terça-feira, julho 19, 2011

A trava dos juros :: Amir Khair


É usual nas análises da conjuntura se referir a uma variável - que tem papel relevante nos resultados fiscais, na inflação, crescimento econômico e câmbio - que é a taxa de juros da economia.

O que é interessante observar é que a taxa usada é a Selic. Mas existem duas taxas com funções distintas. A Selic, a taxa básica, definida pelo governo, e a de juros cobrada pelos bancos. No caso do cheque especial, é dez vezes maior que a Selic, como se verá à frente.

A diferença entre elas é denominada de spread bancário, onde a maior parte dele é o lucro do banco nas operações de empréstimos. Em maio, o spread para a pessoa física estava em 34,3% e para pessoa jurídica, 19,4%.

A China no dia 5 elevou suas taxas de juros para conter a inflação, que está igual à nossa. A taxa equivalente à Selic foi para 3,5% e para as pessoas 6,6% ao ano, com spread de 3,1 pontos porcentuais. O nosso é 11 (!) vezes maior (34,3 dividido por 3,1).

Vejamos os efeitos dessas duas taxas sobre a economia.

A Selic afeta: a) o déficit fiscal, pois incide sobre a dívida do governo, determinando as despesas com os juros e o custo de carregamento das reservas; b) o câmbio, ao atrair capital especulativo internacional; c) as contas externas: ao apreciar o real, reduz as exportações, eleva as importações, estimula a saída de dólares no turismo e a remessa de lucros e dividendos; d) a liquidez: ao atrair os dólares eleva a disponibilização de recursos aos bancos para empréstimos, o que vai contra o objetivo de redução da demanda para controle da inflação.

Os juros bancários afetam: a) o consumo, ao influir no valor global a ser pago nas compras; b) o investimento das empresas para as decisões de assumir riscos para a expansão das vendas e o capital de giro necessário para viabilizar o fluxo de caixa; c) a inadimplência, ao influir no valor das prestações a serem quitadas e; d) o lucro do sistema financeiro, pela essência do seu negócio.

Problema: O Brasil tem a particularidade de ter, ao mesmo tempo, essas duas taxas de juros, há vários anos, como as mais elevadas no ranking mundial, devido à política monetária adotada pelo Banco Central (BC). No caso da Selic, excluída a inflação, atingiu 6,8%, mais de quatro vezes (!) o segundo colocado, o Chile, com 1,5%. A média internacional é negativa em 0,9% e entre os emergentes é negativa em 0,5%.

Nas taxas de juros mensais do cheque especial, segundo o BC, entre 14 e 20 de junho para os seis principais bancos foram: Caixa, 8,18%, Banco do Brasil 8,69%, Itaú 8,77%, Bradesco 8,75%, HSBC, 9,72% e Santander 10,13%.

Ao comparar com a Selic de 12,25% ao ano, ou, 0,97% ao mês os juros bancários são dez (!) vezes maiores.

Trava: Nesses níveis anormais, essas duas taxas travam o desenvolvimento natural macroeconômico e impedem o País de avançar de forma saudável, pois elevam as despesas do governo, das empresas, dos consumidores, distorcem a concorrência, agravam a distribuição de renda, deslocam valores da economia real e do governo para o sistema financeiro, etc.

Agiotagem: Difícil entender que essas anomalias contam com o apoio da maioria das análises de conjuntura, que defendem mais elevação dessas taxas para controlar a inflação. Países de economia semelhante têm taxas muito inferiores e com inflação igual ou menor que a nossa. Podemos afirmar que somos, infelizmente, o paraíso da agiotagem legalizada!

Submissão: Parece haver a submissão do governo, por meio do BC, ao mercado financeiro. A presidente prometeu que no fim de 2014 a Selic, excluída a inflação, seria de 2%. É uma meta tímida e demorada. Lamentavelmente sobre as taxas de juros bancárias o governo não se pronunciou determinando limites, tendo poder legal para isso.

Expectativas: O BC consulta semanalmente as instituições do mercado financeiro sobre as previsões que fazem para a inflação, Selic, crescimento econômico, taxa de câmbio e produção industrial, reunindo-as no boletim Focus. A mídia propaga essas estimativas, que acabam servindo para “orientar” as expectativas dos agentes econômicos. Mas o mercado financeiro representa apenas 7% (!) do mercado, e tem interesse na elevação da Selic.

Várias vezes o BC foi questionado por usar uma amostra só representativa do mercado financeiro. Prometeu mudar, mas ainda não mudou. O que devia fazer é divulgar mensalmente suas próprias previsões de inflação e as expectativas representativas do mercado. Assim procede a maioria dos bancos centrais para terem credibilidade com os agentes do mercado. Tenho dúvidas se o BC vai evoluir nessa direção. Na realidade sou cético quanto a isso.

Quem paga: O Copom acaba definindo a Selic, que é indicada pelo mercado financeiro e referenda uma Selic que, quanto mais elevada, maior o lucro do sistema financeiro. Esse lucro sai do Tesouro Nacional, pois o governo federal é o único devedor dos títulos vinculados à Selic e a conta é paga pelo contribuinte por meio dos tributos.

Prejuízo: Os juros atingiram, nos últimos 12 meses até maio, R$ 220 bilhões (5,7% do PIB), quando no mundo é de 1,8% do PIB. A perda de 3,9% do PIB (5,7 menos 1,8) será crescente até o final de 2012, caso o Copom continue seguindo as previsões da Selic do mercado financeiro. Assim, a dívida do governo vai continuar subindo pelos juros crescentes e pelas injustificadas transferências por parte do Tesouro de mais R$ 55 bilhões ao BNDES, obtida com a emissão de novos títulos que pagam juros Selic. Com esse aporte ampliou o limite global das subvenções econômicas do banco para R$ 209 bilhões.

Falta de recursos: Com uma despesa tão elevada com juros, não sobram recursos para o governo expandir e dar qualidade na área social, da segurança pública, investimentos em equipamentos para a expansão dessas atividades e para a infraestrutura do País.

Esse problema é antigo. No governo FHC (1995/2002), os juros atingiram 8,6% do PIB, no governo Lula (2003/2010) 6,2% e nos 16 anos (1995 a 2010) 7,8% (!). São R$ 3,7 trilhões em valores atuais. Caso o BC não tivesse trilhado esse caminho de operar com a Selic elevada, o País seria outro, com situação fiscal equilibrada e zerado o elevado déficit social e de infraestrutura existente.

Como o governo não interfere no BC, fica obrigado a obter resultados primários (receitas menos despesas, exclusive juros) elevados para pagar apenas parte dos juros, resultando em déficits fiscais e dívida crescente. É uma bola de neve, que continuará a rolar ladeira abaixo caso não caia rapidamente a Selic e os juros bancários, que travam o desenvolvimento em prol da agiotagem.

Nuvens negras estão chegando da Europa e Estados Unidos e já estão nos afetando. O cenário externo se deteriora a cada dia e precisamos enfrentá-lo fortalecendo nossos fundamentos macroeconômicos e o principal deles é eliminar rapidamente essa distorção macroeconômica. Ainda há a esperança de que a política monetária atue a favor do desenvolvimento do País. Vamos aguardar.

Amir Khair é Mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor

(Publicado em 17/7/11 no jornal Estado de São Paulo)

2 comentários:

Renato Couto disse...

Seja no Brasil ou qualquer lugar do mundo, a taxa de juros média, dependerá se existem mais poupadores ou tomadores no mercado.
Quem ganha e quem perde com o juro alto? Se a taxa de juros é um mau negócio para a maioria que vive da produção (empresários e trabalhadores), por outro lado, ela é um excelente negócio para aqueles que vivem da especulação. O aumento da taxa de juros se traduz em transferir riquezas dos que produzem para os que atuam nos mercados financeiros.
Esta defesa do aumento da taxa de juros, se a mesma acaba não se realizando (nos percentuais que a especulação sonha), acaba ao menos, dando para realizar alguns trocados, seja numa arbitragem de câmbio ou movimento de bolsa de valores, após uma notícia especulativa ou diria até mesmo terrorista.
Qual seria o estágio final de uma expansão (a qual o aumento do juro tentaria frear)? Uma retração! Nada é mais certo, que ao fim de um período de expansão, haverá uma contração na economia, sempre foi assim, não?
Quase concluindo com as palavras de Keynes em TGEJM (p.250): “(...) a elevação da taxa de juros como antídoto para a situação (...) pertence à categoria dos remédios que curam a doença matando o paciente.”
Desta forma, se o perigo é o pico, ou o boom, deve-se tentar manter a economia (a produção, o consumo e tudo que orbita na mesma) numa situação de “quasi-boom” (p.249). Sei que seu carro pode chegar a 200km/h, mas se basta 120km/h para concluir a viagem, por que fundir o motor? Ou como diriam alguns banqueiros na crise mexicana de 95: “Não é a velocidade que mata, mas sim a freada brusca.”
Mas como não aumentar o juro, se como dito, ele obedece à lei da oferta e procura (uma lei tão poderosa quanto à gravidade) e o Governo talvez seja o maior responsável pelo lado da procura? Quase que austriacamente (ave Hayek e Von Mises!) seria óbvio recomendar contenção nos gastos deste e equilibrar suas receitas com suas despesas. Mas aí, quem seria o indutor do multiplicador de trabalho (ave Keynes!), responsável por nosso irrefutável crescimento e inexorável competência em enfrentar a última das crises financeiras mundiais?
Não existe resposta simples. Por fim, o comentário era apenas para expor a quem (muito) interessa o aumento dos juros...

Evaristo Almeida disse...

Bom comentário Renato. Diria que o Brasil padece da síndrome do juro alto.Sabemos que o easing quantitive dos Estados Unidos vai continuar espalhando liquidez pelo mundo e pressionar o preço das commodities! Espero que o Banco Central freie essa obsessão por juro alto e que possamos ter a média do demais países do mundo!
Evaristo