando pescoços e goelas para abrir caminho ao Adam Smith das gerais.

O apagão de 2001 machuca e atrapalha esse labor: o iluminismo tropical colonizado pelos livres mercados revelou-se então puro obscurantismo conservador.

Uma contradição nos seus próprios termos dói mais que pancada.

Prescindir do planejamento estatal na área de energia é algo só concebível em uma época em que a mentalidade política foi esfericamente colonizada pelo espírito imediatista e predador dos ditos mercados autossuficientes.

O dispositivo midiático e o PSDB foram os sujeitos históricos dessa aventura no Brasil.

Livre da mão pesada do 'intervencionismo' estatal,os mercados alocariam os investimentos da forma mais eficiente, ao menor custo e da maneira mais rápida possível. Era a promessa.

Em meados de maio de 2001, esse conto de fadas midiático-ortodoxo havia cavado uma diferença de robustos 20% entre a oferta e a demanda de eletricidade no mercado nacional.

Um período de chuvas de baixa pluviosidade pôs a nu a fraude.

O país se viu diante de uma contabilidade crítica: duas horas de apagão para cada dez de consumo.

Colosso.

O governo Dilma, ao contrário, projeta uma queda de 20% no custo da tarifa elétrica impondo às concessionárias corte de preços proporcionais ao valor dos investimentos amortizados.

A relação antagônica entre os 20% do PSDB e os 20% de Dilma é intolerável numa disputa sangrenta como promete ser a de 2014.

A necessidade de criar uma vacina ao 'apagão' emplumado explica o empenho das manchetes nos dias que correm.

Exemplos desta terça-feira, 08-01:

'Grandes indústrias já planejam racionar energia' (Globo); 'Falta de chuvas pode tolher 5 pontos do desconto na energia' (Valor);'Governo já vê risco de racionamento de energia' (Estadão)

Fatos:

a) os reservatórios do sistema hidrelétrico nacional realmente encontram-se em níveis críticos. Próximos ou até um pouco abaixo dos níveis registrados nos anos de 2000 e 2001, quando o governo tucano acordou de seu sonho mercadista, sem contrapesos de planejamento para enfrentar a escassez;

b) sábios que voltaram a borrifar seu 'iluminismo' peculiar contra os 'obscurantistas estatizantes' haviam contratado uma escuridão estrutural em pleno século 21;

c) o apagão tucano custou 3 pontos do PIB; mais um salário mínimo per capita em impostos emergenciais adicionados à conta de luz de cada brasileiro. Investimentos foram engavetados. O desemprego em São Paulo, em abril do ano seguinte, bateu em 20,4% (no auge da Depressão nos EUA, em 1937, chegou a 27%);

d) justiça seja feita: foi apenas o tiro de misericórdia numa economia já desidratada pela ortodoxia monetária, asfixiada pelo endividamento interno e externo, escalpelada pela fuga de capitais. O oposto do que ocorre hoje;

e) entre 2001 e 2012 a capacidade instalada de geração de energia no Brasil cresceu 75%;

f) o estoque de emergência formado por termelétricas aumentou 150% no mesmo período;

g) a capacidade de realocação de energia entre as regiões (os linhões de integração do sistema), cresceu 68%;

h) em setembro de 2011, a Presidenta sintetizou a guinada indo à jugular do iluminismo às avessas: "Tivemos que reconstruir esse setor";

i) a reconstrução inclui um Plano Decenal que prevê 71 novas usinas até 2017, com potencial de geração de 29.000 MW ( o equivalente a duas Itaipus).

Em resumo: encerrou-se o hiato de três décadas sem o planejamento público de grandes obras no país.

O êxito desse resgate --o comando de Estado sobre um setor estratégico-- vitaminado ademais por um redução no custo tarifário, é incompatível com os planos do conservadorismo para 2014.

O próprio FHC tem advertido aos mais entusiasmados com a aliança entre togas & tucanos.

Não adianta ganhar na narrativa midiática se o 'povão', a gente diferenciada, como dizem seus vizinhos de Higienópolis, 'percebe' avanços sociais e econômicos como conquistas carimbadas com o selo de Lula e Dilma.

É indispensável desautorizar o modelo que lastreia esse sentimento.
É crucial provar que o comando de Estado sobre os mercados é ineficiente.

Se possível, desastroso.

Será preciso chover muito para afogar essa sede incontida. Do contrário, as manchetes prosseguirão na faina de antecipar o colapso --' que só não foi hoje porque virá amanhã'.

Uma última observação:

o dispositivo midiático conservador está tão entretido nessa labuta, que descuidou dos destaques internacionais deste início de semana.

Compare-se, por exemplo, o espaço destinado à grita gerada pelo ajuste contábil nas contas fiscais de 2012, com o tratamento respeitoso dispensado a outro arranjo ,mutatis mutandis, este sim temerário e escandaloso.

O prazo para o sistema bancário mundial lastrear empréstimos em ativos de qualidade superior à montanha tóxica esfarelada com a ordem neoliberal, foi protelado por mais quatro anos.

Só deve vigorar plenamente em 2019. Ou seja, 11 anos depois de iniciada a crise decorrente justamente dessa falta de cobertura.

Originalmente, a banca deveria ingressar em 2015 já municiada de "ativos líquidos de alta qualidade" para enfrentar 30 dias de crise.

Isto é, para não exigir que os cofres estatais e os fundos públicos tenham que ser drenados outra vez na salvação de banqueiros irresponsáveis e rentistas gulosos.

A torre de vigia do orçamento fiscal brasileiro, formada como se sabe por argutos jornalistas do ramo, não expressou sua indignação diante da manobra contábil, que mantém o sistema financeiro global vulnerável por mais sete longos anos.

Não se diga que o legado da desordem financeira justifique o comedimento.

A taxa de desemprego nos 17 países da zona do euro atingiu um novo recorde: foi a quase 12% no final de 2012.

Ao todo, 26 milhões de pessoas estão sem trabalho na União Europeia. A taxa vai a 24,4% entre os jovens.

Na Espanha direitista e zelosa da ortodoxia que gerou a crise, o desastre atinge seu cume: 26,6% dos espanhóis vivem à deriva sem trabalho.

Tudo em nome da austeridade fiscal, cujo padrão os sabichões tucanos reclamam de volta para o Brasil.(Leia a análise de Paul Krugman sobre o tema fiscal nesta pág.)

Afrontá-los não implica, naturalmente, aderir a uma leitura rasteira do keynesianismo, nivelando-o a um vale tudo fiscal.

Trata-se, porém, de rejeitar no plano financeiro, também, a dissociação entre Estado e desenvolvimento, cujo equívoco ficou escancarado no episódio do apagão tucano.

Quando a sirene ortodoxa faz soar o seu apito porque o Brasil não cumpriu a meta cheia do superávit em 2012 --e o governo acode em atendê-la contabilmente-- é o subtexto desse interdito que está gritando a sua saturação também.

Constituir um Estado democrático que detenha igualmente a iniciativa histórica no plano financeiro é um dos desafios da agenda do desenvolvimento pós-2008.

Em seu artigo desta 3ª feira no jornal Valor, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo dá uma pista de como esse degrau pode ser vencido:

"A estratégia chinesa inclui um forte controle e direcionamento do crédito, cuja oferta está concentrada nos cinco grandes bancos públicos. Depois da crise de 2007/08, a relação crédito/PIB avançou de 200% para 250% (NR no Brasil é da ordem de 51%). Os principais tomadores foram as empresas públicas, privadas e semi-públicas dedicadas à execução dos grandes projetos de infraestrutura, sobretudo ferrovias de alta velocidade e infraestrutura urbana com atenção especial para o transporte coletivo".

Comentário E & P

Na verdade a imprensa brasileira está numa campanha desesperada para impedir que o Brasil ponha em prática um projeto nacional de desenvolvimento. A subelite brasileira aqui instalada e que age de acordo com os interesses de Washigton não quer que o Brasil seja um país livre. A guerra da Globo, Folha, Veja e Estado contra a queda dos juros e do custo de energia elétrica pode ser explicada que eles expressam interesses dos banqueiros nacionais e internacionais e dos acionistas das empresas que querem cobrar ad perpetum a amortização de usina elétricas. Os juros altos tem a dupla função, primeira a de locupletar a subelite brasileira que ganhou trilhões nos últimos 20 anos com os juros altos e segundo inibir o investimento no Brasil. O mesmo acontece com o custo da energia elétrica, beneficia acionistas de empresas que um dia foram estatais e vendiam energia barata e encarece o custo de se produzir no Brasil. Os juros altos assim como a energia cara tem a dupla função de manter uma minoria se apropriando dos recursos do povo brasileiro ao mesmo tempo que dificulta um desenvolvimento autônomo e soberano. Nenhum país do mundo conseguiu se desenvolver com juros altos e energia elétrica cara.Isso mostra bem que a imprensa brasileira repercute os interesses de uma ínfima parcela da população, retirando dinheiro que deveria ser gasto com os brasileiros, para que uma subelite possa se esbaldar com brinquedos caros, como ferraris e bmws, assim como manter o Brasil pobre e fraco para ser uma colônia dos Estados Unidos e da Europa.

terça-feira, janeiro 08, 2013

O DINHEIRO DO BNDES E O DESENVOLVIMENTO NACIONAL


(JB) - Como vimos no ano passado, o maior desafio que o Brasil irá enfrentar nos próximos anos será o de elevar o crescimento médio do PIB ao menos para nível comparável aos outros países da América Latina. Embora o câmbio seja frequentemente citado como um problema — multiplicamos o crédito para o mercado interno, mas as importações já representam 20% da aquisição de bens de consumo no Brasil — não é só a valorização do real que está afetando o nosso crescimento. O problema mais grave é o da taxa de investimentos com relação ao PIB, extremamente baixa com relação aos outros países do BRICS, e uma das menores do mundo.

No grupo de 20 países “emergentes”, classificados pela Standard & Poors, o Brasil só investe mais que o Egito e as Filipinas. Na América do Sul, países como o Chile, o Peru e a Colômbia alcançam taxas de investimento próximas de 25%, e, nos BRICS, China e Índia investiram aproximadamente 47% e 32% de seus respectivos PIBs em 2010, enquanto nós só investimos 19,5% naquele ano, número que caiu para 18,4% em 2012.
A China e a Índia, além da iniciativa privada, contam com o Estado como investidor direto na economia, enquanto o Brasil entregou à iniciativa privada a responsabilidade pela expansão da atividade produtiva.

Aqui, o Estado não pode, como se faz na China e na Índia, investir diretamente em meios de produção. A presença do Estado na produção, em nosso país, é assunto tabu. E boa parte da mídia propaga e defende o dogma de que o Estado é, naturalmente, perdulário e ineficiente, que ele já é em nosso país intervencionista em excesso, e que a “mão invisível” do mercado é que cria a riqueza e possibilita o desenvolvimento.

Ao contrário do bordão, a China e a Índia crescem, todos os anos, com os índices mais altos do mundo, porque ali o Estado está presente em todas as áreas da economia e reinveste diretamente parte de seus recursos em atividades produtivas, distribuidoras e multiplicadoras. É assim que a China se prepara para ser a maior economia do planeta.

Essa estratégia não é exclusiva de países como a Índia e a China — que já compraram grandes indústrias estrangeiras, como a Volvo e a Land Rover. Na Europa, grandes conglomerados estatais dominam a economia, com participação acionária direta em áreas que incluem a indústria aeroespacial, naval, de administração de aeroportos e ferrovias.

Nos Estados Unidos, onde o Exército controla a geração hidrelétrica, também ocorre o mesmo, como é o caso do transporte ferroviário de passageiros, a cargo da estatal federal AMTRAK, que administra mais de 220 mil quilômetros de linhas. Podem contra-argumentar que a empresa, criada pelo republicano Nixon, é deficitária, e seu prejuízo é coberto pela União. Mas a sua importância para a economia norte-americana como um todo compensa, com vantagens, o subsídio do Tesouro.

Enquanto isso ocorre nesses grandes países, no Brasil, o dinheiro público é usado para financiar empresas teoricamente “privadas” — muitas delas multinacionais estatais controladas por governos estrangeiros — em vez de obrigá-las a buscar dinheiro fora para investir efetivamente aqui dentro.

O BNDES vem aplicando bilhões de reais na “expansão” de empresas como a Vivo, que, além de não trazer dinheiro, remete seus lucros para o exterior, drenando da economia nacional recursos que poderiam ser empregados na expansão do nível de investimento. Melhor seria que o BNDES entrasse diretamente no mercado, em associação com empresas privadas nacionais, obrigando as empresas de fora a trazer recursos efetivos de suas respectivas matrizes do que agir como mero agente financiador de “investimentos” alheios. Se todo mundo — inclusive os estrangeiros — montar prioritariamente com os recursos do tesouro, via BNDES, recursos que não são elásticos, seu negócio no Brasil, nunca sairemos do nível medíocre de investimento em que estamos patinando agora.

O Brasil, com o seu imenso mercado interno, não pode continuar se submetendo à chantagem de certos setores da “iniciativa privada”, exercida mediante grandes meios de comunicação nacionais e internacionais, como The Economist, e dos “analistas” e “colunistas” do “mercado”.

Enquanto China e Índia cobram caro a entrada de capital estrangeiro em seus mercados (a Argélia, por exemplo, acaba de exigir participação de 51% na nova fábrica da Renault que está se instalando em seu território), o governo brasileiro cede a pressões imperativas de estatais estrangeiras na concessão de aeroportos e ainda financia sua entrada e expansão em nosso mercado interno a juros subsidiados.
O PIB aqui não cresce, porque o governo delegou apenas à iniciativa “privada” a iniciativa de expandir o investimento. Esse investimento tem sido praticamente nulo em muitos grandes negócios, nos quais não entra dinheiro novo, já que os recursos para novas montadoras de automóveis, rodovias, ferrovias, portos, estaleiros, indústria de defesa, acabam saindo, majoritariamente, do de financiamento público nacional.

É fácil, aos estrangeiros, fazer cortesia com o chapéu alheio e posar de grandes investidores, com a cumplicidade dos grandes meios de comunicação, quando, em muitos casos, de cada dez reais, oito estão saindo do bolso do contribuinte.
Dessa forma, dificilmente atingiremos a modesta meta de alcançar 25% do PIB em investimentos em 2016. O governo precisa entrar diretamente no jogo, transformando o BNDES em investidor direto na economia, — como fazem a Alemanha, a Espanha e a França, com suas grandes holdings estatais. Com os recursos das reservas internacionais, do Tesouro, e do próprio BNDES, bem administrados, se poderia estabelecer a meta de investir, apenas por parte do Estado, ao menos 15% do PIB, para daqui a uma década, patamar que se poderia complementar, a partir desse nível, pelas aplicações da iniciativa privada.

Quem não tiver competência — e recursos — que não se estabeleça no mercado nacional. Dinheiro, lá fora, existe. Só a China conta com 4 trilhões de dólares em reservas internacionais e em seu fundo soberano. A diferença entre investir 47% do PIB ao ano ou 18%, é deixar que o Estado trabalhe livre e planejadamente para cumprir, ao lado dos outros agentes, o seu papel na expansão da atividade econômica. O que ele não pode fazer, como está fazendo cada vez mais em nosso país, é bancar, praticamente, a maior parte dos novos grandes investimentos sozinho.

Por Mauro Santayana
http://www.maurosantayana.com/2013/01/o-dinheiro-do-bndes-e-o-desenvolvimento.html

Heitor Costa: Falar em racionamento é “irresponsabilidade”


Qual racionamento?

Risco de um novo racionamento de energia elétrica?

por Heitor Scalambrini Costa


2001/2002 ficará marcado como o período em que o Brasil mergulhou no racionamento de energia devido ao desabastecimento ocorrido. Regiões do país não puderam ser atendidas nas suas necessidades de energia elétrica, pela “barbeiragem” do governo federal da época, que não planejou bem, não fez os investimentos necessários, além de implantar um modelo mercantil no setor elétrico, que contribuiu de maneira decisiva ao colapso energético. Quem afinal “pagou o pato”, digo a conta de energia mais cara, foi o consumidor final.

2011/2012 ficará marcado com os anos das tarifas astronômicas (mesmo a geração sendo mais de 70% de hidrelétricas), e dos “apagões”, denominação das interrupções temporárias no fornecimento de energia elétrica, resultando na baixa qualidade do serviço oferecido. Responsabilidade do governo federal, cujos gestores do setor elétrico aprofundaram o modelo mercantil, e cometeram erros crassos na política energética, optando por ofertar energia, com a construção de usinas termelétricas a combustíveis fósseis, usinas nucleares e mega hidrelétricas na região Amazônica. E não priorizaram a diversificação da matriz energética com as novas fontes renováveis, e nem a eficientização no uso da energia.

2013 inicia-se diante de declarações e ameaças sobre a possibilidade de um risco iminente de um novo desabastecimento de energia elétrica, principalmente pela situação de estiagem prolongada, resultando no baixo nível dos reservatórios, e com chuvas previstas insuficientes para recompor os estoques.

É necessário que se diga, alto e em bom som, que a curto prazo não existe possibilidade de risco de faltar energia para atender a demanda atual. O pífio desempenho da economia nacional, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB), favoreceu a que o país não sofresse uma nova crise energética nos moldes da ocorrida em 2001/2002. Se o PIB tivesse sido de 4,5%, como previsto inicialmente para o ano de 2012, o consumo da indústria estaria bem maior, e ai sim haveria risco iminente de faltar energia. E em 2013, as previsões do crescimento econômico já estão abaixo das previsões sempre otimistas e super dimensionadas do governo federal. E são nestes previsões governamentais que se baseia o planejamento energético na oferta de energia.

O que ocorrerá sem dúvida será um aumento nas tarifas devido ao repasse dos custos da energia elétrica bem mais cara das usinas termelétricas, que estão funcionando desde o final do ano passado a todo vapor (literalmente). Logo, os aumentos que ocorrerão nos próximos anos vão absorver toda a redução da tarifa obtida com a medida provisória – MP 579. Dá-se ao consumidor com uma mão, e retira com a outra.

Já a médio prazo, a situação não é tranqüila para o setor elétrico, desde que continuem os erros serem cometidos. E a situação somente mudará se houver uma guinada de 180º na política energética em nosso país.

O que se pode extrair da conjuntura atual, com declarações e ameaças de um novo racionamento de energia, é que a sucessão presidencial começou. Não se deve politizar uma coisa tão séria para o país, como a questão da energia. Com risco de criar o descrédito da população em um setor estratégico, que vai além dos governos de plantão, e mesmo levar o pânico com a possibilidade de faltar energia.

A irresponsabilidade é tanta, que pouco importa o país. O principal é a desconstrução de quem esta no poder. E ai vale tudo. Já vimos esta estória em anos recentes.

Por sua vez o “deus mercado” começa a responder ao jogo político. As bolsas de valores começam a impor o sobe e desce dos papeis das companhias elétricas. Onde vai parar esta histeria provocada?

É hora da sociedade civil se apropriar deste setor até então “monocraticamente” dominado por alguns “especialistas” iluminados, e apadrinhados políticos ungidos a cargos decisórios; e fazer valer sua força quando organizada. Já que tanto o governo, como setores da oposição não têm mais credibilidade junto à sociedade, vale o que disse o poeta “Quem sabe faz a hora. Não espera acontecer”.

*Professor da Universidade Federal de Pernambuco

Paul Krugman: Os fracassados continuam no poder, com ideias ruins


As lições de um fracasso colossal

É tentador argumentar que os fracassos econômicos dos últimos anos provam que os economistas não têm as respostas. Mas a verdade é ainda pior: na realidade, a economia padrão ofereceu boas respostas, mas os líderes políticos – e todos os demais economistas – escolheram esquecer ou ignorar o que eles deveriam saber. Acabamos de experimentar um fracasso colossal da política econômica e muitos dos responsáveis por esse fracasso se recusam a aprender com a experiência. O artigo é de Paul Krugman.

Reproduzido na Carta Maior

“Obama deveria assumir a frente deste debate sobre a economia — ir ao ataque — em vez de permitir os republicanos de controlar a retórica”.

É aquela época novamente: o encontro anual da Associação Americana de Economia e afiliadas, uma espécie de feira medieval, que serve como um mercado para corpos (recém-cunhadas Ph.D. ‘s em busca de emprego), livros e idéias. E este ano, como em reuniões anteriores, há um tema dominante em discussão: a crise econômica em curso.

Não é assim que as coisas deveriam ser. Se você tivesse entrevistado os economistas presentes nesta reunião, há três anos, a maioria deles teria certamente previsto que até agora nós estaríamos falando sobre como a Grande Depressão terminou e não porque ele ainda continua.

Então, o que deu errado? A resposta, principalmente, é o triunfo de idéias ruins.

É tentador argumentar que os fracassos econômicos dos últimos anos provam que os economistas não têm as respostas. Mas a verdade é na verdade pior: na realidade, a economia padrão ofereceu boas respostas, mas os líderes políticos — e todos os demais economistas — escolheram esquecer ou ignorar o que eles deveriam saber.

A história, neste ponto, é bastante simples. A crise financeira levou, através de vários canais, a uma queda acentuada do consumo privado: o investimento residencial caiu como o estouro da bolha imobiliária, os consumidores começaram a poupar mais quando a riqueza ilusória criada pela bolha desapareceu, enquanto a dívida hipotecária permaneceu. E esta queda do consumo privado levou, inevitavelmente, a uma recessão global.

Uma economia não é como uma família. Uma família pode decidir gastar menos e tentar ganhar mais. Mas na economia como um todo, os gastos e ganhos andam juntos: meus gastos são a sua renda, o seu gasto é minha renda. Se todo mundo tenta reduzir os gastos ao mesmo tempo, a renda vai cair — e o desemprego vai subir.

Então, o que pode ser feito? Um pequeno choque financeiro, como o estouro da bolha pontocom, no final da década de 1990, pode ser satisfeito pelo corte das taxas de juro. Mas a crise de 2008 foi muito maior, e nem mesmo cortar as taxas a zero não foi suficiente.

Nesse ponto, os governos precisam intervir, passando a apoiar suas economias enquanto o setor privado recupera o seu equilíbrio. E, em certa medida isso de fato aconteceu: a receita caiu drasticamente na crise, mas os gastos realmente cresceram conforme programas como o seguro-desemprego se expandiram e o estímulo econômico temporário entrou em vigor. Os déficits orçamentais aumentaram, mas isso foi uma coisa boa, provavelmente a razão mais importante pela qual não tivemos um replay completo da Grande Depressão.

Mas tudo deu errado em 2010. A crise na Grécia foi iniciada, erroneamente, como um sinal de que todos os governos deveriam reduzir os gastos e déficits imediatamente. Austeridade tornou-se a ordem do dia, e supostos especialistas que deveriam ter estudado melhor aplaudiram o processo, enquanto as advertências de alguns economistas (mas não suficientes) de que a austeridade iria atrapalhar a recuperação foram ignoradas. Por exemplo, o presidente do Banco Central Europeu, que confiantemente afirmou que “a idéia de que as medidas de austeridade poderiam desencadear a estagnação é incorreta”.

Bem, alguém estava errado, tudo bem.

Dos trabalhos apresentados nesta reunião, provavelmente o maior flash veio de um apresentado por Olivier Blanchard e Leigh Daniel do Fundo Monetário Internacional. Formalmente, o documento representa apenas as opiniões dos autores, mas o Sr. Blanchard, economista-chefe do FMI, não é um pesquisador comum, e o trabalho foi amplamente interpretado como um sinal de que o Fundo teve uma grande reavaliação da política econômica.

O que o documento conclui não é apenas que a austeridade tem um efeito depressivo sobre as economias fracas, mas que o efeito adverso é muito mais forte do que se acreditava anteriormente. A volta prematura à austeridade, ao que parece, foi um erro terrível.

Eu vi alguns relatórios descrevendo o documento como uma admissão do FMI que não sabe ao certo o que está fazendo. Que perde o ponto. O Fundo era realmente menos entusiasmado com a austeridade do que outros grandes jogadores. Na medida em que ele diz que estava errado, ele está dizendo também que todos os outros (exceto os economistas céticos) estavam ainda mais errados. E merece crédito por estar disposto a repensar a sua posição à luz de provas.

A notícia realmente ruim é a forma como alguns outros jogadores estão fazendo o mesmo. Os líderes europeus, tendo criado a Depressão a nível de sofrimento em países devedores sem restaurar a confiança financeira, ainda insistem que a resposta é ainda mais dor. O atual governo britânico, que matou uma recuperação promissora, transformando em austeridade, recusa-se completamente a considerar a possibilidade de que ele cometeu um erro.

E aqui nos Estados Unidos, os republicanos insistem que eles vão usar um confronto sobre o teto da dívida — uma ação profundamente ilegítima por si só — para exigir cortes de gastos que nos impulsionariam de volta à recessão.

A verdade é que acabamos de experimentar um fracasso colossal da política econômica — e muitos dos responsáveis por esse fracasso, retém o poder e se recusam a aprender com a experiência.