quinta-feira, setembro 08, 2011

11 de Setembro: o império da angústia


O que vimos a partir de 11 de setembro de 2001 foi a destruição de um sistema, antes relativamente estável, composto de três relações: guerra e política, segurança e consumo, medo e desamparo. Freud tem uma alternativa para situações nas quais não vigora nem a presença do objeto, como no medo, nem a ausência do objeto, como no desamparo: trata-se da angústia.
Christian Ingo Lenz Dunker

O que vimos a partir de 11 de setembro de 2001 foi a destruição de um sistema, antes relativamente estável, composto de três relações: guerra e política, segurança e consumo, medo e desamparo. Três sintomas denunciam a novidade.

Em primeiro lugar, começa uma guerra que não é contra um país, contra um tipo de governo ou de nação, mas contra um princípio abstrato: o terror.

Retenhamos a brutal mutação da ideia de guerra envolvida neste enunciado. Ela se parece com um destes filmes nos quais uma metáfora ganha vida própria e é levada a sério demais, tal como "Brinquedo Assassino" ou "Sexta Feira Treze". Oswaldo Cruz decretou guerra aos mosquitos que geravam a febre amarela, pode-se dizer que há uma guerra contra a fome e outra contra o analfabetismo. Mas se alguém mobilizar tanques de verdade para matar mosquitos ou granadas de mão para fazer nossos alunos aprenderem a ler, vamos achar que há algo errado na relação entre objetivos e meios. Pois é exatamente isso que está em jogo em um enunciado como guerra ao terror. Isso permite que a metáfora flutue de tal forma que a cada momento o terror mude de encarnação, e portanto, a guerra mude de objetivo.

O segundo ponto é que esta é uma guerra que dissolveu a noção de inimigo e, portanto, fragmentou o objeto ao qual nosso medo deveria estar ligado. A produção do medo tornou-se tão flexível como a produção de bens materiais, que pode ser realocada territorialmente conforme a conveniência, bem como o capital imigrante que pode passar de bolsa em bolsa com baixo custo de hospedagem. Ora, um medo cujo objeto é assim indeterminado é um medo que cumpre mal sua função psíquica. É certo que inicialmente tentou-se fixar a alguns traços de identificação islâmicos, por exemplo, mas enquanto venezuelanos não usarem véus e norte coreanos não adquirirem o hábito do Corão tal função está prejudicada. Medos assim indeterminados e flutuantes funcionam para a política liberal da felicidade baseada na segregação social, não para a guerra. Mas se a política em curso não é apenas uma política do medo por meio da objetificação de inimigos, ela também não é uma política do desamparo, baseado na restauração de comunidades de destino.

Apesar da América profunda ter feito a reeleição de Bush, apesar do sentimento de honra e das bandeiras hasteadas, a guerra ao terror era para ser uma guerra ascética, sem baixas, rápida como uma intervenção cirúrgica. Ora, Freud tem uma alternativa para situações nas quais não vigora nem a presença do objeto, como no medo, nem a ausência do objeto, como no desamparo: trata-se da angústia. A angústia tem um objeto, mas ele não pode ser propriamente nomeado. Por outro lado a angústia não tem um objeto, mas podemos perceber a estratégia pela qual o objeto foi subtraído, deformado ou serializado.

O terceiro ponto reúne o fato de que esta é uma nova forma de guerra sem objetivo e uma nova forma de política sem objeto. Uma política da angústia é exatamente o que torna possível a reabilitação da tortura como método de investigação, assim como a existência de prisões em regime de exceção, territorial e jurídica. Uma política da angústia tem por efeito, como toda angústia, mimetizar aquilo que ainda não consegue nomear ou compreender. É assim que o “ocidente democrático” tornou-se assassino espetacular de fugitivos, sádico com prisioneiros, sacrificador de jovens, enfim uma alegoria do próprio eixo do mal que pretendia combater e eliminar.

A angústia, ao contrário do medo e do desamparo, é extremamente sensível ao saber. Daí que, desde o início esta nova forma de política tenha que ser pensada junto com uma nova forma de circulação e de distribuição do saber – da qual a primavera árabe é um exemplo em contrário. Foi certamente a última vez em que se conseguiu “controlar a imprensa” em escala mundial, de tal forma que imagens foram evitadas, coberturas locais produzidas ao modo atos patrióticos, opiniões críticas filtradas, excepcionalidades institucionais toleradas. Anos de desconstrutivismo multicultural e teorias pós-modernas politicamente corretas, esvaíram-se em segundos ao toque do real. Assim como, logo depois, anos de discurso econômico neoliberal, contra a intervenção do Estado, esvaíram-se em segundos de crise imobiliária. Ou seja, na angústia é como se nosso saber, repentinamente se tornasse indiferente e mostrasse sua irrelevância. Não é apenas que o conteúdo de nossas crenças se revela falso, mas o próprio ato de acreditar torna-se suspeito.

Tudo se passava como naquele filme de Buñuel, "O Anjo Exterminador", no qual um jantar não termina jamais, sem que nenhum dos comensais saiba dizer exatamente porque. Este mal-estar, que propicia uma ação ou uma inação, coordenada e conjunta, sem que nenhuma ordem ou coerção explícita seja dada neste sentido, pode ser explicado pela curiosa forma de ligação que um mesmo tipo de objeto de angústia pode produzir em um grupo ou classe. Tão mais eficaz quanto mais silenciosa. Tão mais eficiente quanto menos organizada em torno de um líder. O grande motor da guerra movida pela angústia é o sentimento de irrelevância, de inconsequência e de esvaziamento. A guerra ao terror ocorre sob um pano de indiferença, aos fatos (afinal tanto faz se havia ou não armas químicas), aos homens (pensemos no número de mortos desta guerra limpa), aos motivos políticos (cinicamente inconfessáveis).

Resta saber qual será a nova forma de economia da felicidade compatível com esta nova política da angústia.



(*) Psicanalista, Professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

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