segunda-feira, novembro 14, 2011

A Grécia e a saída do euro: um país inteiro rumo à bancarrota



Da Carta Maior

Se os gregos abandonassem a zona do euro ou se fossem expulsos, despencaria uma catástrofe sobre a Grécia e um terremoto grave ou muito grave para os 16 países restantes da zona do euro. Bancos franceses e alemães, entre eles algumas instituições suíças, perderiam dinheiro. O que mais inquieta, sem dúvida, é a esperada reação de pânico dos mercados, porque o “risco de contágio” é enorme, com o medo de cenários similares em Portugal, na Irlanda, na Espanha e na Itália. O artigo é de Michael R. Krätke.

Michael R. Krätke - Sin Permiso

Cerca de 11 milhões de pessoas vivem na Grécia. A União Européia tem uma população de 492 milhões, dos quais 324 milhões vivem na zona do euro. A economia grega se encontra na 32ª posição da classificação mundial e gera um Produto Interno Bruto (PIB) de 222 bilhões de euros (cifras de 2010). A Grécia é qualquer coisa menos um gigante, sobretudo se é comparada com a locomotiva econômica da União Européia. A Alemanha contribui com cerca de 2,6 trilhões de euros, praticamente um terço do PIB da zona do euro. A quebra do estado grego e sua saída da zona do euro talvez não convulsionem a economia mundial, mas nos últimos dois anos muitos tremeram com a simples possibilidade de quebra do sócio heleno. Num sentido estrito, a bancarrota grega é uma realidade já há algum tempo: trata-se apenas de como conduzi-la inteligentemente.

Se os gregos abandonassem a zona do euro ou se fossem expulsos, despencaria uma catástrofe sobre a Grécia e um terremoto grave ou muito grave para os 16 países restantes da zona do euro. Bancos franceses e alemães, entre eles algumas instituições suíças, perderiam dinheiro. O que mais inquieta, sem dúvida, é a esperada reação de pânico dos mercados, porque o “risco de contágio” é enorme.

Se o governo de Atenas admitisse um retorno ao dracma, o fluxo de capitais que agora acontece com toda fluidez se aceleraria ao extremo. Não só os oligarcas gregos, mas também os investidores comuns transfeririam todos seus créditos disponíveis para o exterior, os investidores estrangeiros cobrariam seus créditos dos seus clientes gregos ou os cancelariam diretamente. Os bancos gregos fechariam para deter o assalto às suas contas. Em poucas horas os gregos se veriam asfixiados por uma verdadeira crise monetária.

Abaixo de zero

Se a Grécia voltasse ao dracma, o curso do euro baixaria desde o primeiro minuto em queda livre até aterrissar no chão. Os analistas de mercado calculam atualmente em pelo menos 60%. Em um suspiro se geraria uma inflação galopante. De repente explodiria o crack da dívida privada. Não só nos estados, mas em todos os créditos no interior e no exterior. Da noite para o dia a maioria deles se converteria em bônus “sujos” se a crise da dívida grega se estendesse até se converter em uma crise da dívida européia. Se o dracma desabasse, a maioria dos devedores não poderia satisfazer o cumprimento de seus pagamentos. Não só o estado grego, todo o país entraria em bancarrota.

Como ninguém sabe exatamente quantos bônus “sujos” os bancos europeus têm em créditos gregos nas suas carteiras de investimentos, é de prever uma crise creditícia (credit crunch): no mercado interbancário os ânimos cairiam abaixo de zero e o BCE teria que dar um passo à frente e, como para os bancos gregos não haveria nenhuma ajuda financeira da zona do euro, esta se transformaria em uma crise bancária e monetária. O governo de Atenas teria que deter o fluxo de capitais para apoiar o dracma nem que fosse moderadamente. Em conseqüência: um comércio reduzido a um mínimo de transações com o exterior.

O medo de cenários similares em Portugal, na Irlanda, na Espanha e na Itália –que recém começa– faria disparar de maneira vertiginosa os custos para uma reestruturação da dívida do estado em todos estes países. “Alavancar” e “re-alavancar” mais uma vez o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) não chegaria para evitar uma quebra do estado dos quatro países. Em última instância, os bancos se desfariam de seus empréstimos em massa, para esvaziar tão rápido quanto pudessem no mercado secundário (repo market), onde poderiam deixar os empréstimos em seus portfólios e obter benefícios ao mesmo tempo. E se não houvesse nenhum agente disposto a querer (e poder) especular com benefícios crescentes, estes dormiriam no comércio “normal” do mercado secundário. A única questão que permanece em pé é se o BCE se apresentaria ou não como o principal comprador destes títulos invendíveis. Eles não têm nenhum valor.

Tudo será mais caro

Uma quebra do estado da Grécia seria difícil de gerir no interior da zona do euro. Se a Grécia saísse da zona do euro, os países da Europa se precipitariam ao abismo de uma crise financeira. Até o momento os contribuintes locais [em referência ao leitor alemão, N.T.] se aproveitaram do desastre da dívida dos países do sul da Europa. Um ministro de Finanças alemão nunca pôde endividar-se tão barato como fez Wolfgang Schäuble (que seja inteligente ou não fazê-lo, é outra questão).

Até o momento os contribuintes alemães lamentam e se lamentam (como os franceses ou holandeses), mas não pagaram nem um centavo aos gregos. O governo alemão só deu garantias. Enquanto a Grécia permaneça na zona do euro e a quebra do estado grego possa ser gerida, a Alemanha dará garantias, mas não terá que pagar nada. Inclusive se o fundo de resgate contasse com uma quebra do estado grego, a questão não sairia especialmente cara aos alemães, se for levado em conta os enormes lucros do fisco alemão desde o começo da crise da dívida.

Enquanto exista um mercado para os empréstimos do estado nestas condições, as depreciações “voluntárias” dos títulos da dívida grega de 50 até 60% podem ser absorvidas pelos grandes bancos europeus. BNP Paribas, Commerzbank, ING-Bank, Barclays e alguns outros recém demonstraram isso. Perder uns 100 milhões de euros e cancelá-los, isso é, aceitar uma queda nos lucros de 70% ou mais equivale a apenas um semestre. Algo assim não arruinará, desde já, os grandes bancos internacionais. No pior dos casos não alcançarão seus objetivos de lucros para o próximo ano. A dívida privada grega será segura enquanto os gregos permaneçam na zona do euro.

Mas, se a chanceler Angela Merkel prestar ouvidos à sabedoria de Hans Olaf Henkel [1] e outros ideólogos profissionais parecidos e a Grécia sinalizar para uma saída da zona do euro, a questão custará caro também para os contribuintes alemães. E não só para eles: uma crise financeira européia – a segunda desde 2008, isso é, no espaço de três anos–, nada menos que no meio de uma recessão, terminaria mal. Não só em uma catástrofe econômica mundial, mas em um crack europeu, ao que deveríamos agradecer por longo tempo aos patriotas alemães e seu ressentimento anti grego.

NOTA: [1] Hans-Olaf Henkel (Hamburg, 1940) foi presidente da Bundesverband der Deutschen Industrie (BDI) entre 1995 e 2000 e membro dos conselhos de direção de Bayer AG (farmacêutica) e Continental (automóveis) entre outras. Henkel se ergueu como paladino do neoliberalismo na Alemanha empunhando a bandeira do “menos estado e mais mercado”. Freqüentador habitual em vários talk-shows, Henkel, que qualificou a União Européia de uma “União Européia de Repúblicas Socialistas Soviéticas” recomendou, em um artigo de novembro de 2010 para a revista Focus, dividir a zona do euro em duas áreas: uma zona norte (Alemanha, Benelux, Áustria, Finlândia e Irlanda) com um “euro forte”, caracterizada por sua “estabilidade monetária e disciplina orçamentária” e una zona sul para a periferia européia com um “euro débil” sob a direção da França, coerente com seu “talento para a improvisação e sua natureza dispendiosa”.

(*) Michael R. Krätke, membro do Conselho Editorial de SINPERMISO, é professor de política econômica e direito tributário na Universidade de Amsterdam, pesquisador associado do Instituto Internacional de Historia Social desta mesma cidade e catedrático de economia política e diretor do Instituto de Estudos Superiores da Universidade de Lancaster no Reino Unido.

Tradução para www.sinpermiso.info: Àngel Ferrero

Tradução para Carta Maior: Libório Junior

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