segunda-feira, setembro 10, 2012

Um “armagedon cibernético”? Washington Novaes


WASHINGTON NOVAES é um analista atento ao que de novo, surpreendente e perigoso pode estar sendo preparado na humanidade seja em termos de avanços que protegem a vida, seja de ameaças que podem nos destruir. Convoca-nos a pensar para além das atuais crises econômico-financeiras e até civilizacionais. Está em curso a nanotecnologia, nanorobots e uma eventual guerra cibernética de consequências inimagináveis para o futuro de inteiras nações e de nossos sistemas de comunicação. Ela é silenciosa mas está sendo aplicada em regiões de guerra como no Afeganistão, Iraque ou ameaçadas por guerra como o Irã e na Palestina. Seu artigo apareceu no Estado de São Paulo no dia 9 de setembro sob o título: “Sem milagres para a guerra cibernética. Dada a importância do tema, nos abalançamos em republicá-lo. Importa estarmos atentos a novidades nada róseas que nos podem ocorrer nos próximos tempos. LBoff

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Seria prazeroso escrever sobre ipês rosas floridos prenunciando a primavera que chega em setembro. Ou sobre o comovente trabalho de músicos que criam orquestras de jovens em favelas. Mas que fazer ? Jornais estão povoados de notícias sobre ameaças de uma guerra cibernética que pode levar a uma catástrofe nuclear planetária. Sobre robôs que podem, por conta própria, disparar um míssil atômico. Sobre hackers capazes de paralisar sistemas de transporte, de saúde, de comunicação, sistemas financeiros em escala planetária. Nesta mesma página o embaixador Rubens Barbosa já escreveu sobre o tema (20/6). O ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Kenneth Rogoff, também tratou (6/7) da vulnerabilidade da economia global a ataques cibernéticos, com terríveis conseqüências. Nestes tempos em que já estamos confrontados por tantos limites inultrapassáveis – crises de finitude de recursos naturais, crises da água, de terras, de alimentos etc. -, que se fará para enfrentar a ameaça de “armagedon cibernético” mencionada pelo professor da universidade canadense de Toronto, Don Tapscott (Folha de S. Paulo, 22/7) ?

Lembra o embaixador Rubens Barbosa o pensamento de Von Clausewitz, que já na primeira metade do século 19 escrevia que a guerra é a continuação da política por outros meios – tal como já começa a acontecer nos dias de hoje, com a cibernética e o uso de instrumentos eletrônicos cada vez mais sofisticados. Estados Unidos e Israel já os teriam utilizado para interferir no programa iraniano de enriquecimento de urânio, desativando cinco mil centrífugas. China e Estados Unidos trabalham com programas capazes de invadir sistemas sofisticados e desenvolvem comandos cibernéticos, programas de segurança nacional para informações, formatos de impedir a escalada de ataques cibernéticos. Que pensa o Brasil em fazer nesse quadro ? Já o prof. Kenneth Rogoff pergunta que acontecerá com o uso de vírus cibernéticos comandados por anarquistas e terroristas, ou com catástrofes naturais geradas por interferências em programações, ou por satélites assim danificados paralisando redes elétricas, bancos de dados do sistema financeiro, indústrias de tecnologia. E medita: se governos desenvolvem vírus com esse poder destruidor, que se fará ? Confiar na sorte ?

O panorama é assombroso. A instituição Royal Pingdom, citada pelo The New York Times (ESTADO, 12/7), calculou para 2010 um número de 107 trilhões de mensagens eletrônicas circulando pelo mundo,onde, no ano passado já havia 3,1 bilhões de contas de e-mails. Que acontecerá no mundo se a nova geração usuária desse meio tem mais de 50% de seus membros desempregados ? – pergunta Don Tapscott. Eugene Kaspersky, ex-funcionário do Ministério de Defesa da antiga URSS, hoje diretor da maior empresa de antivírus do mundo, propõe a criação de uma organização internacional de segurança cibernética, para impedir que prossiga a guerra na qual já estão envolvidos Estados Unidos, China, Grã-Bretanha, Índia, Alemanha, França, as duas Coréias e outros paises, que têm unidades de guerra cibernética, de criação de supervirus, naves de guerra não tripuladas e outras armas. Segundo ele, “estamos sentados em um barril de pólvora e serrando o galho que sustenta a internet” (Folha, 29/7). As hostilidades podem implicar perda de informações de forças armadas, perda de propriedade intelectual de empresas etc.

Kenneth Benedict, editora do “Bulletin of the Atomic Scientists”, diz na revista New Scientist(30/6) não ter dúvida de que os Estados Unidos “estavam por trás” do ciberataque ao Irã, com o objetivo de impedir o desenvolvimento de sistema de enriquecimento de urânio. Segundo ela, “estamos em uma nova era bélica, de fortes ligações com a corrida secreta para construir bombas atômicas”. O ataque ao Irã baseou-se no sistema de software Stuxnet desenvolvido pelos Estados Unidos e Israel. Ele continha “malwares” (códigos agressivos) que tinham como alvos sistemas específicos de controle industrial, do tipo que controla centrífugas utilizadas para enriquecer urânio.

Faz lembrar o final da segunda guerra mundial, quando cientistas alertaram o governo norte-americano para as conseqüências dramáticas que teria atirar bombas nucleares sobre o Japão – inclusive uma corrida nuclear entre EUA e URSS –, diz Benedict. Mas outros cientistas e autoridades temiam que a Alemanha pudesse chegar antes ao domínio da tecnologia nuclear. Não vingou, assim, a tese de que a energia nuclear deveria ser colocada sob controle internacional, talvez mesmo na ONU, que estava sendo criada. A situação atual seria semelhante, por falta de controle internacional no campo cibernético. Para a editora, é “irônico que o primeiro uso conhecido da cibernética para a guerra seja exatamente para impedir a proliferação de armas nucleares: uma nova era de destruição em massa pode começar em um esforço para encerrar um capítulo da primeira era de destruição em massa”.

Se a política internacional não consegue avançar nesse terreno da cibernética e da respectiva guerra, que se fará ? Acreditar em milagres ? Na mesma edição da New Scientist, ao lado do texto de Kenneth Benedict – coincidência ou não -, o lider da Associação Racionalista Indiana, Sanal Edamarku, conta haver sido convidado para desvendar um suposto milagre numa igreja, em Mumbai, onde água brotava de uma imagem e atraia multidões. Pesquisou até descobrir que se tratava de água das instalações sanitárias, canalizada por um sistema de drenagem, que passava sob a base da imagem, mas estava bloqueado. Por capilaridade, diz ele, a água infiltrou-se nas paredes adjacentes à estátua e, por um orifício corria para os pés da imagem.

É possível que haja milagres. Mas a política internacional terá de se desdobrar na nova guerra, que já está no nosso cotidiano.

Fonte o Estado de São Paulo 09/09/2012

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