quinta-feira, julho 14, 2011

Países em desenvolvimento ainda sofrem com complexo de vira-lata


Para representante brasileiro no FMI, o país tem postura crítica no órgão, mas países em desenvolvimento ainda se portam com postura de inferioridade

Por: Vitor Nuzzi, Rede Brasil Atual

São Paulo – Para o economista Paulo Nogueira Batista Jr., desde 2007 diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional representando o Brasil e mais oito países (Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago), os emergentes ainda têm papel passivo tanto no FMI como no G-20, o grupo das nações mais desenvolvidas, apesar de uma posição brasileira mais combativa.

Para ele, alguns países têm dificuldade de superar o chamado "complexo de vira-latas", como o escritor Nelson Rodrigues se referia ao futebol brasileiro antes de a seleção ganhar o primeiro campeonato mundial de futebol, em 1958. Ressaltando falar em nome pessoal, o diretor voltou a defender mudanças nos critérios internos de escolha do Fundo, que ainda hoje privilegiam os europeus. Estes, por sua vezes, não querem "largar o osso", como diz o economista.

Nogueira Batista tem o que se pode chamar de pensamento econômico independente. Na coluna que mantinha na Folha de S.Paulo, sempre foi voz dissonante do receituário liberal introduzido no país nos anos 1990. Disse ter sido "execução sumária" sua dispensa do jornal no ano passado. Desenvolvimentista, defensor da autonomia nacional e do crescimento sustentável, sempre teve o nome na lista de cotados para compor equipe econômica de um eventual governo progressista. Nesta entrevista concedida à Rede Brasil Atual, por e-mail, o economista defende que o FMI não fique a reboque de uma agenda europeia. Provocado, diz que não votaria a favor do pacote proposto à Grécia se fosse um parlamentar daquele país: "A abordagem sustentada pelos europeus do Norte não está dando certo".

Rede Brasil Atual – O sr. já esclareceu que não criticou o voto brasileiro a Christine Lagarde, mas o processo de sucessão interno, por privilegiar europeus. A nova direção do FMI poderá dar passos para mudar um critério que o sr. considera distorcido?
A mudança principal que se faz necessária é a redistribuição de poder de voto para países em desenvolvimento. Com a atual concentração do poder de voto, como disse um economista indiano, o que existe é um Fundo Monetário do Atlântico Norte, controlado por europeus e norte-americanos. As reformas de 2008 e de 2010 foram passos na direção certa, mas insuficientes. Ainda falta ratificar a de 2010. A próxima oportunidade é a revisão geral de cotas prevista para ocorrer até janeiro de 2014, como foi acordado na reforma de 2010. Vai ser disputa difícil. Os europeus, muito sobrerrepresentados, não querem largar o osso. (A escolha dos dirigentes é feita com base nas cotas que cada país tem, critério que os emergentes consideram distorcido.)

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o apoio brasileiro teve como base a experiência da ministra Lagarde e seu comprometimento com a modernização do FMI e a ampliação da participação dos emergentes. O sr. percebe esse comprometimento?
Ela fez declarações nesse sentido quando visitou o Brasil e no diálogo com os diretores executivos. Vamos cobrar esse compromisso. Em resposta a questionamento meu, ela disse que não será uma diretora-gerente europeia para resolver problemas europeus.

Ter havido um candidato latino-americano foi eventual ou um sinal efetivo de novos tempos?
O Carstens (Agustín Carstens, presidente do Banco Central do México) enfrentou uma parada dura, uma eleição desigual. Também foi importante o amplo questionamento, pela imprensa internacional, da convenção antiquada que reserva o posto a um europeu. Vai ser cada vez mais difícil sustentar esse arranjo obsoleto que reserva o comando do FMI a um europeu e o do Banco Mundial a um americano.

O sr. chamou a Grécia de "elefante na agenda" da nova direção do FMI. A política do Fundo nesse caso poderá ser um sinalizador da política da nova gerente?
Sim. O FMI está ajudando a Grécia, mas não pode ficar a reboque de uma agenda europeia.

Se o senhor fosse um parlamentar grego, defenderia o pacote de ajuda ao país, que tantos protestos tem provocado?
Não. A abordagem sustentada pelos europeus do Norte não está dando certo. A economia grega mergulhou na recessão, o desemprego está altíssimo. A dívida pública representa 150% do PIB e tende a subir mais.

Há risco real de, a partir da crise em alguns países europeus, assistirmos a nova crise mundial, tão grave ou pior que a de 2008?
Há o risco, mas não creio que seja elevado. A crise é gravíssima na periferia da zona do euro. Mas, por enquanto, as repercussões para o resto do mundo são muito menores do que as que ocorreram quando do colapso do Lehman (o banco de investimentos Lehman Brothers).

A propósito, as causas daquela crise foram debeladas ou continuamos com "rédea frouxa" em relação ao chamado mercado?
A "rédea frouxa" continua. Houve algum avanço em termos de regulação financeira nos países desenvolvidos. Mas os lobbies financeiros são poderosos e resistem ferozmente a mudanças mais profundas.

Em relação a políticas de auxílio a países pobres, as regras mudaram? O FMI revisou algum de seus pontos de vista?
Sim, na gestão Strauss-Kahn houve algum progresso nessa área. Revimos as linhas de financiamento para países de baixa renda e reduzimos os juros, em alguns casos para zero.

Há toda uma geração que cresceu gritando "Fora daqui, FMI", ou, se preferir, "FMI go home". Hoje, o Brasil parece ter acertado suas contas com o Fundo, que tem socorrido países do Primeiro Mundo. Mudou o Brasil ou o FMI? Seria um caso de mea culpa?
Não é questão de mea culpa. A posição internacional do Brasil mudou muito. Passamos de devedores a credores do FMI em poucos anos. A mudança foi tão rápida que parece meio irreal. Ainda não me acostumei à condição de credor. Continuo com mentalidade de devedor nato e hereditário!

De 30 anos para cá, vimos o predomínio das chamadas políticas neoliberais e a ascensão de visões consagradas pelo Consenso de Washington. Mas o mundo mudou, os Estados Unidos e a Europa entraram em crise, surgiram os Brics, e países antes periféricos na política e na economia internacionais têm cada vez mais peso e voz. A onda liberal parece ter cedido espaço a governos com maior preocupação social. Que mudanças ainda podem acontecer?
Concordo com a sua avaliação. Mas ainda é longo o caminho a percorrer para consolidar essas mudanças. O Brasil, por exemplo, não pode descuidar da sua economia e acumular novas vulnerabilidades. Os emergentes ainda são muito passivos no FMI e no G-20. O Brasil tem posição ativa e combativa, de modo geral. Mas o complexo de vira-lata ainda está muito presente em outros países em desenvolvimento.

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