segunda-feira, março 14, 2011

Reginaldo Nasser: Disparada no preço do petróleo é pura especulação


Reginaldo Nasser é mestre em Ciência Política pela UNICAMP e doutor em Ciências Sociais pela PUC (SP). Arguto observador de nossos preconceitos, propõe que os ocidentais relaxem em relação ao futuro das revoluções em andamento no norte da África e no Oriente Médio: por que deveríamos cobrar revoluções “em ordem” de africanos e árabes se as revoluções europeias tiveram de tudo, menos ordem? Ele também desconta que haja razões objetivas para uma disparada nos preços do petróleo. Ninguem rasga dinheiro. Atribui o aumento do preço no mercado internacional — cerca de 20%, desde o início de 2011 — à especulação.

É, a gente sabe que até o medo já é uma commodity altamente rentável.

Espalhem, please, via Facebook, já que o Viomundo dá duro para produzir conteúdo próprio de qualidade.

Siga @viomundo

Viomundo – Há quem desconfie do que possa surgir dessa grande revolta nos países árabes, mas ao mesmo tempo há um entusiasmo de quem acredita que é um momento único na história, em que esses países estão se libertando por movimentos próprios, internos, e não se “libertando” por meio de uma ocupação estrangeira, como aconteceu no Iraque ou no Afeganistão. Qual é a avaliação do senhor?

Reginaldo Nasser – É um momento privilegiado. É um momento único para várias coisas e uma delas é justamente mostrar que no Oriente Médio, no norte da África, no mundo árabe, é possível ter uma alternativa que não seja de um lado, ditaduras seculares militarizadas tais como a da Líbia e do Egito, da Síria, e de outro lado, não ter um regime teológico como o do Irã. Porque isso é uma construção que de certa forma, se naturalizou no Ocidente, é uma construção no imaginário.

Independentemente do que vai acontecer, esse fato já esta provado e eu acho isso um ganho. Porque mobilizou vários grupos, não havia ate o momento, indício de uma reivindicação que saísse fora da esfera política, como reivindicações por emprego, contra a tirania. As reivindicações sociais são as questões mais importantes. Uma outra questão, que já se pergunta, é se seria possível ter um governo diferente. Eu diria que a possibilidade se dá através da construção da experiência e também da intencionalidade.

Quem começa a fazer essas comparações já no inicio é porque está esperando o insucesso dessa empreitada. Porque se nós olharmos para a história da Europa, foram séculos de experimentos e mesmo assim, se nós contarmos em termos de período histórico, a experiência democrática dos países europeus é muito pequena. Alemanha, Itália, França, grosso modo, pós-Segunda Guerra Mundial. É interessante que tudo isso some das comparações. As imagens que tem vindo dos movimentos, das rebeliões, mostram uma preocupação em manter a ordem. É muito interessante, no Egito, na Tunísia, se preocupam para que não haja saques, não haja vingança, querem cuidar dos poços de petróleo. São movimentos super ordenados.

Claro, é ingênuo achar que montado o governo, vai ter bonança, libertação, porque é natural que haja grupos conflitantes e como toda e qualquer revolução no mundo, americana, francesa, a russa, ela é feita por composição de grupos com interesses divergentes. Tudo isso para dizer que o Oriente Médio não tem nada de exótico na política. Tem em outras coisas, mas não na política. É uma luta para quebrar com esse preconceito. Eu avalio a situação situando o Oriente Médio e o norte da África da forma como nós debatemos a política na Europa, na America Latina, na Ásia.

V – E por que o senhor acha que tem esse efeito dominó? O que existe em comum? Por que começou no Egito e na Tunísia e o que inspira esses manifestantes?

RN – Por que começa? Ate hoje ninguém sabe como começou a revolução francesa nem a russa então acho que sempre há o factualmente inexplicável. Mas a gente pode fazer algumas inferências. Primeiro, vou explicar o motivo disso estar se espalhando: porque eles tem a mesma herança. Não é casual estar acontecendo no norte da África e no Oriente Médio. E quais são as semelhanças? Não é só na sociedade, maioria árabe e muçulmana, mas é que tem o mesmo tipo de Estado.

Todos foram colonizados, pelo império otomano, império inglês, francês ou italiano. Todos, no processo de independência, alguns mais outros menos, tiveram forte presença militar. Alguns foram para república, caso do Egito, Líbia, Síria; outros, para a monarquia, principalmente os países do Golfo Persa. Mas a estrutura do Estado é a mesma, a estrutura da economia é muito comum: alta concentração, economia basicamente de recursos naturais — caso do petróleo — e, portanto, a [mesma] formação de elites. Isso eles têm em comum.

Do lado dos manifestantes, as reivindicações são as mesmas: desigualdade de renda e repressão política, basicamente. Tem na Tunísia, na Líbia, no Egito, no Bahrein, em todo lugar. Portanto tem uma causa comum. Agora, existem questões especificas. A Líbia por exemplo, tem ainda uma presença tribal muito forte, não tanto como estão dizendo, mas tem.

Portanto com o Gadaffi, tem uma estrutura descentralizada, daí se explica a dificuldade da queda do poder. No Egito, com uma força militar altamente hierarquizada e centralizada , quando os militares decidiram, acabou o governo do Mubarak.

Tem um dado novo no Oriente Médio, independentemente da intenção dos governantes, da concentração de renda, da corrupção: a urbanização. Por isso na Líbia eu acredito que haja uma sobrevalorização das tribos. A Líbia tem 6 milhões de habitantes e no mínimo, 60, 70% de população urbana. Tunísia e Egito também apresentam essa característica. Grandes centros urbanos, classes médias, profissionais liberais e a questão demográfica: jovens.

Em média 30% de jovens. Nessa camada o índice de desemprego é de 70, 80% e são escolarizados. Tanto que no inicio das revoltas na Líbia… as tribos depois aderiram mas não começou com elas. Começou em Benghazi, com uma manifestação no “Dia de Fúria”, convocado por esses jovens e esses profissionais liberais que estavam protestando contra uma prisão e um massacre que o Gadaffi havia feito anos antes.

O peso excessivo da história no Oriente Médio atrapalha a entender o que é novo. Aquela figura do Gadaffi, a forma como ele se veste, não condiz com a Líbia. Nos últimos anos, a Líbia conheceu uma grande quantidade de investimento internacional. O alto número de imigrantes que tem na Líbia mostra o dinamismo do país. Isso é novo. As classes médias, que quando tinham oportunidade iam estudar fora, nos Estados Unidos e na Europa. Ainda tem muito isso, mas dadas as condições ultimamente, eles têm ficado no país. Aí tem o índice de desemprego e também a humilhação. Um pouco o que aconteceu com aquele jovem na Tunísia. Ele é símbolo disso. Tentou abrir o negócio próprio, o policial foi lá, o jovem não se corrompeu e o policial o puniu. Aquilo não é um situação casual. Então, a urbanização, o aparecimento dos jovens desempregados e a elite intelectual, mas que não participa do processo decisório desses países, são fatores novos e determinantes.

V – O que esses manifestantes estão pedindo? A gente tende a dar uma conotação religiosa para conflitos nos países árabes mas essa revolta pode ser vista como uma rejeição ao neoliberalismo?

RN – Eu daqui interpreto que seja contra o neoliberalismo, mas duvido que na cabeça deles seja isso. São contra um tipo de Estado e um tipo de economia de alta concentração, que é uma articulação de interesses das elites locais e internacionais. Não é uma cumplicidade apenas moral, é um elo orgânico das elites. São negócios. Os manifestantes estão contra isso. Eles estão contra um tipo de política externa que é praticado. Ninguém está botando fogo na bandeira dos Estados Unidos mas também não quer dizer que estão apoiando os Estados Unidos. Não é pra eliminar o Estado de Israel, é um outro tipo de política que está sendo solicitado.

Digamos que a situação lá é tão ruim que eles estão pedindo pouco. Querem liberdade de participação política, eleições, etc. Mudar o perfil do Estado e das relações econômicas, da distribuição de renda, seguridade social, são essas coisas. O melhor termômetro pra isso é ver o que o rei saudita fez quando saiu do hospital. Eu costumo dizer que os governantes sabem avaliar melhor o problema do que os analistas. Quando ele chegou, ele não falou nada de religião, nada de terrorismo, ele disse: vou dar 37 bilhões de dólares para habitação, bolsa de estudos, seguridade social, uma série de coisas.

V – E o senhor acha que será suficiente para impedir que as revoltas cheguem à Arábia saudita?

RN – Não, Arábia saudita é só uma questão de tempo. Não tem como. Não dá para prever mas não tem como segurar porque aquilo, como nos outros lugares, é uma bomba-relógio.

V –Mas então eles estão pedindo algo além disso…

RN – Claro que estão. Isso que o rei saudita está fazendo é do estilo da monarquia, é um presente, uma dádiva, uma filantropia. Eles querem uma política de Estado, não isso. Algo permanente, frequente, que invista nas pessoas, algo do qual as pessoas participem. Gadaffi tentou distribuir dinheiro, Mubarak foi ridículo, aumentou o salário e continuou no poder. Então, não vamos acreditar que essas tradicionais políticas populistas darão certo.

Eu diria que esse tipo de liderança, depois de dezenas de anos, acabou. Não tem mais chance, vai ter que ser construída uma outra. Não sei se será melhor, mas será outra. Essa não consegue ter mais legitimidade. Encerrou o ciclo. Seja das monarquias do Golfo, seja dos populistas ditos nacionalistas, que vieram de herança da década de 50 e 60, que são o Gadaffi, o Mubarak.

V – E se chegar na Arábia Saudita, o que acontecerá com o preço do petróleo?

RN – Objetivamente, nada. Os fatos nos dizem que o que o petróleo da Líbia representa no mercado mundial não é o suficiente para explicar o aumento que já vem ocorrendo.

V – Mas talvez o temor de que as revoltas se espalhem explique o aumento. A expectativa da escassez de petróleo…

RN – Não, é isso que eu também tenho questionado. Porque haveria escassez de petróleo? Qual é o pressuposto? De que o rebelde colocaria fogo no petróleo? Ele vai continuar vendendo petróleo. Esse é um equívoco. Se as revoltas se espalharem e mantiverem a intencionalidade dos atores, não vai acontecer nada. O que esta acontecendo na Líbia é exemplar. Em Benghazi, eles estão fazendo o máximo para proteger o poço de petróleo e o Gadaffi está dizendo que vai jogar bomba nele. No Egito, não tem problema nenhum. Isso é especulação do mercado internacional. Pura especulação.

E na Arábia Saudita, acredito que terá uma grande especulação mas objetivamente, não vai ter nada. Por que qual é a lógica daquele que está fazendo a revolução? Que ela dê certo. Para isso, precisa de recursos e no momento, o recurso é o petróleo. E aprenderam com a experiência do Irã, que foi isolado da comunidade internacional. Eles sabem que não dá para sobreviver. Gostando ou não, é uma estratégia. Se isolar, não tem chance. Aquela região — alguns países mais, outros menos — importa 70% dos alimentos. São economias muito frágeis. No caso da Líbia agora, a própria Arábia saudita diz: eu cubro. E pode cobrir. A Rússia pode cobrir. É uma especulação. 

V – E com esses aliados dos EUA e de Isarel caindo, qual é a implicação para o Irã?

Reginaldo Nasser – Tem muita gente dizendo que o Irã ganha, mas eu acho que o Irã perde. O Irã está perdendo porque o Ahmadinejad só fica bem num ambiente com radicalização. Ele se vira bem porque ele afere benefícios disso. Nesse ambiente sem radicalização, ele não tem o que dizer. Ele está tentando desesperadamente capitalizar esses movimentos. Ele ganharia quando tinham as oposições porque ele dizia lá dentro do Irã, que o Mubarak é um vendido para os Estados Unidos e ele estava certo. Dizia que Isarel queria atacá-lo e era verdade. Ele vai começar a perder o apoio interno. Ele tem muito apoio popular mas de influência política na região ele perde.

O bin Laden nem se diga, Netanyahu, neoconservadores, estão perdendo. O Iraque, semana passada teve um movimento igualzinho ao da Líbia. Foram mortos dezenas de civis desarmados. As notícias que vem do Iraque ou são de bomba dos EUA ou de bomba de atentado. Era uma movimentação pacífica e foram reprimidos e mortos. Se não tivesse havido a invasão, com certeza iriam derrubar o Saddam Hussein agora, sem matar 200 mil pessoas. E os manifestantes não querem ajuda estrangeira. Materialmente até, tudo bem, mas simbolicamente a ajuda estrangeira é muito ruim. Só serve para não ter assimetria, os caras tem avião supersônico e nós não temos nada. Então tira a zona aérea que nós resolvemos aqui. Isso é a melhor coisa, é uma das coisas mais importantes que tem.

V – Na Líbia, diferentemente do Egito e da Tunísia, eles carecem de instituições fortes devido à centralização do Gadaffi, instituições que ajudaram a conduzir o processo de transição no Egito e na Tunísia. Como isso vai se resolver na Líbia?

RN – Vai ser mais complicado. Mas em Benghazi e na Cirenaica, eles poderiam muito bem ter declarado a independência de Cirenaica e eles não fizeram isso. Mal comparando com o que já existiu na Europa, nos Bálcãs, eles não fizeram porque eles estão pensando na Líbia. A intencionalidade dos manifestantes é de união. Terão dificuldade institucionais, é verdade, mas não na intenção. Estão levantando a bandeira da Líbia. Até o momento, não está aparecendo em nenhum lugar nenhum movimento de separatismo. Isso é muito importante. Muita gente confunde isso com pan arabismo. Isso é da década de 60 e foi entre governantes.

Eu estou falando da rua árabe. É legal porque o Egito fez referência à Tunísia, a Líbia faz ao Egito. Isso é complicado para os EUA . O [Anuar] Sadat que precedeu ele [Mubarak, no Egito], quando fez o acordo com Israel, que tem a foto com o Jimmy Carter espalhada pelo mundo como momento de paz, foi momento de problema dentro do Oriente Médio, porque ele disse: eu assino o acordo de paz e o resto que se vire, isolando o movimento dos palestinos. O Egito era o líder do pan arabismo. Israel vai devolver o Sinai [ao Egito], vamos viver bem com Israel, a Síria que se dane, Jordânia que se dane. E depois um a um, foram fazendo suas partes sem essa, conexão então ficou um despropósito. Os governos se separaram e restou a rua árabe. O Zogby, instituto de pesquisa dos EUA, mostra que a questão palestina e árabe é um problema interno, da rua árabe. Não tem essa ideia de esquecimento na rua árabe e é essa rua que está trazendo as coisas de novo. Os governantes se venderam, as elites se venderam. É tudo hipocrisia que alguém ajudou os palestinos, ninguém ajudou em absolutamente nada.

V – E a questão das migrações, como vai se resolver?

RN – Quando começou essa rebelião, o Ahmadinejad falou: vai alastrar e vai para a Europa. Ele sabe do que está falando. O problema do europeu não é com o petróleo, é com a migração. Disso eles estão morrendo de medo. O problema se alargou por causa da migração. A Europa está um caldeirão, um barril de pólvora, vai explodir. Cresce a direita, aumenta a repressão aos migrantes e vai crescendo a rejeição e a xenofobia. No caso da França, os filhos dos argelinos são mais radicais do que os pais que nasceram na Argélia. Eles sentem a rejeição da sociedade a reagem a isso. Chamam essa questão da migração de crise humanitária. Crise humanitária é o que tem em vários países da África. Eles chamam de crise humanitária quando vai para a Europa.

Nenhum comentário: