segunda-feira, abril 26, 2010

Economês:O IGP da Fundação Getúlio Vargas




Do Valor
IGP perde importância na salada de índices
João Villaverde, de São Paulo
26/04/2010

Não é missão fácil acompanhar a inflação no Brasil. Não porque os preços ora sobem muito e, pouco depois, perdem ímpeto. Mas porque há uma miríade de índices, que se intercalam durante a semana, apontando tendências em diferentes segmentos da economia. Instituições públicas, privadas e sindicais calculam, cada uma, seu índice. Algumas produzem mais de um. A sopa de IGP-10, IGP-M, IGP-DI, IGP-OG, INPC, IPCA, IPC-Fipe, IPC-S, IPC-c1, IPC-3i, INCC, ICV, ICV-M e outros menos votados constitui um dos cenários mais diversificados de índices inflacionários do mundo.

Criados, em boa parte, para fazer frente à escalada inflacionária dos anos 80, aos poucos vão perdendo espaço nas contas públicas e contratos privados, mas continuam assustando os economistas com suas rápidas oscilações.

Caso simbólico, o Índice Geral de Preços (IGP), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), chegou a ser um dos indicadores de inflação mais importantes da economia brasileira, que corrigia desde títulos públicos até preços de produtos no supermercado, passando por contratos de aluguel e condomínio.

Entre o fim dos anos 80 e os primeiros anos da década de 90, o IGP era utilizado – e defendido – pelos agentes que desconfiavam dos índices calculados pelo Estado. O índice da FGV, na época, simbolizava inclusive a “eficiência” da iniciativa privada, em contraposição ao Estado em crise moral e econômica agravada pelas seguidas trocas de moeda e moratórias da dívida externa.

O tempo passou e o fim da hiperinflação foi, aos poucos, diminuindo a utilização do IGP na economia. O governo não emite mais títulos corrigidos pelos IGPs desde dezembro de 2006 e, neste ano, são os contratos entre indivíduos e empresas que expõem o esquecimento do índice: depois de acumular leve alta de 1,9% nos 12 meses terminados em março, o IGP-M foi amplamente ignorado nos novos contratos de aluguel firmados em São Paulo. Segundo levantamento do Secovi-SP (sindicato da habitação), o aluguel de novos contratos residenciais subiu 10% em março.

Para Gian Barbosa, analista de inflação da Tendências Consultoria Integrada, o IGP recebe mais atenção nas “semanas fracas” – quando há poucos indicadores sendo divulgados. O cenário mais comum, no entanto, é dos diferentes índices de preços brasileiros se acumulando. Toda semana um índice é divulgado e, a cada duas semanas por mês, cerca de cinco índices são anunciados.

Um analista de mercado, doutor em economia em São Paulo, avalia que a salada de índices é “um terror”. “Numa semana sai o IPC-S, seguido da primeira prévia do IGP-M. Pouco depois, temos o IGP-10 e novo IPC-S, que são seguidos da segunda prévia do IGP-M, que sai junto do IPCA-15. Ao final temos o IGP-M fechado e mais IPC-S, além do ICV do Dieese. Depois que o mês termina, ainda saem o IGP-DI e o IPCA do mês anterior”, diz o economista, que acompanha indicadores há 20 anos. Para ele, o IGP “acaba por constituir-se no mais discutível”. O economista avalia que o índice vem perdendo espaço “onde ainda guardava relevância”: nas tarifas públicas e nos contratos de aluguel e condomínio.

Apurado desde 1944 pela FGV, o IGP-DI (Disponibilidade Interna) configura a alta de preços no atacado, no varejo e na construção civil, com diferentes pesos, ao longo do intervalo de 30 dias de um mês. Para fazer frente à explosão da inflação nos anos 80, a FGV desmembrou o IGP em uma série de intervalos, como forma de facilitar a mensuração e consequentemente correção de contratos, para não deixar resíduos inflacionários que acarretassem perdas aos credores. Assim, surgiram o IGP-10 – apurado entre o dia 11 de um mês e o dia 10 do mês seguinte – e o IGP-M, que calcula a alta entre o dia 21 de um mês e o dia 20 do mês seguinte. O IGP-M, além disso, também pode ser “antecipado”: a FGV divulga duas prévias (1P e 2P) entre os dias 10 e 20 do mês.

Mais famoso entre os índices não-públicos, o IGP é criticado pelo peso desigual que dá aos fatores. “Não faz sentido misturar atacado, varejo e construção civil e, ainda por cima, dar pesos distintos entre eles”, afirma Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores. No índice, a FGV leva em conta o Índice de Preços no Atacado (IPA), que representa 60% do IGP, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que pesa 30%, e o Índice Nacional da Construção Civil (INCC), com os 10% restantes. Por vezes, uma alta forte no custo da mão de obra na construção civil pode causar impacto sobre o IGP, ainda que os preços de matérias-primas e bens industrializados estejam comportados. “O correto seria um índice que levasse em conta apenas as oscilações no atacado”, avalia Borges, para quem “isolar” o IPA como um índice por si só seria “o mais justo”.

Para captar as variações de preços no varejo, que atingem os consumidores brasileiros, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tornou-se o “índice oficial” de inflação. É o IPCA que baliza a política de metas de inflação do governo, alvo da política monetária do Banco Central e da política fiscal dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento. Mas mesmo o IPCA não está sozinho. Criado exatamente 40 anos antes, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) apura alta no varejo paulistano e ainda hoje é usado por analistas de bancos e consultorias para antecipar movimentos mais amplos, que depois serão registrados no IPCA.

Entre janeiro de 1939 e 1968, o IPC-Fipe era calculado pela Divisão de Estatística e Documentação da Prefeitura do Município de São Paulo. Passou à Universidade de São Paulo (USP) e, a partir de 1973, à Fipe. O índice é divulgado toda segunda-feira, apresentando a variação de preços na semana anterior.

A alta de preços na cidade de São Paulo conta ainda com o Índice do Custo de Vida (ICV), calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômico (Dieese). Tanto o ICV quanto o IPC-Fipe, ainda que restritos ao município de São Paulo, servem de termômetro para o IPCA. No mês passado, o IPC-Fipe acumulou alta de 0,34%, enquanto o ICV atingiu 0,47%. O IPCA, divulgado pouco depois, bateu em 0,52%.

No entanto, nem o IPC da Fipe, o ICV do Dieese ou o IPC da FGV causam o impacto que a “família” dos IGPs causa entre os analistas de mercado, o governo e o noticiário. Ainda sobrevive no mercado a ideia de que elevações no IGP serão revertidas em altas no IPCA e, consequentemente, sensibilizar a política de metas inflacionárias. Entre os economistas, essa percepção ganhou teoria própria: o IPCA estaria “grávido” do IGP.

A análise dos resultados de ambos, nos últimos anos, evidencia certo descompasso entre os índices. Em 1999 e 2002, anos de crise interna – maxidesvalorização do real e turbulências político-eleitorais, respectivamente – o IPCA teve variações elevadas: 8,9% e 12,5%, nessa ordem. O IGP-DI, no entanto, atingiu valores muito superiores. Em 1999, bateu em 20%, e em 2002 alcançou 26,4%. Da mesma forma, no ano passado, a crise mundial provocou deflação de preços global, diante da queda no consumo. O IPCA recuou dos 5,9% registrados em 2008 para 4,3%, em 2009. O mergulho do IGP foi ainda mais violento, ao passar dos 9,1% apurados em 2008 para -1,73% no ano passado.

A percepção, entre os economistas, é que a estabilidade de preços ocorreu de maneira perceptível no IPCA, que chegou a alcançar 2.477,1% em 1993 e hoje oscila entre 4% e 5% ao ano. Com o IGP, por outro lado, a estabilidade pós-1994 é muito menos “suave”, como as variações recentes demonstram – o IGP-M, segundo preveem as cerca de cem instituições financeiras ouvidas pelo Banco Central no boletim Focus, deve saltar da deflação de 2009 para valores superiores a 8% neste ano.

Para Borges, da LCA, o Brasil é o único país do mundo que usa índice de inflação híbrido, com média ponderada de varejo, atacado e construção civil. “Trata-se de uma jabuticaba esotérica. No resto do mundo calcula-se um índice para varejo, outro para atacado e outro ainda para o produtor. Aqui, no IGP, varejo e atacado são misturados, com pesos diferentes. E ainda tem construção civil no meio. Não tem lógica nenhuma.”

“Ele muda sua utilização na economia, mas é sempre requisitado pelo mercado”
De São Paulo
26/04/2010

Coordenador da área macroeconômica do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) desde 2002, o economista Salomão Quadros avalia que a função do Índice Geral de Preços (IGP) mudou ao longo dos seus 66 anos de existência, mas “ele sempre foi requisitado pelo mercado”. O índice já foi utilizado como deflator do Produto Interno Bruto (PIB) entre os anos 1960 e o início da década de 1980, além de indexador de contratos públicos e privados, como aluguéis. Nos últimos anos, porém, o índice descolou-se do IPCA, utilizado pelo Tesouro como deflator do PIB e pelo Banco Central no regime de metas de inflação. Enquanto o IPCA oscilou próximo a 4,5%, o IGP-M chegou a bater em 9,2%, em 2008, antes de recuar a -1,72%, no ano passado. Hoje, o mercado já trabalha com taxas de 8% para 2010. Essa oscilação causa desconforto entre os economistas. Quadros, em entrevista ao Valor, defende o índice.

Valor: A grande crítica que se faz ao IGP é que ele une atacado, varejo e construção civil num único índice, dando pesos diferentes a cada um. Por que isso ocorre?

Salomão Quadros: Estamos falando de um índice tradicional, usado desde 1944, que foi deflator do PIB entre as décadas de 1960 e 1980. Se pegarmos uma série longa dos componentes do PIB, veremos pesos semelhantes ao que usamos, quer dizer, 60% para o atacado, 30% para consumo e 10% para construção civil. São valores que oscilam próximos a esse peso. Não temos planos de revisar isso.

Valor: No ano passado, o IGP-M fechou pela primeira vez desde sua criação em 1989 em deflação. No entanto, não há notícias de contratos que usam o índice terem sido reajustados para baixo. O que acha disso?

Quadros : Em mais de 80% dos casos, os aluguéis são reajustados pelo IGP-M. Momentaneamente, em casos de IGP-M muito alto no acumulado em 12 meses, o proprietário pode aceitar um reajuste menor. Depois, numa época de queda muito forte, o inquilino pode devolver, acordando em reajustes maiores. Não há estatística que comprove a incidência, mas é possível verificar no mercado que o IGP-M é muito usado.

Valor: Tarifas públicas, como de transporte coletivo, telecomunicações e energia elétrica, estão usando uma cesta de índices, não mais concentrando seu reajuste no IGP-M. O governo também não emite mais títulos corrigidos pelo índice. Ele está perdendo força?

Quadros : As pessoas sempre acham que os IGPs estão perdendo força. Quando ele deixou de ser o índice deflator do PIB, no começo dos anos 1980 [quando foi criado o IPCA], os economistas falavam que ele estava em baixa. Poucos anos depois, com as crises do setor público e a hiperinflação, a criação do IGP-M foi importante para correção de contratos e defesa contra a perda de poder da moeda. Com a estabilização, em 1994 e 1995, voltou-se a falar em perda de força, mas então ele passou a ser usado como hedge cambial, até a adoção do câmbio flexível, em 1999. Desde então, continua a corrigir contratos públicos e privados. Ele muda sua utilização na economia, mas, com a mesma fórmula, é sempre requisitado pelo mercado.

Valor: Mas se o índice ainda é muito utilizado, por que então mudar a fórmula do IPA, que corresponde por 60% do IGP-M, que deixa de ser uma pesquisa no atacado para um índice sobre o produtor?

Quadros: Porque esse é o modelo mais comum no resto do mundo. É hora de partir para algo como um índice de preços ao produtor, porque esse é o caminho. Contratamos um consultor americano, que cuidava do IPP dos EUA, para nos ajudar a implementar a mudança. O nome IPA continua o mesmo, mas a mudança já está valendo para as duas prévias de abril do IGP-M.

Valor: Trata-se de um índice caro de se produzir?

Quadros: Estamos falando de uma equipe de mais de 300 pessoas, em sete capitais (SP, RJ, BH, Porto Alegre, Salvador, Recife, Distrito Federal). Até 2005, eram 12 capitais, mas resolvemos enxugar para diminuir custos, algo que, no entanto, não acarretou em perda de eficiência dos índices, que continuaram muito significativos.

Valor: Há descolamento entre os IGPs e os índices públicos, como IPCA e INPC?

Quadros: Se pegarmos o IPC, que corresponde por 30% do IGP e que pode ser facilmente comparado ao IPCA, veremos que eles estão, curiosamente, inclusive, iguais. Nos 12 meses terminados em março, tanto o IPCA quanto o IPC da FGV acumularam 5,17%. Isso pode mudar, mas serve para mostrar que não há grande descolamento. (JV)

“Estamos falando de uma jabuticaba que mistura tudo”, diz economista
De São Paulo
26/04/2010

Quando começou, o ano de 2010 foi logo caracterizado pelos economistas de bancos e consultorias como oriundo de um passado inflacionário benigno. A redução de preços verificada nos índices em 2009, graças aos efeitos recessivos da crise mundial, serviria para “amenizar” reajustes elevados em contratos públicos, aluguéis e salários. O Índice Geral de Preços-M (IGP-M), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) desde 1989, atingiu, no ano passado, sua primeira deflação – fechou a -1,72%.

No início do ano, no entanto, os reajustes sazonais de transporte público e material escolar, somados a pressão nos preços de alimentos, fizeram o IGP-M saltar. Apenas no primeiro trimestre do ano, o índice acumulou alta de 2,78%. O salto, três meses após a deflação histórica, ligou o sinal de alarme dos economistas e reanimou o debate quanto a controle de inflação.

“O IGP ainda tem muito efeito nos noticiários porque deixa todos assustados com seus pulos rápidos. A política de metas é feita com o IPCA, mas na hora do susto logo começam a calcular qual pode ser o repasse do atacado ao varejo”, afirma Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores. O problema, diz, é que o IGP não transmite apenas as variações no atacado.

“Estamos falando de uma jabuticaba”, diz Fábio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores. “É um índice que pega atacado, mistura com varejo e, de lambuja, ainda junta com alta nos preços de material de construção e de salários dos trabalhadores da construção civil”, afirma.

Calculado desde 1944, o IGP cresceu e formou família. Além do IGP-DI, são divulgadas duas prévias do IGP-M, além do IGP-OG e do IGP-10. A FGV ainda desmembra o INCC, que responde por 10% dos IGPs, e o IPC, divulgado semanalmente. Esses produtos são vendidos aos bancos e consultorias, que passam a ter acesso a pesquisa completa realizada pela instituição. Segundo fontes do mercado, os pacotes custam entre R$ 20 mil e R$ 60 mil ao ano, podendo alcançar cifras próximas a R$ 100 mil.

Para o economista Ricardo Braule Pinto, ex-chefe do Departamento de Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o momento de alterar a ponderação do IGP “já passou”. O economista carioca, já aposentado, conversou com o Valor sobre “o índice que é como a ‘Voz do Brasil’: ninguém gosta, mas está há décadas no ar”, em referência ao programa radiofônico público que vai ao ar diariamente. O programa teve sua primeira transmissão em julho de 1935, durante o governo de Getúlio Vargas. Para o economista, “todo mundo reclama do IGP, mas poucos fazem alguma coisa para mudá-lo, então ele continua com as mesmas distorções de sempre”.

As mudanças anunciadas pela FGV, que transformou o Índice de Preços no Atacado (IPA), que responde por 60% do IGP, em índice de preços ao produtor “atenuam”, avalia Pinto, os “erros do IGP”, mas, segundo ele, “ainda é preciso entender que não faz nenhum sentido um índice que junta fabricantes de carros e de autopeças, de modo que as montadoras produzem e sofrem inflação ao mesmo tempo”.

O IBGE prepara o lançamento de um índice semelhante ao PPI americano, que computa os preços ao produtor. São 1,6 mil empresas cadastradas em 12 capitais – as mesmas representadas no IPCA -, que responderão à pesquisa de preços do governo.

Segundo Alexandre Brandão, coordenador do futuro Índice de Preços ao Produtor (IPP), cerca de 1,1 mil empresas já estão regularizadas e respondendo a pesquisa. “É um trabalho lento, de levantamento de companhias e formulação de produtos. Esperamos ter tudo funcionando até o fim do ano”, afirma Brandão. Para ele, o país “prescinde” de um índice com este perfil. “Nos EUA são apenas dois índices: o PPI, ao produtor, e o CPI, do varejo. Aqui, temos uma série de indicadores de varejo e atacado, e nenhum de preços ao produtor”, afirma.

Da mesma forma, a FGV, que implantou a alteração do IPA neste mês, se baseou na experiência americana com o PPI. De acordo com Salomão Quadros, chefe da área dos IGPs, a FGV teve como consultor Irwyn Getuk, que tocava a apuração do PPI americano até se aposentar, em 2005. No IBGE, são cerca de 20 pessoas trabalhando no índice. Na FGV, mais de 300 na equipe de índices. Desde 2005, quando passou por mudanças para “enxugar custos”, a FGV diminuiu o número de capitais pesquisadas para a elaboração dos índices: de 12 para sete. (JV)

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