segunda-feira, setembro 10, 2012

Rumo a 5%




Amir Khair

Estado de São Paulo - O governo vem desde 1999 mantendo elevado superávit primário (receitas menos despesas exclusive financeiras) para administrar a dívida pública. Poderia ao invés disso, reduzir a despesa anormal com juros, caso tivesse adotado uma Selic próxima da praticada nos países emergentes (5% ao ano). Nesse caso, com menor esforço fiscal poderia ter zerada essa dívida.
Essa superdosagem de juros defendida pelo mercado financeiro, e acatada pelos governos, foi o veneno que atacou o tecido econômico e social do País. Ainda não nos livramos totalmente dele, pois ainda existe, porém em doses menores.

1. Selic e dívida - O Copom é que estabelece a Selic. Foi fixada pela primeira vez em 1º de julho de 1996 em 25,3% ao ano e permaneceu em patamar elevado passando pelo máximo de 45% em março de 1999, para iniciar o regime de metas de inflação. Só foi ficar abaixo de 15% a partir de julho de 2006, mas sempre em dois dígitos até junho de 2009, quando devido à crise foi mantida entre 8,75% e 10,0% durante um ano. A partir de junho de 2010, com a forte elevação dos preços internacionais das commodities, passa novamente a subir até atingir 12,5% em julho de 2011 e a partir de um ano atrás passou a cair até os 7,5% atuais.

Considerando a Selic adotada pelos governos há nítida tendência de melhora. No governo FHC foi em média 21,7%, no governo Lula 14,9% e nesses dois anos do governo Dilma deve fechar em 10,2%.

A dívida líquida do setor público foi marcadamente influenciada pela Selic. No início do governo FHC estava em 28,0% do PIB e mesmo com a mega venda de patrimônio público com privatizações, ao final do governo chegou a 60,4%. A elevada Selic foi a responsável por isso. No final do governo Lula tinha baixado para 39,2% e em julho estava em 34,9%. Caso a Selic continue caindo é possível que ao final do governo Dilma seja possível retornar próximo da que estava no início do governo FHC.

2. Recursos disponíveis - Por manter essa política de juros anormais o setor público torrou dinheiro ao gastar em média por ano, nos últimos dez anos, 7% do PIB e arrecadou 33% do PIB, sobrando para desenvolver suas ações (custeio e investimentos) 26% do PIB.

Os recursos disponíveis estão hoje maiores do que na média dos últimos dez anos. A carga tributária está em 34% e os juros 5%, sobrando 29% do PIB, ou seja três pontos acima da média dos últimos dez anos.

Essa disponibilidade de recursos será ampliada nos dois próximos anos, pois se mantida a mesma carga tributária (o que pode ser considerado conservador, caso a economia cresça) a conta de juros poderá cair em 2013 e 2014 se o governo rumar para a Selic dos países emergentes de 5%.

Com essa crescente disponibilidade de recursos o setor público poderá ampliar sua ação no campo social, na infraestrutura e no estímulo à economia.

Mas se cair no engodo do mercado financeiro, que ameaça com o fantasma da inflação cuja cura seria a elevação da Selic (?) como consta do boletim Focus, deixará de usufruir do potencial fiscal à sua disposição.

3. Morte do resultado primário - Outra consequência da queda da Selic é que finalmente o governo passará a aferir e dar ênfase na divulgação do resultado fiscal usando o conceito do resultado nominal, que são as receitas menos as despesas, inclusive e, principalmente os juros. É esse o conceito adotado pelos organismos internacionais para identificar os resultados fiscais nos orçamentos públicos.

O resultado nominal deste ano deve ficar próximo a 2% do PIB, melhorando em relação a 2011 quando atingiu 2,6% e, caso a Selic continue caindo, poderá caminhar ao final do governo Dilma para o equilíbrio pleno das contas públicas, ou seja, resultado nominal zero.

O Brasil foi uma exceção no uso equivocado do superávit primário como o medidor do resultado fiscal do setor público. Isso ocorreu devido à predominância das análises do mercado financeiro, que inteligentemente influiu a política econômica até recentemente ao defender que a Selic é o único (!) instrumento capaz de controlar a inflação, e para isso deve ser mantida elevada para inibir o consumo. Tese desastrada e irreal.
Infelizmente as análises do mercado financeiro centradas no superávit primário ganharam espaço na mídia, pois pregavam a redução das despesas para poder pagar os juros catapultados pela Selic. Juros esses que serviram em todos esses anos a alimentar os lucros do setor financeiro.

Secado aos poucos essa fonte anômala de lucros, os bancos terão que ser eficazes e atuar de forma a ampliar suas operações de crédito. Com isso cresce a disputa entre os bancos com queda na taxa de juros nos empréstimos bancários, o que é decisivo para destravar o crescimento econômico.

4. Exemplo - Os bancos deveriam seguir o exemplo da Caixa Econômica Federal, que em face da retomada da crise, atuou de forma agressiva para ampliar sua ação. Segundo seu presidente "A Caixa aumentou a carteira com créditos bons que os outros bancos não quiseram fazer. Nossa carteira tem a menor inadimplência do mercado. Por quê? Porque temos foco em modalidades de crédito com inadimplência baixa, como imobiliário e consignado. A Caixa está crescendo nesse ritmo há cinco anos. Já era tempo de termos quebrado. Em 2008, tínhamos 6% do mercado. Hoje temos 14%. Naquela época, a inadimplência era de 2,74%. Hoje é de 2%. O lucro saiu de R$ 2 bilhões para R$ 5,2 bilhões em 2011". (Estadão 4/9).

5. Mudança - Com a queda da Selic as aplicações financeiras dos agentes econômicos está sofrendo radical transformação, impondo queda nas taxas de administração dos bancos e deslocamento das aplicações financeiras para outros ativos como imóveis e bolsa de valores. As empresas começam a reavaliar projetos que estavam engavetados, pois apresentavam perspectivas de retorno inferiores aos que poderiam ser obtidos em aplicações em títulos do governo. Isso pode ser um bom propulsor para a retomada dos investimentos especialmente para o caso de empresas que se encontram com a produção próxima de sua capacidade.

O governo não precisa temer a redução da procura por seus títulos, pois com menor despesa com juros não precisará demandar tanto ao mercado. Nem se preocupar com a inflação, pois em larga medida é originada do exterior cujos preços estão contidos enquanto perdurar a crise que domina a Europa, que será longa.

Resta ver qual política o governo pretende seguir daqui para a frente. Caso posicione rapidamente a Selic em 5% terá economias sem precedentes para estimular a economia. Caso recue, atendendo à pressão do mercado financeiro para elevar a Selic, terá perdido a oportunidade de ouro que lhe caiu aos pés. É fundamental rumar a Selic o mais rápido possível para 5%. O governo ganha substanciais recursos, os consumidores terão menos juros bancários, as empresas maior estímulo para investir em seus negócios ao invés de títulos do governo. Vamos aguardar.

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