quarta-feira, abril 20, 2011

Acabou o tempo do pensamento único na economia



Reportagem de capa: Não há uma agenda formal, o debate apenas se inicia, mas é certo que um novo consenso econômico vai surgindo das cinzas da crise.

Alex Ribeiro | VALOR
De Bretton Woods e Washington



Hotel Mount Washington, em Bretton Woods: ali, no mesmo ambiente da histórica conferência de julho de 1944, economistas reuniram-se este ano, a convite de George Soros, para discutir uma nova agenda financeira internacional

Os economistas têm trabalhado um bocado ultimamente. Em março, o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, deixou o Rio, num domingo de Carnaval, para, ainda com barba por fazer, abrir um seminário na manhã seguinte em Washington. Alguns dos melhores cérebros do mundo, incluindo os prêmios Nobel Robert Solow, George Akerlof e Joseph Stiglitz, reuniram-se num auditório do FMI para discutir um novo Consenso de Washington depois da grande crise mundial.

Um mês depois, o megainvestidor George Soros trouxe gente de primeira linha, como Paul Volcker, Kenneth Rogoff e Amartya Sen, ao hotel que sediou o encontro original de Bretton Woods para, inspirados pela presença quase física do economista John Maynard Keynes, encontrar um novo Bretton Woods. O presidente do regulador financeiro da Inglaterra, Adair Lord Turner, disse, brincando, que os organizadores do evento sabiam pouco sobre a importância que Keynes dava ao lazer. Num domingo, os trabalhos começaram às 7 da manhã e terminaram às 11 da noite.

Os governos tocaram a vida adiante, entre Washington e Bretton Woods. Os republicanos forçaram o presidente Barack Obama a aceitar um ajuste orçamentário de US$ 38 bilhões, colocando fim à temporada de estímulos fiscais. A Turquia baixou os juros, para evitar a valorização do câmbio, em vez de aumentá-los, para combater as crescente pressões inflacionárias. O Brasil fez de tudo um pouco contra a alta de preços, a apreciação do real e o surgimento de bolhas financeiras. O Banco Central Europeu agiu como sempre: aumentou a taxa básica para lidar com riscos inflacionários que para muitos são miragem.

No auge da crise econômica, parecia estabelecida a volta definitiva ao keynesianismo, com o resgate do papel do Estado para estimular a economia, regular o sistema financeiro e controlar os fluxos desestabilizadores de capitais. Estava morto o velho Consenso de Washington, com sua fé em que os mercados encontrariam equilíbrio automaticamente, defesa da desregulamentação financeira e apologia da abertura das contas de capitais.

O Brasil aparece na vanguarda da nova política econômica, para conter a inflação, evitar bolhas e segurar a valorização do real

O debate entre os economistas ainda está no começo e, para alguns deles, como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, é bastante confuso. Mas as indicações são de que teremos algo no meio: o keynesianismo não será tão intervencionista como o dos anos 1950, e o novo Consenso de Washington, se de fato surgir um, será definitivamente menos liberal. “Precisamos de uma nova forma de globalização, uma globalização mais justa, com face mais humana”, disse há alguns dias Strauss-Kahn, numa frase improvável de ser ouvida nas instituições de Bretton Woods de 1980 para cá. “Embora o mercado deva permanecer no centro do palco, a mão invisível não deve se tornar o punho cerrado invisível.”

Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, preferiu, em entrevista ao Valor, não dar nome ao novo pensamento econômico em gestação. Mas indicou que o “novo keynesianismo”, corrente da qual muitos acreditam que ele mesmo faça parte, parece estar vivo. É uma escola de pensamento que junta as duas partes: o novo keynesiano acredita nos mercados, mas acha que eles às vezes funcionam muito mal e o governo deve intervir.

Um personagem que está na cabine de comando da política econômica brasileira acha que há “muita espuma” em torno da discussão sobre o novo pensamento econômico. “Está sendo superestimado. Estamos fazendo no Brasil exatamente as mesmas coisas que sempre fizemos, mas apenas adaptadas ao novo ambiente econômico.”

Sobre política fiscal, Robert Solow, autor da teoria sobre crescimento que se tornou padrão nos manuais de economia, fez uma exposição definitiva durante o seminário do FMI. No período que foi conhecido como Grande Moderação, os economistas passaram a crer que os juros eram instrumento suficiente para lidar com recessões e superaquecimentos da economia. A crise lembrou a todos, disse Solow, que a política monetária às vezes pode chegar ao limite e será necessário lançar mão da política fiscal.

“Estamos fazendo no Brasil exatamente as mesmas coisas que sempre fizemos, mas apenas adaptadas ao novo ambiente econômico”, afirma alta fonte do governo (na foto, reunião do Comitê de Política Monetária)

Os governos, porém, usaram a política fiscal de forma mais ou menos instintiva, sem saber exatamente como um dado corte de impostos ou aumento de gastos afeta a economia. “Precisamos fazer política fiscal certo”, disse Solow. Para tanto, é necessário calcular o multiplicador fiscal, que diz justamente quanto os cortes de impostos ou aumento de gastos estimulam a demanda. A questão, afirma, é que existem vários multiplicadores, de acordo com o estado da economia e a ideologia de cada um.

“Os que desaprovam a política fiscal discricionária tendem a encontrar multiplicadores pequenos”, disse Solow. “Os que aprovam o uso da política fiscal discricionária acham multiplicadores grandes.”

Esse é mais ou menos o dilema que os Estados Unidos vivem agora. O Partido Republicano venceu as eleições legislativas do ano passado com o discurso de que os fortes gastos públicos são a principal causa do desemprego. Por esse raciocínio, empresas e consumidores estariam jogando a demanda para baixo porque estão assustados com a crescente dívida pública. A Inglaterra foi pelo mesmo caminho, com os conservadores.

No seminário em Bretton Woods, Larry Summers, ex-assessor econômico de Obama, ironizou a noção de que, nas condições atuais, um corte de gastos poderia ter efeito expansionista. “Se isso for verdade, comprometo-me a rever tudo o que pensei até hoje”, afirmou. “E, para dizer que farei isso, é porque estou bastante convencido de que tenho razão”, emendou, fazendo humor com sua reputação de arrogante.

Em outras circuntâncias, porém, o ajuste fiscal pode ser a melhor saída para combater recessões, reconheceu Summers. Questionado se não era uma inconsistência ele defender expansão fiscal agora para os países desenvolvidos depois de ter pregado ajuste fiscal aos países que quebraram entre 1997 e 1998, Summers disse que são duas situações diferentes. Os Estados Unidos conseguem se endividar na sua própria moeda, enquanto os países emergentes de então estavam sem financiamento.

O economista Richard Koo, da Nomura Securities, disse ao Valor, em Bretton Woods, que os Estados Unidos correm o risco de voltar à recessão porque estão fazendo o ajuste muito cedo. Segundo ele, o setor privado segue pagando dívidas, e seria temerário tirar o estímulo do governo agora. “Cometemos esse erro no Japão”, afirma Koo. “Os americanos acham que não têm nada a aprender conosco.”

“Embora o mercado deva permanecer no centro do palco, a mão invisível não deve se tornar o punho cerrado invisível”, diz Strauss-Kahn

Blanchard, do FMI, despertou polêmica ao propor que os bancos centrais usem mais de um instrumento para atingir mais de uma meta. Até a crise, afirma, eles basicamente usavam uma ferramenta, a taxa de juros, para atingir um objetivo, inflação baixa. Durante a Grande Moderação, economias avançadas deixaram os juros baixos porque a inflação estava sob controle, mas acabaram alimentando bolhas, como as dos mercados imobiliários americano e espanhol.

Agora, prega Blanchard, os bancos centrais devem prestar atenção não apenas na inflação, mas também na estabilidade financeira, no chamado hiato do produto e desemprego e até mesmo na taxa de câmbio. Para chegar lá, devem usar vários instrumentos além dos juros, incluindo medidas prudenciais, intervenções cambiais esterilizadas e controles cambiais.

No debate do FMI, a ideia de ter várias metas despertou reações negativas, sobretudo entre economistas da América Latina e Alemanha, que têm um passado traumático de hiperinflação. Os latino-americanos defenderam, de forma geral, a eficácia do regime de metas para os bancos centrais ganharem credibilidade. Expressaram o receio de perda de foco no mais importante, a inflação, caso sejam adotados múltiplos alvos.

Robert Solow:
a crise lembrou a todos que a política monetária pode chegar ao limite
e então será necessário lançar mão da política fiscal

Um alemão, Otmar Issing, defendeu o sistema de dois pilares do BCE, que ele mesmo ajudou a construir, com características de meta de inflação e do velho monetarismo. O BCE acompanha a evolução de agregados monetários e crédito para identificar tanto pressões inflacionárias quanto bolhas financeiras. “Nao é elegante”, ironizou Issing, referindo-se às críticas ao sistema do BCE feitas por quem defende a simplicidade do regime puro de metas de inflação.

Em meio a esse debate acadêmico está o Brasil, que, para muitos, aparece na vanguarda da nova política econômica. Usa vários instrumentos para atingir várias metas. O Brasil já subiu compulsórios, taxou e restringiu o prazo do crédito, anunciou uma consolidação fiscal e impôs controles de capitais, como impostos na entrada de investimentos estrangeiros e limites na posição de câmbio dos bancos. Todo esse esforço é para conter a inflação, evitar o surgimento de bolhas financeiras e segurar a crescente valorização da taxa de câmbio.

No Banco Central (BC), porém, a versão é de que estão apenas fazendo o que sempre fizeram. “O BC sempre teve dois mandatos, a inflação e a estabilidade financeira”, afirma uma fonte. “Não temos e não gostamos de meta para a taxa de câmbio, pois a flutuação prestou um grande serviço para o Brasil.”

De 2002 para cá, afirma outra fonte, o BC alterou o compulsório 62 vezes, e as medidas prudenciais são prática do dia-a-dia. O ajuste fiscal que o governo fez neste começo de ano já estava nas contas do BC desde fins de 2009, porque é sempre esperada uma consolidação fiscal depois de um ano eleitoral. O BC anunciou em fins de 2003 o seu programa de intervenções no mercado de câmbio, com o objetivo de acumular reservas e reduzir a volatilidade cambial. O Brasil colocou e retirou o IOF sobre capitais estrangeiros várias vezes nos últimos anos.

Os Estados Unidos correm o risco de voltar à recessão, porque estão fazendo o ajuste muito cedo, opina o economista Richard Koo

Obviamente, nada disso é neutro para a política monetária. O compulsório lida com riscos excessivos do sistema financeiro, mas também afeta a demanda agregada, depois que o crédito subiu de 25% para 50% do PIB. Os fluxos de capitais são um dos fatores que levam ao superaquecimento da economia, e os controles atenuam essa fonte de pressão. Ajustes fiscais tiram a sobrecarga da política monetária. Esse conjunto de medidas deixa o mercado financeiro um pouco confuso. A pergunta mais frequente: o BC está usando outros instrumentos porque não quer subir juros?

A questão é legítima, levando-se em consideração que a Turquia, por exemplo, baixou os juros para conter a valorização do câmbio – e lançou mão de compulsórios para conter a inflação. Estudo do FMI mostra que apenas um terço dos países fez a lição macroeconômica de casa antes de lançar mão de controles de capitais. Os asiáticos estão com taxas de juros negativas, apesar do claro superaquecimento em várias economias. A China prefere apertar compulsórios. “Temos vários instrumentos, por isso podemos atingir vários objetivos”, disse ao Valor Yu Yongding, ex-diretor do BC chinês. “O governo está dando ênfase agora para o controle da inflação.”

Uma fonte do BC afirma que, no caso do Brasil, não há substituição de juros por outros instrumentos. O BC, Fazenda, Presidência da República tomam decisões sobre regulação financeira, orçamento e controles cambiais, de olho em diferentes objetivos. O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne para tratar apenas de inflação, levando em conta os impactos apenas na inflação das demais medidas tomadas pelo governo. “A taxa de juros continua a ser o instrumento clássico para colocar a inflação na meta”, afirma a fonte.

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