terça-feira, dezembro 18, 2012

Ouro negro


Valor Econômico (SP)

Por Jorge Arbache e Fernando Arbache


Referindo-se à divisão da Europa em duas partes logo após o final da Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill afirmou que "uma cortina de ferro" havia cortado o continente dando origem à guerra fria. A crescente tensão entre os blocos fez com que cada lado buscasse tecnologias bélicas que melhores condições oferecessem para prevalecer sobre o oponente. Essa corrida impulsionou a ciência e a tecnologia e dali surgiriam grandes inovações que acabariam sendo empregadas para uso civil, como o jato comercial e a internet.
Mas a guerra fria deu lugar a outra corrida, a espacial. Em 1957, a União Soviética lançava o Sputnik, primeiro satélite artificial do mundo. Os Estados Unidos reagiriam colocando o primeiro homem na lua. Anos depois, a corrida se estendeu às estações orbitais e às missões de exploração dos planetas que nos rodeiam.

"Petróleo do pré-sal poderá fazer emergir toda uma economia do conhecimento e da inovação no país"

A busca pelo desenvolvimento da tecnologia espacial levou os Estados Unidos a criarem fantásticas instituições de pesquisa e indústrias tecnológicas e a liderarem os rankings de registros de patentes. Orientados por muito senso de oportunidade, os americanos redirecionaram suas inovações para o mercado civil e passaram a receber bilhões de dólares pela remuneração das suas patentes e pela venda de produtos e serviços que mudariam para sempre a nossa maneira de viver. De fato, se originam da corrida espacial tecnologias como a transmissão via satélite de televisão e telefonia, GPS, telemedicina, lente de contato, forno de micro-ondas, velcro, fralda descartável, termômetro digital, código de barras, equipamentos sem fio e a frigideira antiaderente.
O Brasil também pode estar prestes a viver a sua corrida espacial. Isto porque está surgindo uma oportunidade que, guardadas as devidas proporções e diferenças de motivação, poderá fazer emergir toda uma economia do conhecimento e da inovação. Trata-se do petróleo do pré-sal. As reservas de óleo na camada pré-sal têm diversas restrições que impossibilitam a sua extração com as tecnologias disponíveis. A jazida está localizada em uma imensa área de 200 quilômetros de largura por 800 quilômetros de extensão, estendendo-se do Espírito Santo até Santa Catarina. As reservas estão a milhares de metros abaixo do nível do mar, sendo necessário ultrapassar uma lâmina d'água de mais de dois quilômetros, uma camada de mais de um quilômetro de sedimentos e outra superior a dois quilômetros de sal.
Além disso, a distância entre a costa e os futuros poços de perfuração é de 300 quilômetros em média, o que aumenta sobremaneira a complexidade logística de transporte de pessoas, equipamentos e óleo. Outras grandes barreiras são a segurança em condições extremas de operação e a tecnologia para se evitarem e mitigarem impactos ambientais.
Para vencer todos esses desafios, serão necessários investimentos de dezenas de bilhões de dólares em novas tecnologias. Em certa medida, esses desafios são semelhantes aos encontrados pelos Estados Unidos na corrida espacial, pois, até aquele momento, também não havia tecnologias para se explorar o espaço.

Seria o pré-sal para o Brasil o que a corrida espacial foi para os Estados Unidos? Não resta dúvida que, do ponto de vista científico e econômico, a exploração do pré-sal é a nossa maior oportunidade de investimentos, avanço tecnológico, adensamento e dinamização de cadeias produtivas. Como ainda não se dominam as tecnologias, abre-se um gigantesco leque de oportunidades de investimentos em conhecimento e avanço industrial. Há grande valor social e justificativa econômica para o fomento dessas atividades, pois tratam-se de atividades novas - atividades de descoberta.

Por isso, o governo deve incentivar e participar com o setor privado nos riscos envolvidos. Essa fronteira de desenvolvimento tem grande potencial de retornos crescentes estáticos e dinâmicos, externalidades, ganhos de produtividade, geração de alto valor agregado e desenvolvimento de capacidades e competências.

Certamente que a produção do óleo e gás proporcionará significativa mudança do patamar do PIB e aumento das receitas públicas. Mas o verdadeiro ouro negro que poderá emergir do pré-sal não é o petróleo, mas as soluções para os desafios científicos e tecnológicos, logísticos e de equipamentos, materiais e serviços requeridos pela cadeia produtiva do setor. Se desenvolvidos pelas universidades e centros de pesquisa no Brasil e absorvidos pela indústria, esses conhecimentos e competências poderão ter efeitos profundos em vários outros setores industriais, com impactos econômicos e sociais sem precedentes.

É preciso que o pré-sal seja visto pela ótica da política econômica estratégica devido aos seus efeitos e implicações para o bem-estar e para a inserção internacional do país. Serão necessários, para tanto, grandes esforços de inteligência, políticas de fomento, geração e transferência de tecnologias e de capacitação das universidades, centros de pesquisa e indústria para que tenham participação ativa no pré-sal e políticas que fomentem o transbordamento dos avanços tecnológicos, industriais e de serviços para outros setores.

Também será preciso mobilização política para integrar o governo, indústria, universidade, legisladores e sociedade civil em torno dessa agenda e adequação do ritmo e formato para permitir e encorajar a participação nacional no desenvolvimento do pré-sal, mas sempre dentro de um marco de competição.

Por fim, para que possamos vencer os desafios tecnológicos, também será preciso vencer os desafios do desenvolvimento institucional e de coordenação e implementação das políticas envolvidas. O maior legado que a nossa geração poderá deixar para as seguintes é a promoção do Brasil à economia do conhecimento e da inovação. Com o pré-sal, essa conquista dependerá, primordialmente, de nós mesmos.

Jorge Arbache é assessor econômico da presidência do BNDES e professor de economia da Universidade de Brasília.
Fernando Arbache é professor de logística e inteligência competitiva da FGV e da HSM Educação. Este artigo não representa, necessariamente, as visões das instituições às quais os autores estão ligados.

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